Ainda é preciso saber o tamanho do estrago que a decisão do Supremo Tribunal Federal fará na prática sobre condenações da Operação Lava Jato, algo que será definido na modulação do julgamento da tarde desta quinta (26).
Mas uma coisa parece inexorável: salvo uma excepcional reação nas ruas do país em favor da Lava Jato, algo que as últimas manifestações indicaram ser improvável, a ação judicial e policial que mudou a paisagem política do Brasil recebeu seu maior golpe e dificilmente recuperará o ímpeto original.
Isso não significa que não haverá novas fases, com camburões e cenas midiáticas a que os brasileiros se acostumaram desde 2014. Em outras ocasiões, os integrantes da Lava Jato se mostraram diligentes em mostrar força dado o apoio com que contavam no imaginário popular.
Mas o Supremo colocou um freio no voluntarismo, de resto já bastante esvaziado, da turma de procuradores, policiais e juízes curitibanos. Haverá choro e ranger de dentes, mas talvez só isso.
A partir daqui, ainda sob o impacto das revelações do modus operandi da força-tarefa pelos vazamentos do The Intercept, o escrutínio sobre todos os procedimentos tenderá a ser redobrado. Se outros julgamentos acabarem sendo anulados e refeitos pelo tecnicismo encontrado em Brasília acerca dos delatores, muita energia será gasta antes de a operação retomar um norte.
Aqui fica a ressalva feita no começo do texto. A tal modulação vem sendo discutida com muito interesse nos meios jurídicos e políticos em Brasília porque, obviamente, ela determinará se Luiz Inácio Lula da Silva poderá deixar sua cela e voltar ao debate público.
Para vários atores, inclusive os militares que antes viam na soltura de Lula algo inaceitável, o petista na rua ou em casa é algo já "precificado", usando aqui o jargão do mercado financeiro.
Entre alguns aliados de Jair Bolsonaro (PSL), a hipótese já é vista até como boa: manterá um clima de flá-flu ainda mais acirrado, e a radicalização que o presidente vem abraçando nos últimos meses pode inclusive indicar uma preparação para essa realidade.
Mas isso ainda é muito hipotético, e Lula enfrentará outros julgamentos à frente. O mais importante, no momento, é o impacto que a decisão pode ter na configuração política do país.
Desde que a Lava Jato emergiu, a devastação que suas revelações provocaram estabeleceu uma nova régua para os políticos, que foram divididos entre culpados e inocentes, sem direito a zonas cinzentas. Isso foi determinante para a aniquilação do PT na eleição municipal de 2016 e um dos fatores centrais para a ascensão do bolsonarismo.
Daí a ironia óbvia, a de que o enterro da Lava Jato ocorra sob os olhares do mesmo Bolsonaro que tanto se apegou a ela como peça de campanha. Sergio Moro, seu esvaziado ministro da Justiça e símbolo da operação, tenderá a seguir como totem oco de uma época passada.
Naturalmente, os ganhos permanentes da Lava Jato estão colocados, e políticos redobram seus cuidados quando caem em tentação. Mas o esvaziamento simbólico da operação abre uma dúvida razoável sobre o que virá a seguir em termos de demanda do eleitorado.
Se os fichas-limpas não mais serão as estrelas e a dita velha política ainda se arrasta após o terremoto que a abateu, o embate de 2020 que antecede o pleito presidencial de 2022 poderá trazer algum novo híbrido ao palco.
A alternativa, não desprezível, é a consolidação de uma dicotomia entre PT/esquerda e o bolsonarismo, o que sugere um pesadelo para as siglas e lideranças centristas.
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