Oito dos 10 deputados federais que representam o Espírito Santo no Congresso votaram a favor do projeto de lei que permite a empresas a compra de vacinas para imunizarem seus funcionários. Entre os que concordam com a proposta, o principal argumento é a necessidade de acelerar a vacinação dos brasileiros, mesmo que isso signifique permitir que a iniciativa privada crie uma segunda via de vacinação, fora do SUS. O texto foi aprovado no plenário na última terça-feira (06) e agora segue para análise no Senado.
Foram contrários apenas os deputados Helder Salomão (PT) e Ted Conti (PSB). Para os dois parlamentares, com a pouca oferta que existe de vacinas no mundo, seria injusto permitir que a iniciativa privada "saísse na frente". Veja como votou cada parlamentar:
O texto aprovado permite que empresas comprem vacinas que tenham sido aprovadas por alguma agência regulatória reconhecida pela Organização Mundial da Saúde. Ou seja, a iniciativa privada poderá comprar vacinas que não são aprovadas pela Anvisa. Em contrapartida, metade das doses adquiridas deverão ser doadas ao SUS.
Para especialistas, a medida não vai surtir muito efeito para quem espera ser imunizado pelo sistema público, uma vez que as vacinas que não são aprovadas pela Anvisa não podem ser usadas no SUS. Além disso, há o receio de que a proposta enfraqueça a Anvisa, por permitir imunizantes que ainda não foram aprovados pela agência reguladora brasileira.
Entre os que defendem a liberação, o principal ponto positivo destacado seria o de acelerar a vacinação dos brasileiros. Para esses parlamentares, não há problema em importar vacinas que não foram aprovadas pela Anvisa, desde que tenham sido reguladas por uma agência semelhante, garantindo que a vacina é segura.
"É uma maneira de avançar com a vacinação, contribuir com o SUS por meio da quantidade vacinas que deverão ser doadas pela iniciativa privada e também proporcionar mais segurança para os setores que continuam ou que estão retomando suas atividades econômicas", justificou Amaro Neto.
Os deputados defendem que a pressa para vacinar é o ponto prioritário do momento, por isso, permitir que os patrões imunizem os funcionários – mesmo que pessoas mais novas sejam vacinadas antes de grupos prioritários que dependem do SUS – não vai enfraquecer o sistema público, antes, pode "desafogá-lo".
"O que enfraquece o SUS é a má gestão do governo federal, é não fazer negociação adequada, não comprar no tempo correto que deveria ter comprado. Estamos em um momento em que acima de qualquer coisa a gente precisa vacinar mais gente. Se você permite mais compradores entrarem no mercado e ter alguma vacina que foi aprovada por alguma agência reguladora semelhante à Anvisa, o que garante a segurança, e vacinar seus empregados, você desafoga o sistema público", defende Felipe Rigoni.
Para Neucimar Fraga, é preciso "quebrar a burocracia da Anvisa", que ainda não deu aval para todas as vacinas disponíveis no mercado. "Queremos quebrar a burocracia da Anvisa, não é justo que milhares de pessoas continuem morrendo, enquanto muitas vacinas que já foram aprovadas por órgãos semelhantes em outros países Europeus e o EUA, continuam enfrentando dificuldades para registros na Anvisa", disse, por nota.
Soraya Manato, Norma Ayub, Lauriete e Josias Da Vitória usaram justificativas semelhantes. Aos olhos deles, a proposta vai permitir uma redução no número de mortos e um retorno mais rápido "à normalidade" da atividade econômica. Para Da Vitória, o projeto permite que a iniciativa privada atue de "forma complementar no Programa Nacional de Imunização". Evair de Melo não respondeu as perguntas da reportagem.
Entre os parlamentares que votaram contra a medida existe uma preocupação quanto ao fornecimento dos imunizantes. Ted Conti afirma que em "circunstâncias normais" não seria contra a compra de vacinas pela iniciativa privada, mas "nesse contexto" a autorização seria "mais prejudicar do que beneficiar". O contexto que ele se refere é o cenário de alta demanda e pouca oferta pelos imunizantes.
"Se autorizarmos as empresas a comprarem nesse ambiente de pouca oferta, mesmo que parte tenha que ser doada ao SUS, logo faltará vacina para os mais pobres. Portanto, votei pelo SUS, pela distribuição justa e eficiente das vacinas. Neste momento não podemos criar hierarquias na vacinação. A vacina é um direito de todos os brasileiros", escreveu.
O socialista também destacou que caso as empresas comprem vacinas que não foram aprovadas pela Anvisa, as doses não poderão ser usadas no SUS. "A compra de vacinas não testadas pela Anvisa é um risco. Além disso, metade desses imunizantes não aprovados seria doada ao SUS e geraria um encalhe", sustenta.
Também contra a medida, o petista Helder Salomão é categórico: "Sou totalmente contra esse projeto. Nossa luta é por acesso universal às vacinas e não apenas para quem pode pagar para se vacinar (...) As empresas devem ajudar, mas todas as vacinas compradas pela iniciativa privada deveriam ser disponibilizadas para o Ministério da Saúde acelerar o Plano Nacional de Imunização".
As doses compradas pelas empresas deverão ser destinadas para imunizar, gratuitamente, funcionários e estagiários das empresas compradoras. A lei fixa, ainda, que cooperados, associados, autônomos, temporários e terceirizados poderão ser contemplados. Dentro das empresas, também deverá ser observado a ordem prioritária estabelecida no Plano Nacional de Imunização, vacinando os grupos de risco primeiro.
Negociações envolvendo empresas que já possuem contratos firmados com o Ministério da Saúde "somente poderão ser pactuadas após o cumprimento integral dos contratos e entrega das vacinas ao governo federal." O governo tem contratos firmados com a Astrazenica, fornecedora da vacina da Oxford, a Sinovac, da Coronavac, a Pfizer e com a Johnson & Jonhson. A Coronavac é a vacina mais aplicada no Brasil até o momento. Há, ainda, duas vacinas nacionais em desenvolvimento: a ButanVac e a Versamune.
A empresa que descumprir as regras poderá pagar uma multa de até 10 vezes o valor pago pelas doses de imunizante.
Aprovado por maioria entre os deputados, a proposta agora segue para análise no Senado. Os três senadores eleitos pelo Espírito Santo, Marcos Do Val (Podemos), Rose de Freitas (MDB) e Fabiano Contarato (Rede) foram procurados pela reportagem para se posicionar, mas apenas Contarato respondeu. Ele vai votar contra o texto.
"A imunização de todos deve ser feita conforme os critérios de prioridade definidos pelas autoridades de saúde, e não de acordo com a capacidade aquisitiva. Nenhum país do mundo autoriza a compra de vacinas por empresas, nem mesmo os laboratórios negociam com entes privados, justamente em função da grande demanda e escassez de oferta. Na prática, o PL legaliza o fura-fila e prejudica o Programa Nacional de Imunização. No momento oportuno, após análise da Câmara dos Deputados, o Senado certamente se debruçará sobre essa matéria e minha atuação será para evitar a aprovação dessa medida", disse, por nota.
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