As eleições de 2020 no Espírito Santo contam com 267 candidatos que são servidores públicos estaduais efetivos. Esse grupo, por lei, teve que pedir licença do cargo que ocupa para fazer campanha e participar do pleito. Contudo, mesmo durante o período de afastamento, eles continuam recebendo o salário integralmente. O pagamento é previsto em lei federal e, portanto, não é ilegal.
Segundo levantamento feito por A Gazeta, só no mês de outubro o Executivo estadual pagou R$ 1,5 milhão em salários aos servidores-candidatos. Quando considerados também os benefícios, esse valor passa de R$ 2 milhões.
Como para a maior parte deles a licença política tem duração de três meses, eles custarão aos cofres estaduais R$ 4,5 milhões no total, considerando os benefícios e levando em conta que os militares somente se ausentam por 45 dias, tempo de duração da campanha.
As informações foram obtidas a partir do cruzamento dos dados dos candidatos disponibilizados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que foram consultados nesta quinta-feira (12), com a relação de servidores do Estado e seus respectivos cargos, e com a folha de pagamento do governo do Espírito Santo referente ao mês de outubro.
É possível que o dinheiro público financie indiretamente muito mais candidatos. Ao todo, 790 concorrentes no Estado se identificaram como servidores públicos municipais nos registros do TSE. O cruzamento feito pela reportagem não inclui os municípios nem os servidores inativos (aposentados).
Por lei, os servidores efetivos ativos que querem concorrer a cargos eletivos são obrigados a se desincompatibilizar ou seja, se ausentar de suas funções três meses antes da eleição. Este ano, a data limite foi 15 de agosto. Durante esse tempo, eles continuam recebendo integralmente os salários e benefícios.
A lei complementar federal que introduziu essa obrigação é de 1990, quando o período de campanha tinha duração de 90 dias. Contudo, em 2015, a reforma política reduziu esse tempo para 45 dias, mas a licença dos servidores ficou inalterada.
A exceção são os militares, que se ausentam apenas pelo período de duração da campanha.
Entre os servidores efetivos estaduais que têm vínculos ativos, 235 pleiteiam uma vaga nas câmaras municipais. Outros 17 concorrem para prefeito e 15 para o cargo de vice-prefeito.
Um em cada três é vinculado à Polícia Militar, quase todos de baixa patente. Há, contudo, dois coronéis e quatro tenentes-coronéis, cargos com salários entre R$ 17 mil e R$ 20 mil.
O segundo maior grupo é dos trabalhadores da educação, que correspondem a 26% do total. Os salários dessa categoria, que conta principalmente com professores, é em média R$ 2,6 mil.
Em seguida vêm os servidores ligados à Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), com destaque para os cargos técnicos. Há apenas três médicos.
Um levantamento do professor doutor Fernando Botelho (FEA-USP) e do doutor em Ciência Política pela USP Humberto Dantas aponta que o custo nacional para o erário nas eleições de 2016 foi de cerca de R$ 700 milhões.
Nas eleições de 2020, eles avaliam que o montante pode chegar à cifra de R$ 1 bilhão, em razão do aumento do número de candidatos a vereador, com base no fim das coligações proporcionais. O valor daria para pagar 1,1 milhão de parcelas do auxílio emergencial.
Economista da Fucape, Arilda Teixeira lembra que o custo para o Estado dessas candidaturas não é só relacionado ao pagamento de salários. Ele também está vinculado à perda na produtividade e nos serviços prestados ao cidadão que a ausência desses trabalhadores pode provocar.
É um gasto absurdo porque se um servidor quer concorrer a um cargo público ele deveria arcar com as despesas para esse projeto. Mas o Legislativo aprovou essa situação. É um benefício que eu chamo de espúrio. Porque ele beneficia individualmente o servidor à custa do cidadão contribuinte. Ele está invertendo a posição e a obrigação do Estado, que é pensar na sociedade, no coletivo, e não no individual, avalia.
Já o cientista político e sociólogo Rodrigo Prando, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, reforça que a legalidade do afastamento remunerado dá condições para que os funcionários públicos consigam concorrer nas eleições.
Não tem por que acabar com esse direito. O servidor, enquanto candidato, está ali à disposição do eleitor. Não há ilegalidade, a princípio.
Ainda assim, Prando observa que existem alguns casos em que o servidor de fato se afasta sem intenção real de ganhar a disputa e usa o tempo para o descanso, ou mesmo para ajudar na campanha de outros candidatos.
Se for comprovado algum ardil, algum esquema para levar vantagem, ele deveria ser punido. Afinal, como o servidor não está trabalhando e está recebendo, há um impacto aos cofres e à qualidade do serviço público. Em situações normais, não há nada de errado, mas qualquer mudança precisaria ser analisada à luz da reforma administrativa, pontua.
Essa também é a posição do advogado Eduardo Sarlo, especialista em Direito Público. Ele acredita que os servidores públicos, por terem conhecimento interno da máquina, podem trazer boas perspectivas em cargos no Legislativo e no Executivo. Mas ressalta que as fraudes devem ser investigadas.
A administração pública realmente tem que controlar, ver se não está havendo abusos, desvios, verificar se a lei está sendo utilizada com seu verdadeiro intuito. Se for descoberto que foi feito para se valer de uma licença remunerada e tirar uma pseudo-férias, fere os princípios de moralidade e legalidade, e eles podem sofrer processo administrativo disciplinar, ressalta.
Em nota, o governo do Estado informa que a Lei Complementar Federal Nº 64/1990 assegura ao servidor público efetivo, candidato nas eleições municipais, o pagamento de seu salário durante o período de licença política, de três meses.
Segundo o Executivo estadual, o afastamento é necessário e resguarda a isonomia entre os candidatos. A Secretaria de Estado de Gestão e Recursos Humanos (Seger) também reforça que o direito à licença política não é estendido ao servidor comissionado, que deve solicitar a exoneração do cargo para disputar as eleições.
Já a Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp) esclarece que as regras para militares são diferentes, uma vez que não podem ser filiados a partido. Essa licença, então, só conta a partir da homologação da candidatura em convenção partidária. Enquanto ficam afastados, os militares só recebem o salário e não têm direito a qualquer outra remuneração, como escala extra.
Para o presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Servidores Públicos do Estado do Espirito Santo (Sindipúblicos-ES), Tadeu Guerzet, não há que se discutir o direito do servidor de se afastar de suas atividades para concorrer em uma eleição.
É um afastamento temporário e com propósito. Não é um afastamento sem razão. Pode haver casos de pessoas que se afastem sem intenção real de disputar, claro, mas é fácil identificar. Basta analisar como foi feita a campanha e os resultados.
Guerzet destaca ainda que o afastamento não gera nenhum passivo a mais para o Estado e que a folha de pagamentos segue conforme o planejamento feito no ano anterior, embora possa haver um impacto na qualidade da prestação de serviços, a depender do tipo de cargo ocupado pelo servidor afastado.
Muitos enxergam como privilégio, mas não é. O servidor efetivo não tem a mesma fluidez no mercado que o trabalhador celetista. O papel do Estado é diferente da empresa privada.
O presidente da Associação de Cabos e Soldados da Polícia Militar e dos Bombeiros Militares (ACS), Jackson Silote, ressalta a diferença nas regras entre servidores militares e civis.
Enquanto outros servidores conseguem licença de três meses, em que eles podem fazer pré-campanha, os militares não têm essa oportunidade. Só podemos nos licenciar e realizar filiação a partido a partir da data de homologação das candidaturas. Para nós, a licença fica em torno de 45 dias, diz.
Ele afirma que, durante esse período, não há prejuízo na prestação de serviços à população pois as escalas são remanejadas para que haja cobertura por outro militar da posição daquele que se ausentou para ser candidato.
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