Dos 9.577 candidatos do Espírito Santo aos cargos de vereador e prefeito das Eleições 2024, 35,4% receberam no máximo 50 votos no primeiro turno do pleito, realizado no dia 6 deste mês. Ao todo, são 3.390 concorrentes que não conquistaram um eleitorado expressivo, em sua maioria mulheres e negros.
Dos menos votados no Estado, 4 disputaram prefeituras e os outros 3.386, vagas em câmaras municipais. O candidato a prefeito com a menor votação é Railton Meu Garoto, do PL, que buscava o comando de Mucurici e recebeu apenas 22 votos. Em seguida, aparece Antônio Gomes (PCdoB), concorrente em Itaguaçu, com 24 votos.
Os outros dois candidatos a prefeito que receberam menos de 50 votos são Prof. Duclerk (DC), escolhido por 41 eleitores de Atílio Vivácqua, e Márcio Careca (Agir), de Apiacá, que recebeu 47 votos. Dos quatro concorrentes, apenas o do PL é branco, e os outros três, negros.
Já dos candidatos a vereador, 34 não foram votados — nem por eles mesmos —, 30 receberam apenas um voto e 42 deles, dois votos. A quantidade mais recorrente (neste universo de zero a 50 votos) é de nove votos computados: 115 postulantes ao cargo foram escolhidos por este número de eleitores. Até a marca dos dez votos recebidos, são 827 nomes na lista.
A maior parte das candidaturas com 50 votos ou menos são femininas e negras. Do total, 1.884 concorrentes que receberam até 50 votos são mulheres — o que corresponde a 55,6% —, ante 1.546 homens. No recorte de raça, 2.057 (60,7%) se autodeclararam negros no sistema do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sendo 530 pretos e 1.527 pardos. As pessoas brancas menos votadas somam 1.304 (38,4%); as indígenas, 5; amarelas, 15; e 9 candidatos não forneceram a informação.
Além disso, os dados demonstram que a maior parcela dessas mulheres que não conquistaram mais de 50 eleitores receberam apenas 24 votos ou menos: são 1.247 candidatas, correspondendo a 66,2%. Já as que ultrapassaram esta barreira e receberam de 25 a 50 votos são 597.
Entre os homens, a realidade é diferente: os que receberam até 24 votos são 765 (49,5%), e aqueles que superaram os 25 votos, 781 (50,5%).
De acordo com Laura Astrolabio, especialista em Direito Público e diretora do projeto A Tenda, organização que capacita mulheres para concorrer a cargos eletivos, a baixa taxa de sucesso de algumas candidaturas pode ser justificada pela falta de recursos financeiros destinados às campanhas.
“A pessoa pode ter se candidatado sob a promessa de que receberia apoio financeiro do partido para construir a campanha, mas não ter recebido de fato esse apoio. E, então, ela não consegue colocar uma campanha digna na rua, uma campanha competitiva, uma campanha que faz as pessoas saberem que existe ali um projeto político concorrendo”, pondera.
O fato de alguns projetos não terem visibilidade o suficiente para alcançar os eleitores — e, consequentemente, uma quantidade mais expressiva de votos — é, para Astrolabio, prejudicial não só para os candidatos, mas também para toda a sociedade. “É um direito do cidadão saber quais são os projetos políticos que estão sendo colocados (na disputa), para que ele tenha o direito de escolher”.
Pela legislação eleitoral, os partidos devem lançar, nas disputas proporcionais (como de vereadores, nas eleições municipais, e de deputados e senadores, nas eleições gerais), pelo menos 30% de candidatas mulheres. Também devem destinar às respectivas campanhas a mesma porcentagem dos recursos do Fundo Eleitoral (aplicado exclusivamente nos gastos de campanha, como santinhos, jingles e contratação de equipes).
No entanto, em algumas ocasiões as legendas podem agir de forma irregular, não repassando dinheiro ou, até mesmo, lançando candidaturas fictícias — termo utilizado pelo TSE para se referir a mulheres que são lançadas como candidatas sem saber ou consentir ou ainda para ajudar o partido a burlar as regras eleitorais. No jargão popular, são conhecidas como candidaturas laranjas.
De acordo com a especialista, é importante diferenciar as ações consideradas fraudulentas dos partidos ou dos próprios candidatos. Segundo Astrolabio, muitas vezes as candidatas pouco votadas ou que não têm campanhas significativas são lidas como “laranjas”, mas, na verdade, podem ser vítimas de irregularidades do partido.
“Acreditamos que esses casos são de pessoas — sobretudo as que fazem parte de grupos historicamente marginalizados — que foram desprezadas ou enganadas pelo partido. A legenda disse que apoiaria a campanha, direcionando dinheiro, que é um direito político, mas não fez”.
Para a diretora d'A Tenda, que inclusive reforça que há diversos mecanismos para que mulheres candidatas e pessoas negras possam negociar recursos e espaços — disponibilizados pelo próprio projeto —, a falta de apoio financeiro às pessoas marginalizadas configura violência política e econômica de gênero e raça.
A especialista ainda reforça que os partidos devem ser fiscalizados, e que os concorrentes que devem ser punidos são aqueles que, de fato, burlam as regras da corrida. “A pessoa que é laranja e deve ser punida é aquela que recebe dinheiro para fazer campanha e não faz. Não coloca uma candidatura na rua e usa o dinheiro para fins privados ou para qualquer outra coisa, por exemplo”, afirma.
O responsável por fiscalizar a movimentação eleitoral e os repasses financeiros é o Ministério Público Eleitoral. À reportagem de A Gazeta, o órgão ministerial do Espírito Santo (MPES) afirmou que, por meio do Centro de Apoio Operacional Eleitoral (Cael), orientou os promotores eleitorais “a investigar possíveis irregularidades durante as campanhas e o processo eleitoral, especialmente no que tange às possíveis fraudes relacionadas à cota de gênero e raciais”. Para isso, a instituição forneceu materiais de apoio e modelos para auxiliar nas apurações.
As possíveis fraudes no uso de recursos do fundo partidário destinado às campanhas femininas e negras podem ser verificadas nas prestações de contas, fornecidas pelos partidos e coligações. No entanto, o MPE, para detectar as irregularidades, precisa verificar caso a caso nos municípios.
“Para identificar ilícitos eleitorais, o promotor eleitoral pode instaurar um Procedimento Preparatório Eleitoral (PPE). Esse procedimento apura candidaturas fictícias e investiga se as candidatas realmente fizeram campanha, verificando registros de arrecadação de fundos, propaganda eleitoral e participação em eventos públicos, visando esclarecer os fatos”, esclarece o órgão.
O TSE estabelece que o reconhecimento do crime pode acarretar em punições, como a cassação dos diplomas dos candidatos do partido irregular. A partir da comprovação do ilícito, aqueles que burlaram a legislação eleitoral podem ficar inelegíveis, e os votos recebidos pela legenda no pleito podem ser anulados.
O Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), conhecido como Fundo Eleitoral, é originário de dinheiro público e usado, especificamente, para bancar as campanhas eleitorais.
Aos candidatos que receberam até 50 votos, foram destinados R$ 3,9 milhões. A quantia corresponde a 4% do total recebido pelos concorrentes do Espírito Santo (aproximadamente R$ 88,6 milhões).
Daqueles que não somaram votos no pleito (34 postulantes), apenas 2 receberam recursos do fundo para financiar suas campanhas. O valor soma apenas R$ 5 mil.
Vale ressaltar que o Fundo Especial é apenas uma das maneiras de financiar as campanhas. Os recursos também são provenientes de doações pela internet, financiamento coletivo, outros candidatos, do Fundo Partidário, rendimentos de aplicações financeiras e doações de pessoas físicas ou dos próprios candidatos.
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