Desde o resultado da eleição presidencial que deu vitória a Lula (PT), manifestantes inconformados passaram a contestar o resultado do pleito, sugerindo uma intervenção militar, em desrespeito à democracia. Na Grande Vitória, apoiadores de Bolsonaro (PL) realizaram atos em frente ao 38º Batalhão de Infantaria, na Prainha, em Vila Velha. Manifestações em frente a quartéis generais do Exército também ocorreram em outros Estados como forma de protesto.
Na noite do dia 30 de outubro, quando Lula (PT) foi eleito, os manifestantes bloquearam diversas estradas federais. A Polícia Rodoviária Federal (PRF) chegou a contabilizar mais 130 bloqueios no país no auge das movimentações. Os atos duraram até o dia 2 de novembro, quando o atual presidente da República publicou um vídeo pedindo para que liberassem as rodovias.
Após o discurso, os protestantes passaram a se reunir em frente a quartéis generais. Eles pedem por uma “intervenção federal” das Forças Armadas, o que seria inconstitucional. Em nota, o Ministério da Defesa afirmou que entende que as manifestações, desde que ordeiras e pacíficas, fazem parte do exercício da liberdade de manifestação de pensamento. Dúvidas surgiram a respeito da legitimidade dos atos e dividem opiniões de especialistas.
Reivindicar, protestar, ocupar espaços públicos, fazer greves, passeatas e carreatas para expressar a insatisfação com qualquer elemento da esfera pública são movimentos lícitos e constitucionais. Manifestações políticas pacíficas são bem-vindas dentro de um Estado Democrático de Direito e garantidas pelo artigo 5º da Constituição.
Para o advogado e professor de Direito Constitucional Caleb Salomão Pereira, o movimento realizado pelos bolsonaristas é legítimo no que diz respeito à liberdade de manifestação. Porém, os manifestantes utilizam essa prerrogativa para fazer uma proposição ilícita, que seria a intervenção federal militar.
Apesar de pleitearem uma solução inconstitucional, como um golpe militar, o especialista não considera que essas práticas constituem crime capaz de movimentar a máquina do estado para reprimi-las.
O jurista acrescenta que atos de agressão e impedimento do direito de ir e vir das pessoas são atitudes criminosas e devem ser combatidas pelo Estado.
Alguns especialistas alertam que essa conduta pode sim ser considerada crime. O advogado criminalista Cássio Rebouças afirma que, como todo direito, a liberdade de expressão não é absoluta e não pode servir de escudo para a prática de crimes.
O especialista explica que o artigo 286 do Código Penal prevê a figura da “incitação ao crime”, estabelecendo pena de detenção de 3 a 6 meses para quem “incitar, publicamente, a prática de crime”. Condutas mais graves, como o emprego de violência ou ameaça a fim de abolir o Estado Democrático de Direito, estão sujeitas a penas de 4 a 8 anos de reclusão, punidas pelos novos crimes inseridos no Código Penal pela Lei Federal 14197, sancionada em 2021.
Leonardo Bittencourt Ronconi, advogado de Direito Civil, conta que o debate sobre manifestações políticas em face da apologia a crimes não é algo novo para o judiciário brasileiro. Ele afirma que o direito de protestar e organizar manifestações está sujeito a limites: “A simples manifestação do pensamento é livre e garantida pela própria constituição. Contudo, eventuais excessos nessas condutas, como qualquer outro direito exercido por qualquer cidadão, devem ser rechaçados”.
Um dos artigos da Constituição passou a ser citado com frequência desde que as movimentações começaram. Os manifestantes alegam que ele permitiria um golpe militar. Os três especialistas consultados e citados nesta matéria concordam que há desinformação acerca do tema. Eles explicam que não é prevista nenhuma autorização de intervenção militar para a restauração da ordem, tampouco a contestação do resultado das eleições.
O professor de Direito Constitucional, Caleb Salomão Pereira, diz que se isso fosse possível seria como dar às Forças Armadas um papel que ela não tem na Constituição, já que esta não contempla a possibilidade de intervenção federal nesse contexto. Cássio Rebouças concorda que em nenhum momento o texto constitucional traz a possibilidade de se atentar contra a democracia e instalar um governo de militares legalmente.
Ao contrário do que tem sido discutido pelos manifestantes, a força militar não deve atuar como Poder Moderador. Ela tem o dever de defender a democracia e suas instituições democráticas.
“Não existe país democrático no mundo em que o direito tenha deixado às Forças Armadas a função de mediar conflitos entre os Poderes Constitucionais ou de dar a última palavra sobre o significado do texto constitucional”, comenta o advogado Leonardo Bittencourt Ronconi.
*Lívia Bonatto é aluna do 25º Curso de Residência em Jornalismo da Rede Gazeta. Este conteúdo foi supervisionado pela editora Amanda Monteiro.
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