Há dez anos a Lei da Ficha Limpa, que proíbe a candidatura de políticos condenados em decisão judicial colegiada ou da qual não se pode mais recorrer, está em vigor. De iniciativa popular, ela é considerada por especialistas um marco no combate à corrupção no Brasil. Nas duas últimas eleições, em 2016 e 2018, ela barrou 34 candidatos fichas-suja no Espírito Santo, segundo dados disponibilizados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ao montar uma barreira para corruptos, a legislação, para analistas, criou uma "cultura de combate à corrupção" mais presente na sociedade.
Um dos idealizadores da lei, o ex-juiz Márlon Reis destaca que, por ser de iniciativa popular e construída no meio da sociedade antes de chegar ao Legislativo, a Ficha Limpa acabou caindo no gosto do brasileiro. Para ele, as pessoas passaram a acompanhar mais de perto a atuação dos políticos.
Não é à toa, na minha opinião, que no meio dessa década de vida da Ficha Limpa, tivemos as manifestações de 2013, a popularidade da Operação Lava Jato e a aprovação das 10 medidas da corrupção. A Ficha Limpa é o início de um período em que as pessoas começaram a mostrar maior intolerância sobre o tema, afirma Reis.
O número de impedidos de se candidatar poderia ser maior, já que muitos políticos, sabendo que estão inelegíveis pela Lei da Ficha Limpa, acabam não entrando na disputa eleitoral e não são enquadrados pela norma. É o que explica o advogado eleitoral Marcelo Nunes.
"Para evitar a exposição, muitos fazem uma consulta jurídica para ter um parecer e saber se há alguma restrição para se candidatar. A Lei da Ficha Limpa é para aqueles que querem se candidatar. Ela foi uma grande revolução e diminuiu a sensação de impunidade na política, já que pelo menos não podem continuar exercendo cargo", destaca.
Secretário-geral da ONG Transparência Capixaba, Rodrigo Rossoni, acredita que a lei é um marco importante, mas ainda é insuficiente para o combate à corrupção. Ele aponta que a morosidade da Justiça, muitas vezes, impede a aplicação mais rígida da regra.
"Há muitos casos em que a pessoa deixa de se tornar inelegível porque vence o prazo para ela ser condenada por corrupção. Além disso, temos o uso de candidaturas laranjas, em que pessoas próximas são colocadas para disputar cargos no lugar do marido, da esposa, do filho ou algum parente que foi impedido", lembra.
Rossoni também ressalta que é preciso ampliar as restrições não só para mandatos em cargos públicos, mas para dentro dos partidos políticos também. Para ele, se um condenado perde os direitos políticos, também deveria ser afastado da vida partidária, principalmente em cargos de direção, que podem definir, por exemplo, quem será candidato ou não em uma eleição.
"Existem casos de pessoas condenadas que continuam ocupando cargos executivos dentro de seus partidos e atuando no cenário político de lá, em vez de cumprir sua pena. Há propostas em debate para estender essas restrições para a vida partidária também", conta.
Uma dessas propostas está prevista, por exemplo, nas "70 novas medidas contra a corrupção", que foram criadas por diversas entidades que se debruçam sobre o tema. A Transparência Capixaba é uma das signatárias. O projeto, de iniciativa popular, conta com mais de 580 mil assinaturas.
Entre os políticos capixabas que já foram enquadrados na lei está o ex-prefeito de Muqui Frei Paulão (PSB), que exerceu o cargo entre 2001 e 2008. Mais votado em 2016, a Justiça Eleitoral o considerou inelegível por conta da rejeição de suas contas pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que encontrou irregularidades em um convênio para a compra de ambulâncias, em 2004.
"Eu acredito que a Lei da Ficha Limpa é uma lei que ajudou muito o país, colocou ordem e apertou o cerco contra aqueles que desviavam muitos recursos, mas, no meu caso, acho que fui injustiçado. Quem não pode pagar por grandes advogados acaba sendo punido. Fui impedido de disputar as eleições por ter recebido emendas de um deputado que havia sido condenado, mas tive minhas contas aprovadas", argumenta Frei Paulão.
Outro que teve sua candidatura barrada pela Justiça Eleitoral foi o ex-prefeito de Linhares José Carlos Elias, quando tentava uma vaga como deputado federal. Ele foi condenado à suspensão de seus direitos políticos por ter pintado muros de Linhares, enquanto prefeito, com as cores do próprio partido.
Em 2010, quando a lei entrou em vigor, o então deputado estadual Reginaldo Almeida (PSC) não disputou a eleição daquele ano. Condenado em 2003 peloTCU, por irregularidades quando era presidente da Sociedade Comunitária de Habitação Popular de Vila Velha. Na época, quem disputou a eleição foi Lauriete Rodrigues (sem partido), hoje deputada federal, que era sua esposa na época. Ele afirma que foi uma opção sua não se candidatar e só voltou a disputar nas urnas em 2016, quando se elegeu vereador em Vila Velha.
Um dos pré-candidatos à Prefeitura de Vitória neste ano, o ex-prefeito Luiz Paulo Velloso Lucas (PSDB) é um dos que podem ser barrados pela Ficha Limpa. O Tribunal de Justiça o condenou por improbidade por usar funcionário da pago pela Prefeitura de Vitória como caseiro. Ele recorre da decisão no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A reportagem tentou contato com José Carlos Elias, mas não houve retorno.
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