O relatório da Polícia Federal (PF) que fundamentou o indiciamento do ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL) e de outras 36 pessoas aponta que o senador capixaba Marcos Do Val (Podemos) teria atuado para dificultar as investigações relacionadas à tentativa de golpe de Estado, logo após o resultado do pleito eleitoral de 2022, do qual o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) saiu vitorioso. As ações de Marcos do Val são citadas em 53 das 884 páginas do documento, mas o parlamentar não está entre os indiciados.
O relatório teve publicidade autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) na terça-feira (27). Moraes preside o inquérito que apura os ataques à democracia, ao sistema eleitoral brasileiro, bem como as ações que culminaram na invasão das sedes dos Três Poderes, em Brasília, em janeiro do ano passado.
Conforme o texto do relatório da PF, o parlamentar do Espírito Santo atuava em defesa dos interesses de uma organização criminosa que orbitava em torno de Bolsonaro. Mensagens trocadas entre o senador e a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) são destacadas no documento da polícia como um dos principais indícios de que Do Val estaria comprometido em atrapalhar as investigações relacionadas à empreitada golpista.
Ainda é citado como elemento que comprova a participação direta do senador nas investidas contra a democracia o fato de Do Val ter alterado sua versão sobre suposta reunião com Bolsonaro em dezembro de 2022, encontro do qual também teria participado o ex-deputado federal Daniel Silveira.
Na primeira versão de sua fala, divulgada em entrevista à revista Veja em fevereiro de 2023, Do Val sustentou ter sido dada a ele a missão de gravar Alexandre de Moraes, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A ideia era que a conversa com o ministro trouxesse algum elemento comprometedor, abrindo caminho para que o pleito de outubro daquele ano fosse posto em xeque.
Uma segunda versão apresentada por Do Val após a repercussão da entrevista concedida à Veja ameniza a participação de Bolsonaro no plano e assevera que o então presidente teria apenas presenciado o diálogo entre o senador e Daniel Silveira, segundo a PF.
O relatório da Polícia Federal também destaca que as ações descritas para gravar Alexandre de Moraes ocorreram exatamente no mesmo período em que "a organização criminosa estava ajustando os termos finais do decreto golpista e executando ações operacionais para prender/executar o ministro".
O trecho que trata especificamente sobre a partição do senador capixaba na empreitada golpista tem cerca de 50 páginas. Na segunda página do que pode se chamar de dossiê sobre a atuação de Do Val nas articulações visando ao pretenso golpe de Estado, a PF afirma que o parlamentar aderiu à empreitada desenvolvida pela organização criminosa e que assim como os demais membros do grupo também teria tentado coagir policiais que atuaram nas investigações, fomentando, dessa forma, "ações típicas de organizações mafiosas".
Trechos do relatório da PF trazem registros de uma live feita por Marcos Do Val no início de fevereiro de 2023, em que o senador afirma estar arrependido de integrar a empreitada golpista. Ainda na transmissão, o parlamentar antecipa a informação de que a revista Veja traria uma "bomba" na edição daquela semana, fazendo alusão à entrevista concedida ao veículo.
Na transmissão, da qual participaram membros do Movimento Brasil Livre (MBL), o senador afirmou ter sido coagido por Bolsonaro a ajudar na tentativa de golpe, mas que, no entanto, o teria denunciado na entrevista à revista.
A afirmação do senador à época está inclusive grifada no relatório da PF, mostrando o peso do que ele havia alegado durante a live. Veja abaixo o trecho destacado pela polícia:
A Polícia Federal afirma no relatório que indiciou 36 nomes envolvidos em tentativas de golpe de Estado que, em mensagens trocadas com a deputada Carla Zambelli, Marcos Do Val sustenta que usou "a história de gravar Alexandre de Moraes" para chamar a atenção da imprensa e, com isso, conseguir aprovar a CPMI do 8 de janeiro, criada para apurar a invasão às sedes dos Três Poderes, em Brasília.
A troca de mensagens entre os dois parlamentares ocorreu em 26 de fevereiro de 2023, segundo a PF. No texto das conversas, o contato atribuído a Do Val chama atenção para a repercussão de suas declarações sobre o plano para gravar Alexandre de Moraes na imprensa.
"Bom, acho que consegui chamar a atenção da imprensa, né? Agora vamos para a CPI", afirma o senador em uma das mensagens enviadas para a deputada bolsonarista.
Conforme a Polícia Federal, os fatos apresentados no relatório estão sendo apurados em outros procedimentos investigatórios e "sugere-se o compartilhamento dos elementos de prova com os respectivos inquéritos policiais, conforme ofício a ser encaminhado ao juízo competente".
Marcos Do Val foi procurado para comentar o relatório. Em conversa com a reportagem de A Gazeta, o senador disse que nunca atuou para interferir nas investigações da PF e que, à época, possuía prerrogativa para convocar autoridades e políticos para prestar esclarecimentos sobre os atos do 8 de janeiro, por meio da CPMI.
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