Formado pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), o médico Luciano Rezende (Cidadania) surpreendeu infectologistas e especialistas na área epidemiológica ao colocar, no último dia 1º, a cloroquina e a ivermectina no protocolo de atendimento de pacientes com Covid-19 em Vitória. Ao longo da carreira política - foi vereador pela primeira vez em 1995 -, Luciano atrelou a profissão a sua imagem em campanhas eleitorais e durante os mandatos.
O prefeito de Vitória é aliado de primeira hora do governador Renato Casagrande (PSB) e a orientação da Secretaria estadual de Saúde para o tratamento da doença provocada pelo novo coronavírus não inclui os medicamentos, já que eles não possuem comprovação científica da sua eficácia e têm efeitos colaterais indesejados.
O governo do Estado não proíbe o uso da cloroquina ou da ivermectina, mas a secretaria não recomenda, seguindo as orientações de organizações internacionais como a Organização Mundial de Saúde (OMS). A Food and Drug Administration (FDA), agência federal do Departamento de Saúde dos Estados Unidos, também tem produzido diversos estudos a respeito do novo coronavírus e revogou a utilização emergencial da cloroquina.
Na última terça-feira (30), a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) emitiu um novo informe recomendando que a cloroquina não seja usada, devido à falta de benefício comprovado e ao potencial de toxicidade.
Quanto aos antiparasitários, como a ivermectina, a SBI disse que parecem ter ação contra a Covid-19 no laboratório, porém ainda não há comprovação de eficácia em seres humanos. Cinco entidades médicas do Estado também se manifestaram por meio de uma nota pública, alertando a população e profissionais de saúde dos riscos do uso destes medicamentos.
Pós-graduado em medicina esportiva, Luciano atuou em Olimpíadas e Pan-Americanos no controle do uso de drogas pelos atletas e foi secretário da Saúde do município (2003-2004). A figura do médico à frente do político, construída em mais de 20 anos, sai arranhada do episódio recente.
"Confesso que fiquei bastante desapontado e muito triste. Não esperava essa liberação. A Prefeitura de Vitória vinha tendo um posicionamento firme, com acompanhamento técnico científico, e de repente deu uma guinada dessa. Não concordo, e não sou só eu, vários infectologistas ficaram surpresos e discordam desta decisão que não tem qualquer embasamento científico", aponta o renomado infectologista Carlos Urbano.
A decisão de Luciano Rezende ocorre no momento em que políticos mudam o discurso diante da pressão da população para terem acesso a esses medicamentos. Em ano eleitoral, o uso da cloroquina tornou-se combustível político, alimentado pela desinformação nas redes sociais. Em Vitória, o prefeito quer emplacar Fabrício Gandini (Cidadania) como sucessor no comando da cidade.
Com a medida, a Capital alinhou-se a outras 21 prefeituras que solicitaram a cloroquina para os municípios, mesmo sem a comprovação científica de que dê resultado no tratamento da doença.
"As pessoas têm medo do que está acontecendo, e é claro que se alguém disser para elas que existe uma cura, principalmente um médico, elas vão tomar. O fato é que essas recomendações estão sendo feitas com base em experiências pessoais, e não em ensaios clínicos, o que qualquer cientista sabe que é necessário para comprovar a eficácia de um medicamento", ressalta a professora da Ufes e epidemiologista Ethel Maciel.
A postura de Luciano Rezende vai ao encontro do que os deputados estaduais Rafael Favatto (Patriota) e Hudson Leal (Republicanos). Também médicos de especialidades que diferem da infectologia, eles têm pregado nas sessões da Assembleia Legislativa, incentivando o uso de medicamentos sem comprovação científica. Os parlamentares pretendem concorrer à Prefeitura de Vila Velha.
O infectologista Lauro Ferreira Pinto avalia como um erro a definição de protocolo para um município do uso de medicamentos sem evidência comprovada.
O médico chegou a entrar em contato com Luciano Rezende, posicionando-se contra a decisão. O prefeito disse que se tratava de um teste e que estava baseado em alguns estudos. A explicação, contudo, não convence especialistas da área.
"Mandei mensagem para o prefeito criticando, eu protestei. Ele disse que são estudos. Mas é preciso ter muita cautela. É mais prudente esperar quem está realmente pesquisando sobre isso do que sair usando medicamentos por aí. Não me parece sensato", opinou o infectologista.
Referência do novo coronavírus no país, a pneumologista e pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz) Margareth Dalcomo vê com profundo desapontamento" a decisão do prefeito e que a grande maioria dos médicos, especialistas na área, tem se posicionado contra o uso da medicação no país.
Procurado pela reportagem, Luciano Rezende não quis se manifestar. No Instagram, o prefeito afirmou que existem relatos pelo Brasil de resultados positivos e casuística que aponta que esse fenômeno deve ser estudado sem politização ou preconceito.
A secretária de Saúde de Vitória, Cátia Lisboa, informou que o protocolo foi baseado em vários estudos positivos obtidos no Brasil e que não obriga a utilização dos medicamentos por parte dos médicos.
"A decisão que nós tomamos será acompanhada e desenvolvida por um grupo de médicos voluntários. Estamos usando medicamentos que obtiveram resultados positivos em vários locais do Brasil. Deixo claro que cada médico da prefeitura tem direito ao exercício individual da medicina, ele não é obrigado a prescrever o medicamento", comentou.
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