A Assembleia Legislativa do Espírito Santo aprovou, nesta segunda-feira (10), o projeto de lei 298/2020, que autoriza o uso de cloroquina e outros medicamentos no tratamento da Covid-19 no Estado. A droga não tem eficácia comprovada cientificamente no combate ao novo coronavírus e pode causar efeitos colaterais em pacientes. Para entrar em vigor, o projeto precisa ser sancionado pelo governador Renato Casagrande (PSB).
A proposta é de autoria do deputado estadual Vandinho Leite (PSDB). O texto institui o "protocolo de utilização precoce dos medicamentos hidroxicloroquina, cloroquina, azitromicina e ivermectina enquanto durar a crise ocasionada pela pandemia causada pelo Covid19 - coronavírus, no âmbito do Estado do Espírito (sic). A Covid-19 é a doença causada pelo novo coronavírus. O nome do vírus é Sars-Cov-2.
Em termos práticos, a aprovação do projeto não altera nada, visto que a utilização destes medicamentos já é autorizada no Estado. No caso da cloroquina, apesar de não ser recomendada pelo governo estadual, ela não é proibida. Cabe a cada médico avaliar se prescreve ou não. A droga é, inclusive, repassada pela Secretária de Estado de Saúde (Sesa) para municípios que possuem a droga em seu protocolo e fazem solicitação.
A pasta informou à reportagem de A Gazeta que a aprovação da proposta não muda o procedimento que vem sendo adotado pelo governo do Espírito Santo.
Politicamente, contudo, coloca o governador Renato Casagrande em uma situação complicada. Além disso, reforça a propaganda política que tem sido feita em torno da cloroquina.
O projeto foi votado em regime de urgência durante sessão virtual. Após passar pelas Comissões de Justiça, Saúde e Finanças, a aprovação aconteceu de forma simbólica no plenário, ou seja, sem o registro nominal dos posicionamentos. Nenhum dos participantes da sessão, no entanto, manifestou-se contrariamente.
O projeto foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), mesmo com parecer de inconstitucionalidade da Procuradoria-geral da Assembleia. Acompanhar o parecer técnico da Casa não é obrigatório, mas costuma ser prática da CCJ.
O deputado estadual Fabrício Gandini (Cidadania) é o presidente da Comissão de Justiça. O parlamentar é da base do governo, mas, antes de tudo, pré-candidato do prefeito Luciano Rezende (Cidadania) em Vitória. No último mês, Luciano adotou a cloroquina no protocolo municipal.
Na Comissão de Saúde, que é formada por dois médicos, Doutor Hércules (MDB) e Emílio Mameri (PSDB), o voto também foi pela aprovação do projeto. Ambos, contudo, já chamaram atenção para os riscos e efeitos colaterais provocados pelo uso do medicamento.
Durante a sessão do dia 28 de julho, Mameri chegou, inclusive, a comparar a eficiência da cloroquina, no tratamento da Covid-19 à maizena. Eu particularmente, como médico, não acredito que faz diferença. Para mim, cloroquina ou maizena é a mesma coisa, declarou.
Ele também destacou que a prescrição do medicamento não é proibida no Estado e que os médicos têm autonomia quanto a isso. Mesmo assim, votou pela aprovação.
A administração da cloroquina em pacientes durante a pandemia se tornou uma guerra política no país, impulsionada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Ele defende, sem qualquer embasamento científico, a eficácia da droga.
Diversos estudos têm alertado para os efeitos colaterais que o medicamento pode provocar em pacientes, incluindo arritmia cardíaca. A Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) não recomenda o uso da cloroquina devido à falta de benefício comprovado e ao potencial de toxicidade. A Organização Mundial de Saúde (OMS) compartilha da orientação.
No Espírito Santo, a batalha tem sido travada entre o governo estadual que, apesar de autorizar, não recomenda o uso da droga no tratamento precoce da Covid-19, e de parlamentares na Assembleia, muitos deles da oposição.
Desde que o assunto se polarizou politicamente, muitos deputados estaduais, incluindo médicos, têm ignorado as recomendações das autoridades de saúde e usado as sessões da Casa para promover o uso da cloroquina. A droga se tornou peça de propaganda política para aqueles que querem agradar a população com o oferecimento de um remédio, ainda que sem comprovação, e garantir apoio. Muitos parlamentares são pré-candidatos a prefeito.
Eles também têm feito ataques ao governador Renato Casagrande e ao secretário estadual de Saúde, Nésio Fernandes, por não incluírem o medicamento no protocolo estadual de tratamento precoce da Covid-19.
A secretaria de Estado de Saúde informou, por meio de nota, que não há previsão de mudança na conduta sobre o uso do medicamento no Estado. As melhores indicações científicas sobre o medicamento já compõe a Nota Técnica Covid-19 56/2020 que trata sobre recomendações para tratamento farmacológico de pacientes com infecção pelo coronavírus, disse por meio de nota.
A secretaria respondeu a questionamento formulado pela reportagem de A Gazeta a respeito da cloroquina, mas a nota técnica 56, citada pela Sesa, também dispõe sobre uso de azitromicina e ivermectina. Ambos não são recomendados em casos leves ou graves de pacientes diagnosticados com Covid-19.
A executiva nacional do PSDB, partido de Vandinho, que também é presidente da sigla no Espírito Santo, foi demandada. Um dos maiores expoentes da legenda, o governador João Doria, não é defensor da cloroquina. O PSDB informou que não vai se manifestar.
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