A ideia é nobre: oferecer recursos, capacitação e motivação para que pessoas comuns, bem intencionadas, disputem eleições e sejam eleitas sem ficarem à mercê das deficiências e verticalidades dos partidos políticos.
Mas os chamados movimentos cívicos, como RenovaBR, Livres, Agora! e outros têm gerado curto-circuitos nas agremiações partidárias e dividido especialistas sobre seus impactos na política brasileira.
O conflito entre movimentos cívicos e partidos ficou evidente na votação da reforma da Previdência. Políticos formados pelo RenovaBR foram contra orientações partidárias justamente em tema caro às respectivas cúpulas partidárias e também costumam contrariar orientações nas votações corriqueiras.
Queremos um país mais justo, mas que pessoas possam participar das eleições sem depender da mão do partido, do dirigente, do sindicalista, disse Eduardo Mufarej, fundador do RenovaBR, durante evento em Vila Velha há duas semanas.
É fato que, em geral, os partidos são estruturas ineficientes, lentas, atrasadas, com pouca democracia interna, corruptas e nada transparentes. Mesmo assim, são altamente necessários à democracia, para organização do debate.
DINHEIRO
Aí reside uma das críticas mais contundentes aos movimentos cívicos, a de que eles querem agir como partidos e lançar candidatos, mas abrindo mão de carregar o ônus de ser um.
Eles querem o que os partidos têm de bom para eles, que é o dinheiro para as eleições, e não querem ser contaminados pela má reputação dos partidos. Quando convém dizer ser do movimento, dizem. Mas quando convém pegar dinheiro para a eleição, pegam, critica Sérgio Praça, professor e pesquisador da Escola de Ciências Sociais do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, da FGV-RJ.
O apresentador Luciano Huck (membro do Agora!), que ladeou Mufarej em Vila Velha e criticou o presidente Jair Bolsonaro (PSL), por exemplo, faz política por meio do movimento, sem ter um partido. O evento do RenovaBR, aliás, atraiu tanto militares simpáticos à greve de 2017 quanto agentes públicos que trabalharam para debelarem o movimento paredista.
Pesquisadora e socióloga da USP, Ellen Elsie Nascimento pontua que os movimentos colocam-se como alternativa à polarização. E, para isso, arvoram-se sobre princípios quase unânimes como valores, diálogos e honestidade. Assim, beneficiam-se de uma camuflagem.
QUEIXAS E AMEAÇAS DE EXPULSÃO
As principais críticas aos movimentos partem exatamente dos partidos, que se veem acuados por figuras e iniciativas com luz independente da estrutura das agremiações. Contudo, esses partidos conhecem perfeitamente os pretensos candidatos que acolhe. Há quem diga que as queixas e ameaças de expulsão de "infiéis" soam hipocrisia.
Como os partidos vão mal, os movimentos crescem preenchendo as lacunas. E um jogo de poder se estabelece, observa o professor de Ciência Política do Ibmec/MG Adriano Gianturco.
Diferentemente de Praça, Gianturco minimiza a influência dos movimentos sobre os congressistas que elegeu. Lembra que eles não votam em bloco em todas as discussões e salienta que partidos são apenas um dos grupos que influenciam o debate público. Famílias tradicionais, bancadas temáticas e grupos religiosos e interesses regionais também agem para isso, embora os partidos sejam os mais evidenciados.
Movimentos estão concorrendo por parte do poder. Não é necessariamente negativo para o sistema político, mas para concorrer eleições tem que ser formalmente constituído. Os movimentos podem fazer coisas idênticas a que os partidos fazem, exceto disputar a eleição, constata.
CANDIDATURAS AVULSAS
A visão da filiação partidária como pedágio para chegar a cargos eletivos leva a outro debate, o das candidaturas avulsas, hoje proibidas.
O argumento central dos que são contra a candidatura avulsa é o de que ela pode ser celebridade e ganhar o voto sendo figura autoritária, populista, sem vivência política ou partidária, comentou Rodrigo Prando, professor de Ciência Política da Universidade Mackenzie.
Prando avalia que, em geral, os movimentos são positivos. Oferecem bolsas, formação, ensinam a lidar com a política. Por outro lado, alerta para o risco de catapultar para a vida pública pessoas que não foram educadas na vida política, sem construção de consenso.
Com a pressão exercida por movimentos sobre os partidos políticos, é possível que velhas práticas passem a ser revistas? Especialistas também se dividem.
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