Dos 276 promotores e procuradores do Ministério Público do Espírito Santo, 258 (93%) receberam em 2023 salário médio maior que o teto constitucional do funcionalismo público, que é de R$ 41,6 mil. A média salarial dos membros do MPES ficou em R$ 52,4 mil no ano passado.
Considerando todas as folhas de pagamento, 20 membros do MPES tiveram rendimento líquido de mais de R$ 100 mil pelo menos uma vez no ano, com alguns deles recebendo acima desse valor em vários meses.
Os dados foram levantados por A Gazeta a partir das informações da folha de pagamento do órgão, que é pública e disponível no site.
A remuneração efetiva dos promotores e procuradores de Justiça varia de R$ 32 mil a R$ 37,5 mil. Em teoria, fica abaixo do teto do funcionalismo público que, no Brasil, é baseado no salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Porém, o pagamento de auxílios, abonos e outros penduricalhos faz o salário deles quase dobrar no fim do mês.
O grosso dessas verbas extras são chamadas de indenizatórias (representada em azul mais claro no gráfico acima). Elas são livres de impostos e também não entram no abate-teto, um mecanismo criado justamente para impedir que servidores ganhem acima do teto constitucional.
"Esses órgãos (como o MPES) fazem uma divisão entre benefício remuneratório e indenizatório e, por lei, entende-se que o remuneratório é contabilizado pelo abate-teto e o indenizatório não. Eles consideram como se você estivesse pagando uma indenização ao membro. É a partir daí que eles conseguem ter rendimentos que ultrapassam muito o teto do STF", explica a analista de transparência do Transparência Brasil, Bianca Berti.
São verbas indenizatórias no MPES:
Entre esses benefícios, apenas o auxílio-alimentação é pago a todos os membros de forma igual. As demais verbas indenizatórias variam de pessoa para pessoa e também entre os meses. Elas precisam também ser requisitadas, ou seja, quem quiser, tem que pedir.
A adição mais recente à lista dos chamados "penduricalhos" foi o Acervo Processual, que passou a ser pago em outubro do ano passado.
Naquele mês, o valor médio recebido pelos membros foi de R$ 21,5 mil, valor provavelmente explicado pelo fato de que o recurso foi pago retroativo a três meses. No mês seguinte, novembro, a média recebida de acervo processual foi R$ 5,1 mil e, em dezembro, atingiu o pico, com R$ 38 mil em média pago a cada um dos procuradores e promotores.
Em todos os três meses desde a criação do novo benefício, mais de 90% dos membros do MPES receberam por excesso de trabalho.
Como pontuado pela colunista Letícia Gonçalves, chama a atenção, primeiramente, o grande número de promotores e procuradores trabalhando além da conta e, também, o conceito de "excesso de trabalho" aplicado pleo órgão.
Segundo portaria assinada pela procuradora-geral de Justiça, Luciana Andrade, entre as atividades que configuram "estado frequente de sobrecarga de trabalho" está a "atuação reiterada junto à sociedade civil, com frequente atendimento ao público, promoção ou participação de audiências públicas". Também contam ainda as participações em cursos de capacitação, palestras e até eventos.
"Os critérios para esse tipo de pagamento não são claros e eles mudam de um Estado para o outro. É um tipo de pagamento opaco, que a gente não tem clareza do que se trata", aponta Berti.
Considerando todos os rendimentos brutos, ou seja, antes de serem descontados os impostos e contribuição previdenciárias, o MPES gastou R$ 220 milhões em folha de pagamento em 2023. Desse total, R$ 115 milhões são referentes à remuneração efetiva do cargo, o que representa 47% do total.
O restante engloba a gratificação natalina, o 1/3 constitucional de férias, o abono permanência — pago a membros que já têm requisitos para se aposentar, mas continuam trabalhando —, os plantões e as verbas indenizatórias listadas anteriormente.
A analista de transparência avalia que há um jogo de poder na concessão desses benefícios, no nível local ou nacional. "Parte do trabalho que a gente desenvolve no jornalismo e na sociedade civil vem justamente para ficar de olho nesse tipo de expansão irrefreada de salários e verbas que não estão sendo controlados como deveria", diz.
Bianca Berti afirma que o MPES é um dos órgãos que não fazem parte do projeto Dados Jus BR, da Transparência Brasil, por causa do que chama de "entrave na transparência" dos dados do órgão. A plataforma coleta informações da folha de pagamento de todos os órgãos do Judiciário brasileiro utilizando um robô. Porém, a analista afirma que as planilhas disponibilizadas pelo MPES são inconsistentes, inviabilizando a coleta automática.
"Tentamos entrar em contato em 2022 (com o MPES), para ver se era possível ajustar essas planilhas, mas foi sem sucesso. Depois disso, tentamos entrar contato com o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) e também não conseguimos", conta.
Diferente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que tem uma plataforma aberta que reúne dados de folha de pagamentos dos servidores dos tribunais, não há iniciativa similar do CNMP.
O pagamento de verbas extras, apesar de legal ou previstos em normativas do órgão, suscita discussões. No Congresso, um projeto de lei tenta limitar esses benefícios que inflam os salários dos servidores públicos dos Três Poderes. O texto é de 2016 e se originou no Senado, onde foi aprovado.
Em seguida, o PL 6726/16 foi para a Câmara, onde também recebeu aprovação, em 2021. Mas, por conta de modificações feitas no texto original, previsa voltar ao Senado para nova análise, o que não aconteceu até hoje.
A ideia do projeto de lei não é retirar os pagamentos extras, mas limitá-los. É o caso, por exemplo, do auxílio-alimentação, limitado a 3% do teto aplicável ao agente. Valores para o pagamento de plano de saúde serão limitados a 5% desse teto. Auxílio-transporte e auxílio-creche para crianças até 5 anos poderão ser recebidos em valores de até 3% do teto para o servidor.
Em nota enviada para A Gazeta, o Ministério Público do Estado do Espírito Santo informou que a remuneração de seus membros "está em total conformidade com as normas vigentes, com o subsídio considerando o limite máximo imposto pelo teto constitucional, exceto as verbas indenizatórias autorizadas pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP)".
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