Apesar de um aumento na pressão para prefeitos e governadores afrouxarem o isolamento e reabrirem o comércio em meio à pandemia do novo coronavírus, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão do Ministério Público Federal, alerta que os gestores podem responder por improbidade administrativa caso o façam sem respaldo técnico.
A Procuradoria emitiu uma nota técnica para orientar procuradores de todo o país, para que a decisão de reabrir comércio e permitir que as pessoas voltem às ruas só seja tomada se alguns critérios forem atendidos, como comprovar que os casos confirmados, internações e óbitos estão em diminuição, que há quantidade suficiente de leitos de UTI e internação, testes e respiradores, entre outras exigências.
No último sábado (11), o governo do Espírito Santo decidiu prorrogar por mais uma semana o fechamento do comércio, valendo até o dia 19 de abril. Com isso, o comércio totalizará 30 dias (corridos) fechado, ao todo. Apenas atividades consideradas essenciais seguirão com autorização para manter as portas abertas.
A decisão de continuar com as restrições foi tomada no último sábado, apesar da pressão das federações do comércio, indústria e agricultura para reduzir as restrições, pois já esperam um aumento de demissões.
Para definir regras que permitam a reabertura gradativa de alguns setores, já que o governador Renato Casagrande (PSB) ainda não define com precisão quanto tempo o isolamento vai durar, foi criado um grupo de trabalho, liderado por alguns secretários de Estado, para conversar com trabalhadores e empresários.
A recomendação dada pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão é de que os Estados ou municípios usem como base as normas do boletim epidemiológico nº 8 do Ministério da Saúde.
"Foi esclarecido que a eventual flexibilização das regras de quarentena está condicionada à garantia de que o sistema de saúde pública está estruturado para atender ao pico da demanda, com respiradores suficientes, EPIs para os trabalhadores da área da saúde (como gorro, óculos, máscara, luvas e álcool gel), recursos humanos para o manejo de cuidados básicos e avançados de pacientes da Covid-19, leitos de UTI e de internação, bem como testes laboratoriais para o diagnóstico dos pacientes", diz a PFDC.
A fundamentação jurídica é o artigo 196 da Constituição Federal, que determina que as políticas públicas respectivas devem estar voltadas à redução do risco. "Significa dizer que, mesmo que estejam em jogo duas alternativas igualmente possíveis em termos de saúde, a escolha necessariamente deve recair sobre aquela que representa o menor risco para a coletividade", pontuou a nota.
O órgão do MPF acrescentou que a decisão de manter ou não aberto o comércio e a atividade econômica em geral é pode significar uma diferença de mais de 1 milhão de vidas.
"A simples mitigação do esforço de quarentena social pode produzir catastróficos impactos em relação à estratégia de supressão do contato social, tal como mais 90 milhões de brasileiros infectados em até 250 dias, 280 mil cidadãos mortos e 2 milhões de internações."
Como a nota técnica ressalta que os gestores precisam observar, em seus atos, os deveres de moralidade administrativa, de motivação e publicidade dos atos administrativos, o descumprimento pode fazê-los responder a ação por improbidade administrativa, cuja punição pode ser de ressarcimento dos danos à sociedade, perda da função pública e inelegibilidade.
Para o professor da FDV e doutor em Direito Administrativo Anderson Pedra, a nota do órgão do MPF deve ser encarada, principalmente, como um instrumento de orientação, mais do que de punição.
"Os órgãos de controle têm que exercer o controle e a fiscalização, mas sem desconsiderar a realidade atípica que está instalada hoje. Devem se colocar proporcionando uma cooperação com diálogo. Já estamos vendo, pelo país, algumas decisões judiciais interferindo nas decisões dos governos locais", comentou.
Ele cita o exemplo de uma decisão da Justiça Federal deste domingo (12), que suspendeu a reabertura do comércio na cidade de Uberaba, em Minas Gerais, a pedido do Ministério Público. Na cidade, um primeiro decreto determinou o fechamento até 30 de abril, mas uma norma posterior ia autorizar a reabertura neste dia 13.
Pedra considera que é importante haver um controle pelo Poder Judiciário, em alguns casos, mas também verificar se há dolo na decisão do gestor (prefeito ou governador).
"Para configurar improbidade administrativa, é preciso verificar o dolo, ou seja, a intenção de prejudicar o interesse público. Por isso, é importante analisar se quando o gestor fez uma escolha política, faz a partir de estudos científicos, dados técnicos. Os outros Poderes têm que procurar ajudar, somar esforços, e não somente gerar ameaças", avalia.
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