Promulgada em meio a denúncias de corrupção no governo do ex-presidente Fernando Collor, a Lei de Improbidade Administrativa é usada há quase 30 anos para punir na área cível irregularidades cometidas por agentes públicos. Mas com as mudanças na legislação, aprovadas pela Câmara dos Deputados na última quarta-feira (16), as possibilidades de punição vão ficar mais restritas.
O Projeto de Lei 10.887, votado de forma açodada pelos parlamentares, ainda precisa passar pelo Senado, onde pode sofrer alterações. No entanto, o texto já é criticado por grande parte de especialistas em Direito, que temem um afrouxamento no combate à corrupção.
O tema divide juristas e professores ouvidos por A Gazeta, que afirmam ser necessária uma revisão da legislação. Entre os que apoiam o projeto aprovado na Câmara, as mudanças são consideradas necessárias para uma boa administração. Já para os críticos, há brechas para a impunidade.
Da forma como a lei é hoje, três situações podem configurar atos de improbidade: quando há dano ao erário, isto é, prejuízo aos cofres públicos, enriquecimento ilícito, ou violação aos princípios administrativos, entre eles impessoalidade e legalidade. Os dois primeiros casos, contudo, abrangem atos cometidos de forma intencional ou não.
Com as mudanças aprovadas na Câmara, esse entendimento muda e um agente somente pode ser punido por atos de improbidade quando for comprovada a existência do dolo, ou seja, intenção de causar dano.
Dessa forma, prefeitos que durante a pandemia de Covid-19 compraram respiradores com preços muito superiores aos do mercado, por exemplo, deixariam de ser responsabilizados por improbidade, caso fosse comprovado que não houve má-fé.
A alteração desse dispositivo da lei é um dos pontos mais polêmicos, que divide a opinião de especialistas. Há unanimidade em afirmar que a limitação de responsabilidade a atos dolosos reduzirá drasticamente o número de processos.
“Grande parte das alterações apresentadas consolida posicionamentos que já vinham sendo adotados em tribunais superiores. Ao ratificar posicionamentos anteriores, esse projeto deve provocar um esvaziamento de demandas sem perspectiva, além de criar elementos que dão essa possibilidade de pensar na lei de forma mais razoável”, opina a advogada e especialista em Direito Administrativo Cristina Daher.
Na percepção da professora de Direito Constitucional da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Ana Flávia Messa, no entanto, essa limitação gera impunidade. Para ela, quando a lei deixa de punir gestores por atos culposos, há uma “nítida negligência”.
“Temos visto o aumento do número de escândalos relacionados à fraude e ao desvio de recursos públicos. Com isso, cresce também a importância do seu combate de forma a garantir uma administração proba. Mas as mudanças na lei de improbidade não contribuirão para a redução dos níveis de corrupção, já que prejudicam a responsabilização contínua dos gestores públicos por seus atos e omissões perante a sociedade”, afirma.
Outro ponto destacado por Messa é que, com a alteração da lei, a proposição de ações de atos de improbidade passam a ser de competência exclusiva do Ministério Público, o que ela classifica como um retrocesso.
O advogado especialista em Direito Público Eduardo Sarlo também vê com preocupação as mudanças aprovadas no projeto, entre elas o prazo de 180 dias para que inquéritos sejam concluídos e o encurtamento do prazo de prescrição, que a passa a contar a partir do momento que o ato foi praticado. “Isso pode certamente trazer impunidade e danos aos cofres públicos”, alerta.
De acordo com Sarlo, a revisão da legislação é necessária, mas não pode deixar de punir agentes que, em exercício de cargo público, geram prejuízos ao erário, mesmo sem intenção.
“Quem age por meio de erro grosseiro e lesa o patrimônio público tem que responder civilmente, administrativamente e criminalmente, independentemente de ser doloso ou culposo”, destaca.
Entre os juristas que defendem a necessidade de mudanças, a justificativa é a possibilidade de uma “boa gestão pública”. Esse é o entendimento do advogado especialista em Direito Administrativo Bruno Dall’Orto. Na visão dele, a revisão da Lei de Improbidade Administrativa apresenta mais aspectos positivos do que negativos para a sociedade, sendo um deles a necessidade de comprovação do dolo.
“Hoje, os bons administradores, por conta de algumas definições da lei de improbidade, fogem do setor público por medo de cometer um erro, na intenção de acertar, e responderem por um ato de improbidade. Com isso, a lei acaba não combatendo a corrupção na administração pública. Pelo contrário, ela permite que esse setor seja um campo aberto para maus gestores”, avalia.
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