"Porque pois, negar-se entre nós, onde ela já quase todos os cargos exerce, o direito de escolher por meio do voto os seus candidatos aos cargos eletivos do país?", questionou o juiz Aloysio Aderito Menezes, em decisão que fez de Emiliana Emery, moradora de Guaçuí, a primeira mulher a ter um título de eleitor no Espírito Santo, em julho de 1929.
A conquista de Emiliana veio três anos antes da legislação brasileira permitir, por meio de um decreto do então presidente Getúlio Vargas, que outras mulheres pudessem votar, em fevereiro de 1932.
A assinatura do documento, que representa a conquista do voto feminino, completa 90 anos nesta quinta-feira (24). É um marco na inserção das mulheres ao sistema político, que hoje conta com mais eleitoras do que eleitores.
No Espírito Santo, elas representam 52,3%, segundo dados divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Apesar disso, a participação feminina em partidos políticos é pequena. Apenas 10% das eleitoras são filiadas a um partido.
"O acesso ao voto é o começo da nossa participação enquanto cidadã e do processo de engajamento, de interesse de mulheres na política. Mas enquanto a gente não tiver uma mobilização da sociedade civil, dos partidos e governos para que elas ocupem esses espaços, não alcançaremos a representatividade feminina", ressalta a cientista política, pesquisadora e co-fundadora da ONG Elas no Poder, Letícia Medeiros.
Quando o voto feminino foi conquistado no Brasil, o país passava por um período de transformação política. Getúlio Vargas havia assumindo um governo provisório, pós-Revolução 30, e havia uma intensa mobilização de movimentos sufragistas.
Naquela época, só tinha um título de eleitor as mulheres que conseguiam o documento por meio de decisão judicial. E apesar de as mulheres não terem a garantia do direito ao voto, elas não eram impedidas de se candidatar a um cargo político no Brasil.
"Tanto que já havia uma mulher eleita antes mesmo do sufrágio" lembra a professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Viçosa (UFV) Daniela Rezende. Alzira Soriano se elegeu prefeita de Lajes, no Rio Grande do Norte em 1929.
Daniela destaca a liderança de Bertha Lutz, à frente da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF), como crucial na luta pelo voto feminino, que já tinha sido conquistado em outros países, inclusive da América do Sul.
"O acesso ao voto se deve a intensa mobilização e luta das mulheres conduzida, principalmente por Bertha Lutz, liderando manifestações que pressionavam o Congresso e o governo por uma mudança na legislação do país", destacou.
Foi então que em 24 de janeiro de 1932, o presidente da época, Getúlio Vargas, assinou o Decreto 21.076, instituindo o Código Eleitoral e tornando eleitor "o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo".
De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 52,3% dos eleitores no Espírito são mulheres. Elas representam mais da metade daqueles que tem um título de eleitor na mão e somavam 1.470.614 em todo o Estado em 2020.
Desse número, 48% estão na Região Metropolitana, 49% são solteiras, 22% têm entre 30 e 39 anos, e 24% concluíram o ensino médio.
Embora tenham o poder nas mãos para escolher representantes políticos, a presença das mulheres nesse espaço ainda é pequena, algo que se reflete não só na ocupação de cargos, mas dentro dos partidos.
Dados de filiação coletados pelo TSE em 2021 mostram que do número total (322.943) de pessoas filiadas a uma legenda no Espírito Santo, 43% são mulheres e 57% são homens. Além disso, de 1,4 milhão de mulheres que estão aptas a votar, apenas 10% estão filiadas a um partido. Os homens, por sua vez, 14%.
Na avaliação de Daniela Rezende, cientista social, o baixo percentual se dá por um conjunto de fatores culturais e sócio-econômicos, que incluem uma sobrecarga de trabalho nas mulheres.
A professa ainda chama atenção para o fato de a estrutura atual dos partidos ser majoritariamente composta por homens, principalmente em posições de liderança.
"Os partidos brasileiros são organizados como clubes de senhores, são avessos à participação de mulheres. E mesmo quando adotam ações afirmativas ou manifestam nos estatutos um compromisso com igualdade de gênero, na prática, as candidaturas ou filiações femininas são preteridas. É preciso superar a desigualdade de gênero por meio de financiamento de campanhas, cotas de cadeiras e mais diversidade nas lideranças dessas instituições", disse.
Filiada ao MDB desde 2013, Alcione Tonini é uma das 140.657 mulheres que fazem parte de um quadro político de uma legenda no Espírito Santo. No caso dela, a filiação veio a convite de um amigo, que despertou nela a vontade de lutar por mais representatividade.
"Eu percebi, participando de reuniões do partido no interior do Estado, que eu podia ter voz ativa na política. Eu sinto que estou exercendo minha cidadania quando tenho oportunidade de fala, de decisão".
Hoje, Alcione é secretária-geral do MDB Mulher no Espírito Santo. Ela trabalha para aumentar o número de mulheres candidatas e eleitas pelo partido. Em 2021, a legenda tinha 16.752 filiadas, o maior número no Estado.
"Ainda temos muito a avançar. Muitas mulheres ainda se sentem coagidas com a presença dos homens. Mas a gente precisa incentivar umas as outras, porque somos a maior parte do eleitorado e temos em nossa mão um poder muito grande, que é o voto", afirmou.
Quando Elaine de Almeida se filiou ao PDT, no Espírito Santo, em 2011, a participação feminina era pequena. "Tinham poucas mulheres, era bem mais difícil do que é hoje", lembra. Mas isso não a desanimou de participar das discussões do partido, pelo contrário. Ela assumiu a tarefa de engajar mais mulheres na legenda, que hoje detém o segundo maior número de filiadas no Espírito Santo: 13.482.
"Nós vivemos política dentro de casa, na igreja, na escola, a gente precisa estar dentro dos movimentos que agregam à sociedade. Não existe política só para homens. Temos a mesma capacidade de participar dessas discussões e liderar mudanças", afirmou Elaine, que é secretária-geral do PDT em Marataízes.
Visando a aumentar a participação feminina na política, a ONG Elas no Poder lançou neste mês a campanha "Indique uma Mulher". A ideia, segundo Letícia Medeiros, é mostrar a potencialidade de mulheres em todo o Brasil e criar uma rede para formar futuras líderes.
"Vamos aproveitar esse período de abertura da janela partidária para incentivá-las a se filiar. Esse apoio social é uma ferramenta importante para que as mulheres ultrapassem suas inseguranças e ocupem espaços de poder. Existe um dever de casa que deve ser feito pelos partidos, mas é preciso que a sociedade também contribua", destacou.
Para indicar uma mulher para a campanha, acesse o Elas no Poder. A Elas no Poder entrará em contato para ajudar a pessoa nesse processo de filiação e formação de lideranças.
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