Faz tempo que três prefeitos de cidades do Sul do Espírito Santo não dão expediente. Afastados por decisões judiciais, eles continuam, no entanto, recebendo salários. A despesa para manter em dia o contracheque dos prefeitos afastados de Itapemirim, Presidente Kennedy e Piúma já ultrapassa a marca de R$ 1 milhão, de acordo com levantamento realizado por A Gazeta.
O valor (exatos R$ 1.093.036,31), somando-se os gastos das três cidades, considera todo o período de afastamento. Os pagamentos são legais, assegurados pela Justiça, mas não há dúvidas que o custo para os municípios poderia ser menor caso houvesse mais celeridade nos processos.
O caso que mais chama atenção é do prefeito afastado em Itapemirim, Luciano Paiva (sem partido). Sem ocupar a cadeira do Executivo desde abril de 2017, ele tem recebido um salário de R$ 18 mil brutos neste período, de acordo com o Portal da Transparência do município. O gasto da prefeitura com Paiva foi de R$ 702 mil até julho deste ano. Ele foi denunciado por fraudes, superfaturamento de contratos, lavagem de dinheiro, entre outros crimes.
Os outros dois prefeitos que também continuam com os vencimentos em dia são Amanda Quinta (sem partido), em Presidente Kennedy, e José Ricardo Costa (PDT), em Piúma. No caso de Amanda, o salário bruto é de R$ 15,1 mil. Ela está afastada desde maio de 2019, quando foi presa pela Operação Rubi, do Ministério Público Estadual. Desde então, a prefeitura desembolsou um total de R$ 226,5 mil para o pagamento de salários da prefeita.
Já José Ricardo, conhecido como professor Ricardo, foi afastado em outubro do ano passado, alvo da segunda fase da mesma operação que levou a prefeita de Kennedy para a cadeia. Atualmente, ele recebe um salário bruto de R$ 16.823,63. Os vencimentos do prefeito afastado de Piúma somam R$ 164.536,31 até julho.
O afastamento cautelar é uma forma de impedir que os agentes públicos interfiram nas investigações. Como tem caráter temporário, aqueles que foram afastados precisam ficar à disposição da Justiça para um possível retorno ao cargo. Assim, a legislação prevê que os proventos continuem sendo pagos até que haja uma decisão definitiva.
Os gastos, contudo, poderiam ser menores se as investigações fossem mais rápidas e os processos já tivessem sido julgados em definitivo. As ações que envolvem os prefeitos se arrastam na Justiça há um bom tempo. O caso de Luciano Paiva, por exemplo, está pendente há mais de três anos.
"Ao meu entender e de outros professores de Direito, o afastamento deveria ser limitado e durar no máximo 180 dias. Essas medidas tendem a gerar uma cassação indireta de mandato, que é o que estamos vendo nesse caso, onde o prefeito está impedido há mais de três anos de exercer o cargo", criticou o advogado de defesa de Luciano Paiva, Ludgero Liberato.
Luciano Paiva está no segundo mandato consecutivo, do qual ele permanece afastado há 39 meses. O afastamento foi determinado pelo Tribunal de Justiça (TJES) em abril de 2017 quatro meses depois de ele assumir a prefeitura e se refere à continuação de um afastamento anterior, que havia sido interrompido por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Após recurso, o Supremo mudou o entendimento. A acusação é de que o prefeito de Itapemirim teria comprado terrenos superfaturados de parentes com recursos públicos.
Paiva tem um histórico de afastamentos, constantemente prorrogados pela Justiça em diferentes processos. Apesar de acumular denúncias, foi reeleito em 2016. Ele é acusado pelo Ministério Público Estadual (MPES) de lavagem de capitais, fraudes licitatórias, organização criminosa, corrupção passiva e crime de responsabilidade. Também responde por improbidade administrativa em ação civil pública.
No mandato anterior, o prefeito afastado já tinha deixado a prefeitura por pelo menos quatro vezes, forçado por decisões judiciais. Ele chegou a ser cassado no fim de 2016 pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE-ES), sendo condenado por caixa dois nas eleições de 2012. No entanto, a decisão foi suspensa pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2018. Na época, ele estava fora do cargo devido a outra ação penal.
Desde abril de 2017, Luciano Paiva não ocupa a cadeira de prefeito em Itapemirim. É o período mais longo e constante que ele ficou afastado do cargo. Durante os três anos e três meses em que está fora da prefeitura, os vencimentos de Paiva, pagos sem desconto, somaram R$ 702 mil. O salário bruto é de R$ 18 mil.
O comando da cidade é exercido pelo prefeito interino Thiago Peçanha (Republicanos). Desde o afastamento de Luciano Paiva, ele recebe o subsídio de vice-prefeito, no valor de R$ 9 mil mais um complemento de R$ 9 mil, totalizando também um salário de R$ 18 mil.
Hoje, o prefeito afastado está sem partido. Por estar em seu segundo mandato, mesmo que não exercendo o cargo, ele não pode se candidatar ao pleito deste ano. Paiva é réu no processo de improbidade administrativa em que é acusado de superfaturamento na desapropriação de imóveis rurais. Ele aguarda julgamento. Em outra ação, foi condenado e recorre ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O advogado de defesa do prefeito afastado, Ludgero Liberato, disse que apesar de ter sido denunciado em várias ações, Luciano já foi absolvido em algumas delas e que nenhuma decisão até o momento é definitiva.
"Ele é acusado de algumas ações que já interpusemos recursos e aguardamos a Justiça. Houve uma condenação, que também recorremos ao STJ. É importante lembrar que há casos de absolvição. Ele já foi absolvido de várias acusações feitas pelo Ministério Público", afirmou.
Eleita em 2016 para comandar a Prefeitura de Presidente Kennedy, Amanda Quinta está afastada há 15 meses, desde maio de 2019, quando foi presa na Operação Rubi, do Ministério Público Estadual (MPES). A investigação apura um esquema de fraude em licitações e pagamento de propina em Kennedy e outros municípios do Sul do Estado. Os contratos investigados na operação somam mais de R$ 150 milhões.
A prisão foi feita em flagrante durante uma reunião com empresários na casa de Amanda e do companheiro dela, José Augusto Rodrigues Paiva (então secretário de Desenvolvimento Econômico). Uma mochila com R$ 33 mil foi encontrada na residência. Segundo delação assinada por um dos envolvidos, o dinheiro era propina que seria repassada à prefeita. José Augusto e outros servidores presentes no local também foram presos.
Em setembro de 2019, Amanda teve a prisão preventiva substituída por medidas cautelares pelo STJ. As medidas a mantiveram afastada do cargo e determinaram que fosse cumprida uma distância mínima de 100 metros da prefeitura durante as investigações. Além da ação penal, ela também foi denunciada pelo MPES em uma ação civil pública por improbidade administrativa. O pedido para mantê-la longe das funções também foi aceito neste caso.
Os afastamentos da então prefeita de Presidente Kennedy vêm sendo prorrogados desde 2019. O último foi determinado em julho, em ação civil. Na decisão, a juíza Priscilla Bazzarella de Oliveira, da Vara Única de Presidente Kennedy, mantém Amanda fora do cargo até o fim do mandato, em 31 de dezembro deste ano.
A prefeita afastada continuará recebendo salário bruto de R$ 15,1 mil, como consta na decisão. O município de Presidente Kennedy já gastou R$ 226,5 mil desde que ela foi presa, somente com os salários da prefeita afastada.
Amanda ainda não é ré em nenhum dos processos. Ela foi denunciada pelo MPES à Justiça em duas ações, uma penal e outra civil, devido a crimes apurados na Operação Rubi. Além disso, a prefeita afastada é acusada em outras denúncias por irregularidades no mandato.
O advogado de defesa, Altamiro Thadeu Sobreiro, disse que apesar de Amanda ter sido denunciada, as ações ainda não foram recebidas pela Justiça e que ele aguarda as investigações.
Apesar de ainda possuir direitos políticos, a prefeita não pode se candidatar nas eleições municipais deste ano, já que está em seu segundo mandato consecutivo. Atualmente, o município é comandado interinamente por Dorlei Fontão (PSD), vice-prefeito. Ele recebe o subsídio de prefeito no valor de R$ 15.1 mil, que é composto pelo salário de vice R$ 7 mil somado ao complemento de R$ 8.100.
Em Piúma, José Ricardo da Costa, o professor Ricardo, está afastado há 10 meses, desde o dia 17 de outubro, da prefeitura. O afastamento inicial foi de 90 dias, mas as decisões de mantê-lo longe da prefeitura foram prorrogadas pela Justiça.
Ricardo foi alvo da segunda fase da Operação Rubi, a mesma que levou Amanda Quinta à prisão e ao afastamento da prefeitura de Presidente Kennedy. A investigação desencadeou o ajuizamento duas ações do MPES contra ele: uma penal e uma civil, por improbidade administrativa. Ele foi denunciado por superfaturamento em contratos.
O prefeito afastado recebe normalmente seus vencimentos, que durante o período que está fora do cargo variaram de R$ 15.830,76 a R$ 16.823,63 mensais, como consta no Portal da Transparência do município. Em dez meses, a prefeitura já gastou R$ 164.536,31 para arcar com os salários dele.
Atualmente, ele está afastado do cargo apenas por decisão judicial referente a uma ação civil pública que tramita na 1ª Vara de Piúma. Na ação penal, o afastamento foi revogado pelo TJES em junho deste ano. A defesa de Ricardo recorreu ao STJ na última quarta-feira (5) para que o prefeito pudesse retornar à prefeitura, mas teve recurso negado. A decisão que afasta o chefe do Executivo tem validade até o fim de agosto.
O comando é exercido interinamente por Marta Scherrer (Patriota). Além do salário de vice-prefeita, que é de R$ 11.189,52, Marta recebe uma complementação de R$ 5.634,11 para atingir o valor de subsídio de prefeito (R$ 16.823,63).
De acordo com José Peres, advogado de defesa, as ações contra Ricardo não passam de perseguição política. Ele disse que continuará recorrendo das medidas de afastamento.
"O que aconteceu em Piúma foi um movimento da oposição contra o prefeito, perseguição. Ele está há mais de seis meses afastado e nunca tentou interferir nas investigações, nada foi provado contra ele. Vamos continuar recorrendo ao Judiciário para que ele retome o comando da cidade e a justiça seja restabelecida", disse o advogado.
O prefeito está filiado ao PDT e goza de direitos políticos para uma candidatura este ano. No entanto, ele não aparece entre os pré-candidatos à prefeitura em lista disponibilizada pelo partido.
Além do gasto para os cofres públicos, o afastamento de prefeitos gera instabilidade política nas cidades. A população fica à mercê de decisões judiciais, constantemente prorrogadas, para saber quem comanda a cidade.
O especialista em Direito Penal e professor da FDV Israel Jorio ressalta que a Justiça, de um modo geral, é lenta porque há um grande acúmulo de processos. Mas nesses casos, de desvios na atividade de políticos e servidores, normalmente há vasta documentação a analisar.
Jorio destaca que muitas vezes os processos demoram mais do que próprio mandato. Isso leva as pessoas a questionar a legitimidade do governo e a continuidade da gestão.
"Isso mancha a imagem da pessoa investigada, afeta a credibilidade do Poder Judiciário e gera insegurança na população. Afinal, a pessoa em quem se votou, que detém os rumos do município nas mãos, é honesta ou não? Será substituído ou voltará ao cargo? Afinal, os projetos políticos previstos e em andamento seguirão ou serão paralisados?", questionou.
O mais provável é que o destino jurídico dos prefeitos afastados das três cidades do Sul do Estado retratadas nesta reportagem somente seja conhecido após o final dos mandatos deles, deixando no ar a instabilidade política.
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