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Na Grande Vitória, as casas do povo estão distantes dos cidadãos

Na Grande Vitória, as casas do povo estão distantes dos cidadãos

O Gazeta Online convidou moradores das quatro cidades da Grande Vitória para assistir às sessões das Câmaras municipais. Veja o que ales acharam da experiência

Publicado em 31 de maio de 2019 às 01:46

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Elder Marques e Rômulo Martins não tiveram as melhores impressões de sessão na Câmara de Vila Velha. (Fernando Madeira)

Com exceção de raras e grandes votações, os rostos vistos ao entorno dos plenários das Câmaras municipais em dias de sessão ordinária não costumam variar. Assessores de gabinetes, servidores das próprias Casas e agentes ligados aos vereadores dominam as galerias, enquanto grande parte dos cidadãos passa longe do rito legislativo. Tentando inverter essa lógica, 15 pessoas de diferentes perfis, idades e níveis de escolaridade foram convidadas pelo Gazeta Online a compartilhar esta experiência.

Afinal, é nesse momento que as discussões para o desenvolvimento das cidades se desenrolam. Mas, para muitos, a visita não correspondeu à expectativa de ver o debate de pautas relevantes. Com olhar atento para os conflitos protagonizados por parlamentares, os projetos lidos e apreciados rapidamente e o vaivém de vereadores durante a sessão, os convidados, de forma geral, afirmam não terem se sentido representados pelo Legislativo local.

A começar pela Câmara de Vila Velha, onde o professor de física Elder Marques Nunes, de 65 anos, e o estudante de Publicidade Rômulo Martins Cardoso, de 21, chegaram às 17 horas do dia 6 de maio, uma segunda-feira. Em uma sessão rápida, de cerca de 45 minutos, as impressões que ficaram não foram as melhores.

Elder achou tudo muito desorganizado. "O som mal regulado, você quase não entende o que os oradores falam, as pessoas conversam muito paralelamente e as votações e análises de projetos são muito rápidas, não é possível compreender", avalia. Para Rômulo, que nunca havia acompanhado uma sessão, a perspectiva foi semelhante.

"É muito difícil para um cidadão entrar no ritmo deles. Os projetos estavam passando e na hora que eu achava que estava começando a entender, eles já paravam de explicar, iam para outra coisa. Não existiu um debate. Eu esperava ouvir mais sobre as propostas", diz.

No dia seguinte, foi a vez do grupo formado pelos advogados Gizelly Bicalho, 27, e Pedro Trés, 25, pela universitária Luiza Olimpio, 18, e pela aposentada Rosa Dalvi, 82, assistirem à sessão em Vitória. A sessão durou mais de duas horas, prolongada por falas dos vereadores, além da presença de comerciantes que subiram à tribuna após suas barracas terem sido retiradas da praça Getúlio Vargas, no Centro, pela prefeitura.

Na ocasião, o presidente da Casa Cleber Felix (Progressistas) usou sua fala para disparar acusações contra o vereador Leonil (PPS), que é autor de uma denúncia apresentada ao Ministério Público estadual contra o colega. O conflito não agradou. "Eles perderam o decoro”, critica Luiza Olímpio, que também chamou atenção para alguns elogios fora do contexto. “Em uma das primeiras falas, o vereador falava que ele queria ter o cabelo igual ao do colega e não é para isso que o dinheiro público tem que ser usado."

Gizelly, por sua vez, diz que esperava maior preparo dos vereadores para lidar com questões técnicas, e também critica discursos que, em sua visão, tinham o intuito de "angariar votos".

Da galeria, o pescador Manoel Bueno dos Santos, 58, contava quantos parlamentares de fato acompanhavam a sessão. "Vinte e dois registraram presença, mas se você olhar não estavam 12 lá dentro." Ele foi um dos cinco moradores da Serra que acompanharam a sessão ordinária do Legislativo no dia 8 de maio. Além dele, estavam o também pescador João Carlos Nascimento, 66, o funcionário público Marcos Roberto Lima, 65, o microempresário Wilson José Rodrigues, 49, e a técnica de enfermagem Rosali Freire dos Reis, 52.

HOMENAGEM

Por mais de duas horas, eles acompanharam uma homenagem ao cantor mirim Jeremias, além de pronunciamentos dos vereadores. Mas para Rosali, a impressão final foi "decepcionante". Ela esperava acompanhar a votação de projetos que fossem impactar diretamente sua vida, mas, ao invés disso, não viu sugestões para a melhoria dos problemas. "Falaram de alguns projetos, mas de nome de praça, de rua", lembra. Ela enfatiza: "Não vi disposição real para se fazer algo".

Ana Beatriz Souza é estudante, tem 17 anos. Já dona Elza Patrícia Fagundes, de 76, é líder comunitária do bairro Vila Isabel. Além de serem moradoras de Cariacica, as duas possuem algo mais em comum: o descontentamento com o que observaram durante a sessão da Câmara da cidade. Além delas, participaram também os aposentados Jaci dos Reis Couto, 75, e Francisco Candeia, 65.

"Eles falam, discutem, gritam, falam mal um do outro, falam do cenário nacional enquanto deveriam pensar mais no municipal. Gostei da experiência, mas acho que poderiam ser mais objetivos", resume Ana Beatriz.

Para se tornarem casas de debate de grandes temas que atraiam os cidadãos, o cientista político Fernando Pignaton afirma que as Câmaras precisariam desenvolver novas metodologias e linguagens. No entanto, critica também a falta de propostas programáticas dos vereadores, que agem em função de suas bases. Isso, segundo ele, se reflete no plenário. "A reforma política e o fortalecimento dos partidos poderia melhorar isso."

Grupo de pessoas da comunidade assiste à sessão na Câmara Municipal de Vitória. (Fernando Madeira)

VEREADORES DIZEM QUE CUMPREM REGIMENTO

Criticadas por moradores que acompanharam as sessões ordinárias, as Câmaras Municipais da Grande Vitória afirmam que o funcionamento das sessões segue de acordo com o regimento estipulado. No entanto, algumas também garantem que os pontos elencados pelos cidadãos poderão servir como um norte para melhorias.

É o que diz o presidente da Câmara de Cariacica, Cesar Lucas (PV). Ele explica que o processo de votação de projetos – que foi criticado pelos visitantes pela rapidez e falta de explicações mais aprofundadas sobre as pautas – se refere apenas à formalidade da leitura da ata da sessão anterior.

"Pautamos nossa administração no mais rigor da obediência da ordem democrática. Desta forma, buscamos contribuir para que os vereadores possam desenvolver o melhor de sua atuação no Parlamento a partir dos debates e das discussões. Acreditamos ser a melhor forma para ações mais assertivas, bem como os projetos de lei", argumenta.

Por outro lado, ele assume o compromisso de fazer melhorias. "Peço desculpas e buscarei os demais vereadores para que fiquem atentos a focar as discussões na pertinência de sua atuação parlamentar", garante.

A Câmara de Vitória informou que o seu funcionamento é disciplinado pelo regimento interno e que a leitura do documento é necessária para que se compreenda o parlamento. Uma comissão especial já foi instalada para reformar o regimento e a lei orgânica do município de Vitória. "Em breve haverá um texto mais moderno", afirma.

O presidente da Casa, Cleber Felix (Progressistas), reconhece que em certos momentos os assuntos tratados pelos vereadores no plenário fogem às matérias.

"As críticas são importantes para melhorarmos o que está errado, segundo os munícipes. Como vereador, sei que às vezes extrapolamos, não nos atemos à matéria, embora seja o que manda o regimento", diz.

A Câmara da Serra esclareceu que está aberta a sugestões, mas os vereadores têm prerrogativas para "subir à tribuna e falar o que lhes convém". "Quando se está em pauta matéria e o vereador pede a parte, aí sim se discute a matéria", explica a assessoria.

A Câmara de Vila Velha informa que para melhor compreensão das sessões, a pauta impressa é disponibilizada ao público. Além disso, diz que a lei orgânica da cidade e o regimento da Casa garantem aos vereadores a prerrogativa de se manifestarem em plenário. Quanto às críticas ao processo de votação de projetos, explica que na data da visita não houve projetos complexos e de difícil compreensão. "O debate de ideias, a contraposição de opiniões, o confronto de propostas e a discussão dos mais variados assuntos de interesse público são próprios do parlamento", diz.

ANÁLISE

Bruno Silva Cientista político, doutorando da Unicamp

Política exige resiliência

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"Existe um rito regimental que é seguido em toda Câmara Municipal. Obviamente esses procedimentos poderiam ser melhor explicados ou se desenvolver de maneira mais clara, pois cada vez mais o Legislativo possui uma finalidade educacional de socializar cidadãos. Mas é preciso dizer que a atividade legislativa não se encerra na sessão ordinária. Há outros momentos nos quais a costura política se realiza e os debates mais incisivos, por vezes, ganham destaque. Isso ocorre nos trabalhos das comissões permanentes, nas reuniões da base de sustentação política, na articulação da oposição. O grande desafio é que a maioria de nós tem cada vez menos tempo e paciência para a construção política. O envolvimento é pontual e, via de regra, quando nos afeta diretamente ou individualmente. Quantos de nós vamos ao Legislativo dialogar com os representantes ao invés de 'pedir' alguma coisa? Ou mais: quantos têm o hábito do acompanhamento parlamentar? Política exige resiliência. Aos políticos, cabe desenvolver a criatividade para se aproximarem da população e se fazerem importantes. Não é à toa que as Câmaras municipais aparecem hora ou outra em pesquisas de opinião como parte das instituições pior avaliadas e alvos de desconfiança."

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