O compartilhamento em massa de mensagens nas redes sociais e a difusão de desinformação e discursos de ódio marcaram as eleições de 2018. Essa prática, contudo, sempre fez parte da retórica política e tem se intensificado durante a pandemia do novo coronavírus.
Há quem defenda que desinformação combate-se com informação, mas, para muitos políticos capixabas, este não tem sido o único caminho adotado nos últimos anos. No Espírito Santo, agentes públicos buscam na Justiça uma forma de frear ataques e inverdades nas redes sociais.
Só este ano, o governador Renato Casagrande (PSB) moveu oito ações para derrubar conteúdos da internet. Ele não é o único. De acordo com levantamento da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), pelo menos 18 políticos no Estado já entraram com pedido de liminar (decisão provisória) para retirar conteúdos.
Essa postura combativa é vista por alguns juristas como uma ação legítima para impedir danos maiores. Outros discordam e consideram uma forma autoritária de enxugar gelo .
Os dados da Abraji foram compilados pelo projeto Ctrl+X e considera apenas processos que não estão sob sigilo. Segundo o levantamento, 42 ações judiciais foram abertas por pelo menos 18 políticos do Espírito Santo, entre 2012 e 2018.
Entre os autores destas ações estão a deputada estadual Raquel Lessa (Pros), o presidente da Assembleia Legislativa, Erick Musso (Republicanos), o deputado estadual Sergio Majeski (PSB), o deputado federal Amaro Neto (Republicanos), o senador Fabiano Contarato (Rede), o ex-prefeito de Vitória Luiz Paulo Vellozo Lucas (PSDB), o prefeito de Linhares Guerino Zanon (MDB) e o ex-governador Paulo Hartung (sem partido).
Grande parte dessas ações foi movida durante o período eleitoral, quando geralmente há um aumento da disseminação de discursos falsos ou de ódio contra candidatos ao pleito. A plataforma Facebook foi o principal alvo dos pedidos de remoção. Em alguns deles, não havia identificação do autor das publicações, o que foi solicitado à Justiça. Há também processos contra blogs de notícias.
Nem todos os pedidos, no entanto, são deferidos pela Justiça. Apesar das investidas dos autores, algumas postagens foram avaliadas como exercício da liberdade de expressão.
Guerino Zanon, por exemplo, é o autor do maior número de ações no Estado, de acordo com os dados da Abraji.
Guerino ajuizou 13 processos por conteúdo difamatório, todos em setembro de 2012, no período eleitoral. Um deles foi movido contra uma coligação adversária. Ele solicitou a retirada dos conteúdos, identificação dos autores e aplicação de multa. Nove pedidos foram indeferidos e nos demais não houve decisão.
O ex-deputado estadual José Eustáquio de Freitas (PSB), que atualmente é assessor especial da Casa Civil do governo Casagrande, também já moveu ações solicitando a retirada de conteúdo na internet. Os processos foram ajuizados em 2016, quando ele era candidato a prefeito de São Mateus.
Os processos de Freitas tiveram como alvo duas páginas do Facebook que divulgavam informações de caráter eleitoral no Norte do Estado, sem identificação do autor das publicações. Uma delas mencionava que o então candidato a prefeito desejava a morte de uma pessoa. O juiz determinou que o conteúdo fosse removido e em um deles foi determinado pagamento de multa.
Em 2018 foi o deputado estadual Sergio Majeski (PSB) quem procurou amparo judicial para remover conteúdo na internet. Na época, ele era candidato à reeleição.
Uma publicação na rede social, veiculada desde 2017, atribuía a Majeski uma fala que jamais foi dita por ele: Quero acabar com a doutrinação cristã. Meu projeto é proibir o uso da Bíblia sagrada. Só assim conseguiremos construir um Estado com educação".
A Justiça considerou a postagem como fake news e determinou que o Facebook retirasse do ar o conteúdo. Os autores das postagens, que utilizavam perfis falsos, foram identificados e acusaram o ex-presidente da Prodest, Renzo Colnago, de orientar os ataques contra Majeski. A eles foi aplicada multa. O caso tramita na área penal.
Recentemente, o deputado acionou mais uma vez a Justiça contra postagens que o chamavam de ladrão e o acusavam de usar dinheiro público para bancar viagens. Os comentários foram feitos por um usuário em fotos do parlamentar em seu perfil no Facebook.
Para Majeski, a judicialização de ações é necessária para auxiliar no combate à desinformação. Uma coisa é a pessoa fazer publicações criticando o meu trabalho ou discordando das minhas posições políticas. Isso é democrático e enriquece o debate. Mas o que tem sido feito ultrapassa a opinião, são inverdades, declarou.
Para o especialista em Direito Penal e Eleitoral Ludgero Liberato, esse comportamento combativo de muitos políticos, que recorrem à Justiça em busca de proteção, é uma forma legítima de mostrar que há limites para a liberdade de expressão.
Ela [liberdade de expressão] não é absoluta e deve ser limitada quando utilizada para a prática de crimes. A pessoa precisa ser responsabilizada por aquilo que publica, pelo que fala na internet, declarou.
Ele pontua, contudo, que nem sempre adotar essa postura ofensiva é válido, principalmente se tratando de agentes públicos. Em alguns casos, além do conteúdo não ultrapassar a liberdade de expressão, uma judicialização pode provocar o efeito contrário.
O senador Fabiano Contarato (Rede) também faz parte do grupo de políticos capixabas que acionou a Justiça contra desinformação. Em 2018, quando concorria ao Senado, foram judicializados três pedidos de liminares para retirada de conteúdos falsos e difamatórios.
Um deles compartilhava no Facebook uma montagem com a foto de Contarato, o marido e o filho, uma criança. A publicação afirmava que o então candidato era favorável à legalização do aborto, ideologia de gênero nas escolas e o comparava ao ex-deputado federal Jean Willys.
A Justiça determinou que o conteúdo fosse removido por considerar que, além de violar o Estatuto da Criança e do Adolescente, a publicação era ofensiva e potencialmente injuriosa.
Em uma outra ação, também de 2018, além da retirada do conteúdo, a Justiça ordenou a suspensão do usuário do Facebook que fez a postagem.
Contarato também tem sido alvo de discursos falsos e de ódio durante o mandato. Ele já recorreu à Justiça pelo menos cinco vezes, solicitando a retirada de conteúdos. Em todos o juiz atendeu o pedido.
No início de 2020, uma postagem afirmando que o senador estava na Colômbia, durante período de chuvas intensas no Espírito Santo, para um evento LGBT+ viralizou. O parlamentar desmentiu a informação nas redes sociais, disse que a viagem aconteceu em 2019, sem uso de dinheiro público, e que ele iria processar os responsáveis pela postagem.
Atualmente, quem tem liderado a ofensiva contra desinformação é o governador Renato Casagrande (PSB). Ele acionou o Judiciário ao menos 10 vezes para retirar conteúdos de ódio, falsos e enganosos na internet.
A primeira ação foi judicializada em 2018. Casagrande entrou com pedido de liminar para remover um vídeo na internet que o comparava a um ditador e sugeria que ele tivesse relação com crimes apurados pela força-tarefa da Lava Jato. A Justiça determinou que o conteúdo fosse retirado do ar.
O chefe do Executivo estadual tem endurecido a atuação em combate a ofensas e conteúdos difamatórios que são divulgados a respeito dele nas redes sociais. Só este ano foram oito processos, quatro deles direcionados ao deputado estadual Capitão Assumção (Patriota).
De acordo com Mariane Porto Sacramento, advogada que representa Casagrande em processos particulares, em todas as ações foram concedidas liminares, ainda que por meio de recurso, para que os conteúdos fossem removidos das redes.
O que estamos combatendo são discursos inverídicos e a forma como eles estão sendo colocados na internet, muitas vezes com expressões ofensivas, que ultrapassam a liberdade de expressão. Chamam o governador de ladrão, de comunista safado, fazem afirmações que são falsas, afirmou.
Mariane afirma que, com o início da pandemia do novo coronavírus, Renato Casagrande passou a receber diversos ataques, o que o motivou a procurar a Justiça de forma mais recorrente. Ele já tinha sido alvo de desinformação no início de janeiro, quando fortes chuvas atingiram o Estado e provocaram estragos em algumas cidades. Na época, a Procuradoria Geral do Estado acionou o Ministério Público Estadual para que apurasse a divulgação de informações falsas.
O governador tem manifestado sua indignação e intolerância à desinformação também nas redes sociais. Recentemente, um vídeo tirado de contexto, mostrando o governador em uma festa junina em 2017, mas sugerindo que o evento havia sido realizado durante a pandemia, viralizou.
Em seu perfil no Twitter, Casagrande expressou repúdio à postagem e afirmou que o responsável responderia judicialmente pela divulgação falsa. A Justiça ordenou que o Facebook retirasse o vídeo do ar. Solicitou também informações a respeito da conta apócrifa usada para disseminar o conteúdo.
A remoção de conteúdo na internet ainda causa divergência entre especialistas. Segundo a assessora jurídica da Abraji, Juliana Fonteles, a liberdade de expressão tem que ser assegurada a todas as pessoas. Contudo, encontra limites no direito à honra, imagem, privacidade. Nesses casos, há legitimidade para buscar reparação no Judiciário. Para Fonteles, há preocupação com a frequência que agentes públicos têm recorrido à Justiça para solicitar remoção de conteúdos.
O que preocupa e ameaça a liberdade de expressão é a elevada quantidade de ações judiciais que buscam, além da indenização, a indisponibilização de conteúdo, o que se configura em tentativa de censura. A situação é ainda mais grave quando se vê a grande quantidade de agentes políticos recorrendo ao Judiciário para excluir conteúdos que lhes causem dissabor, sob a justificativa de que se trata de desinformação ou difamação, pontuou.
Especialista em Direito Penal e Eleitoral, Ludgero Liberato considera que a Justiça deve ser usada para impedir o compartilhamento de conteúdo e punição de quem o dissemina.
Casos mais drásticos, que nitidamente envolvem três elementos, como falsidade, dolo, que é o propósito para desinformar, e dano, necessitam de uma intervenção judicial porque o prejuízo é muito grande. Nesse contexto vejo a importância de adotar medidas civis e penais, declarou.
A advogada Taís Gasparian discorda. Mestre em Direito pela USP, ela vê a remoção de conteúdos como uma atitude autoritária e defende que os mecanismos disponibilizados pela internet sejam usados para sinalizar discursos de ódio ou desinformação.
Ela também classifica as ações na Justiça como uma forma de enxugar gelo. Retirar um arquivo da internet é como enxugar gelo, você não consegue remover completamente aquilo, pode ficar em banco de dados, pode recolocar links, dificilmente a pessoa consegue remover completamente o conteúdo. O Judiciário está sendo usado para um trabalho que não tem fim, argumentou.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta