Em sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, o procurador-geral da República, Augusto Aras, foi questionado pelo senador Fabiano Contarato (Rede) sobre uma série de episódios protagonizados pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ou por integrantes do governo federal. Com perguntas que começavam sempre com "onde estava a PRG (Procuradoria-Geral da República) quando..." Contarato desfiou um rosário de eventos que considera crimes.
Um deles foi a falta de uso de máscara por parte de Bolsonaro, em meio a aglomerações, o que contraria autoridades em saúde pública, inclusive o próprio Ministério da Saúde, em meio à pandemia de Covid-19.
"A PGR deveria se manifestar quando o presidente não usa máscara, faz aglomeração. O senhor assinou portaria que estabelece proibição de acesso de pessoas que não estejam utilizando máscaras para ingresso na sede da PGR. Por que essa proteção aos membros do Ministério Público não vale para os milhares de brasileiros expostos a risco pelo presidente da República? A conduta pode configurar crime de epidemia?", questionou o senador do Espírito Santo.
"O uso das máscaras, ou melhor, a não utilização das máscaras é um ilícito, nós sabemos que é um ilícito. É administrativo. A sanção, nesse campo, é a multa. O uso da máscara é realmente obrigatório, como defendi no STF e nosso parecer foi acolhido. Mas é preciso ter cautela na criminalização. Antes de se aplicar o Direito Penal é preciso ver se não é possível aplicar o Direito Civil, o Administrativo. Não há cadeia para todo mundo", prosseguiu Aras.
Contarato o interrompeu para ressaltar: "Não se pode comparar o comportamento de um brasileiro comum com o do presidente da República. Não sou punitivista, mas é um crime: infração de medida sanitária preventiva. Pena de detenção de um mês a um ano e multa, não vai ficar preso". Em casos de crimes cujas penas são inferiores a quatro anos, a pessoa pode cumprir, já inicialmente, em regime aberto.
"No sistema em que vige o princípio do Direito despenalizador, falar em pena de natureza criminal pode ser algo extremamente perigoso", devolveu Aras, sem mencionar Bolsonaro.
Contarato ainda apontou omissões da PGR diante da prática de outros crimes: "Onde estava a PGR quando presenciou o presidente da República difundindo tratamento precoce? Isso é charlatanismo. Onde estava a PGR quando presenciou o presidente da República difundindo imunidade de rebanho? Isso é crime de epidemia. Onde estava a PGR quando presenciou o presidente da República se recusando a adquirir vacinas da Pfizer, 101 vezes? Isso é crime de prevaricação".
A lista é longa, tem mais itens, como as suspeitas de corrupção que pairam sobre as negociações para a aquisição da vacina indiana Covaxin.
Contarato perguntou, também, se Aras vai permitir que o Conselho Superior do Ministério Público analise uma representação criminal contra o próprio procurador-geral da República, por prevaricação (quando um servidor público não toma determinada ação que lhe compete em benefício próprio ou de terceiros). Cinco membros do Conselho acusam Aras de "interceptar" o pedido feito, que foi parar no gabinete do PGR e, depois, no do vice-procurador Humberto Jacques de Medeiros, que atua diretamente com ele.
Aras não respondeu. Já quanto a situações relativas ao combate à pandemia de Covid-19, ou às omissões do governo federal, o procurador-geral da República afirmou que são pontos que podem ter repercussão, "muito, muito, muito". Mas não agora.
"Muitas das observações do senador Contarato no que toca à questão da Covid pode ter grande repercussão após a CPI da Covid, muito, muito, muito, mas é preciso apurar as provas", contemporizou Aras.
Durante a sabatina, Contarato e o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) avisaram que vão recorrer da decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, de arquivar notícia-crime apresentada pelos dois parlamentares contra Aras. Contarato e Vieira querem que o PGR seja investigado por prevaricação.
Outro representante do Espírito Santo, o senador Marcos do Val (Podemos) questionou o procurador-geral da República logo após a manifestação de Contarato.
"Quero dar as boas vidas ao doutor Aras e dizer que, quando ele fala que paga um alto preço, simbolicamente dizendo, por não estar com a família, com os pais, com os filhos. A gente passa isso aqui e a sociedade lá fora não faz ideia disso, de como é difícil exercer essa função", começou.
Em seguida, afirmou que o combate à corrupção é um valor inegociável e perguntou: "De que forma a PGR tem agido para garantir que ações de representação à corrupção não se esvaiam para que não voltemos ao estado letárgico que vivíamos até o desvendar dos conluios ilegais feitos por empresas, autoridades públicas, que causaram, durante anos, prejuízos irreparáveis às estatais, aos fundos de pensão e ao nosso país?".
O presidente da CCJ, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), agradeceu a Do Val por ele não ter utilizado todo o tempo a que tinha direito para falar.
Aras, momentos antes na sabatina, havia criticado a Lava Jato e o modelo de forças-tarefas que permitiu a realização da operação. A Lava Jato teve como alvos políticos de diversos partidos, como PT e PP. O PP, aliás, hoje integra o governo Bolsonaro.
O procurador-geral respondeu a Do Val dizendo que remodelou o modelo de forças-tarefas, implantando mais grupos de combate à corrupção.
O desmantelamento da força-tarefa de Curitiba, no entanto, foi criticado por procuradores da República e marcou o fim da Lava Jato. Aras sustenta que os Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaecos) criados na gestão dele são mais eficientes.
Procuradores Regionais da República que atuam no Tribunal Regional Federal da 4ª Região – que julgou recursos no âmbito da Lava Jato – nem quiseram integrar o Gaeco. Como registrou o jornal "Folha de S.Paulo", “os procuradores que criticam a gestão de Aras veem risco de perda de autonomia e identificam um movimento para reduzir a independência desses grupos e concentrar na PGR informações sobre as operações, com acesso a provas e dados sigilosos”.
A sessão da CCJ do Senado é transmitida ao vivo, na TV Senado no YouTube. O senador Eduardo Braga (MDB-AM) resolveu fazer perguntas enviadas por internautas. Volta e meia dizia: "o fulano (falava o nome da pessoa), de Goiás, quer saber ...".
Do Val chegou a publicar no Twitter: "Qual pergunta você acha que não pode faltar nesta sabatina?"
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