Uma síntese da história do Brasil pode ser contada a partir das memórias sobre Nova Almeida. Hoje distrito do litoral da Serra, divisa com Fundão, a região, que é uma das localidades mais antigas do Estado, já foi um município independente e coleciona registros de todos os períodos considerados marcantes dos últimos séculos: desde o colonial, como o período de Império até a República. Hoje com jeito de cidade de interior, ainda mantém a pesca como uma de suas fortes características e hospeda a imponente Igreja dos Reis Magos, um dos maiores pontos históricos e turísticos do Espírito Santo.
O processo de colonização de Nova Almeida foi iniciado com a fundação da Aldeia Indígena dos Reis Magos, em 1557, apenas um ano depois de ter início a instalação das bases de colonização de uma região que posteriormente seria a cidade da Serra. Ela recebeu esse nome após o padre jesuíta Braz Lourenço, ao chegar no local, ter feito um agrupamento de índios para rezar a primeira missa na região no dia 6 de janeiro, dia dos Reis Magos.
Os jesuítas chegaram e se instalaram no local, após conseguirem uma sesmaria de 40 quilômetros de extensão para os índios. A ideia da Companhia de Jesus era fazer um grande centro catequético. Escolheram ali por considerarem um lugar privilegiado, com uma parte alta e um rio que dava para penetrar para o interior ou ter contato com outras aldeias. Na praça em frente à igreja ficavam as cabanas dos índios, que eram de 3 a 5 mil ao todo, conta o professor e historiador Alci Barroso Rangel, que também é morador do local e tem envolvimento histórico com a comunidade, pois seu tio-avô foi prefeito da Comarca de Nova Almeida em 1916.
O maior legado deixado por índios e jesuítas, nesta fase, foi a Igreja de Reis Magos. Hoje tombada pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) como patrimônio histórico nacional, sua primeira versão foi feita de palha e pau a pique. Depois, em 1580, foi inaugurada a construção da igreja e residência jesuítica, com requintes importantes em termos de arquitetura, como relata o historiador Fernando Achiamé.
Ela foi projetada pelos padres e executada pelos índios. Possui vários materiais nobres, como a pedra de Lioz, um tipo de mármore português, trazida nos navios e usada na construção do portal e das pias. O altar, entalhado em madeira, também mostra ter tido um traçado erudito, descreve.
Após anos de comando jesuítico, no período da administração de Marquês de Pombal, primeiro-ministro português que expulsou os padres católicos do Brasil, Nova Almeida recebeu o título de município em 2 de janeiro de 1759. Na época, também pertenciam ao seu território as atuais áreas de Timbuí e Fundão. O nome, apontado por Dom José, Rei de Portugal, foi em homenagem a cidade de Almeida, do país colonizador.
Até então, só existiam poucos municípios reconhecidos no Estado, eram basicamente Vitória, Vila Velha e São Mateus. De acordo com o escritor e historiador Clério Borges, todo o patrimônio, inclusive a Igreja dos Reis Magos, passou para a administração pública. Como a residência dos padres não teria mais esta finalidade, no local instalou-se a Câmara de Vereadores e a cadeia pública, requisitos para a criação da cidade.
A Câmara foi totalmente composta por índios, e o presidente era a principal liderança política do local. Nessa época, o Espírito Santo era desenvolvido só no litoral, praticamente. O comércio na vila começou a crescer, com a venda de peixe, tábuas, farinha de mandioca, aguardente. As mercadorias eram levadas para Vitória. Era difícil produzir café. E assim, a vila foi tendo prosperidade, foi recebendo negros, imigrantes, formando elites, atraindo coronéis, fazendeiros, e havendo uma miscigenação, relata.
Em 1860, Nova Almeida chegou a receber o imperador Dom Pedro II, que chegou a cavalo na cidade, foi recebido por índios, que tocaram casaca, e hospedou-se na Igreja, que considerou tratar-se do "maior símbolo do lugar", segundo relatos históricos.
A tradição histórica e os séculos de desenvolvimento econômico baseados no rio e no mar não impediram que a região de Nova Almeida fosse abalada pelo binômio café-rodovia, como pontua o historiador Alci Barroso. Segundo ele, com a construção da estrada de ferro Vitória a Minas, em 1903, as terras do interior do Estado começaram a ser mais desbravadas. Os fazendeiros perceberam que nesses locais ainda havia madeira boa e condições propícias para o cultivo de café.
Os produtos passaram a ser transportados pela ferrovia, e o litoral decaiu. O mesmo ocorreu com Anchieta, com Santa Cruz. O maior impacto para Nova Almeida foi com as inaugurações de Estações Ferroviárias em Timbuí e Fundão. Antes, a região era um dos principais corredores de ligação com o Norte. A partir daí, foi virando um deserto, afirma.
Nesse contexto econômico, a política começou a ser afetada. Em 1921, o Coronel Hermínio Castro, buscando ampliar sua influência na região, transfere a papelada do arquivo da Câmara, e muda a sede do município de Nova Almeida para Fundão - que tinha estrada de ferro -, por briga política, rebaixando a localidade a um distrito, como relata Achiamé.
"A incorporação ao município da Serra foi ocorrer somente 17 anos depois, em 1938, porém sem grandes embates. Como a Serra foi crescendo, ganhando com políticos com força, eles fizeram um pedido ao governador e como Nova Almeida não tinha mais representantes com influência, foi feito um acordo na Assembleia Legislativa. Delimitou-se que do Rio Reis Magos para baixo seria Serra, e para cima seria Fundão", conta Achiamé.
A partir de então, como distrito, ao qual pertencem diversos bairros, Nova Almeida ainda se destacou como uma das praias mais frequentadas do Estado, até a década de 90, contando com a Igreja dos Reis Magos como atração turística até hoje, apesar das dificuldades de restauração e manutenção do patrimônio ao longo dos anos.
A Igreja dos Reis Magos está em fase final das obras de restauração, iniciadas em dezembro de 2018. Enquanto isso, a igreja permanece aberta, com a realização das missas. Já a residência dos Reis Magos está fechada até o fim da restauração. Custeada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a obra teve valor de R$ 720 mil. De acordo com a Prefeitura da Serra, a previsão é de que a Igreja seja reinaugurada no dia 2 de dezembro. O horário de visitação é das 8 às 17 horas, e não é necessária reserva prévia.
Na década de 50, mesmo um pouco após o período em que Nova Almeida já tinha passado de seu auge, a então lavradora e dona de casa Áurea Loureiro Bermudes e o marido decidiram tentar uma nova vida no local. Nascida onde hoje é Fundão, dona Aurinha se lembra de como foi o início da vida na região, onde chegou aos 39 anos e já mãe de três de seus seis filhos.
Nossa primeira casa era de palha. As pessoas pegavam as pedras vermelhas, dos recifes da praia, para fazer a fundação das casas. O ponto mais característico era uma pensão, que ficava na praça em frente ao rio, lembra a aposentada de 96 anos, que é uma das moradoras mais antigas da região.
E é lá que cresceram e ainda moram todos os seis filhos. A gente comprava o peixe e revendia. Graças a Deus vencemos a vida, diz Dona Aurinha.
Início do processo de colonização da região de Nova Almeida, com a fundação da Aldeia Indígena dos Reis Magos.
Data em que foi inaugurada a Igreja dos Reis Magos, projetada pelos jesuítas e construída pelos índios.
Nova Almeida recebe o título de município, e é feita a expulsão dos jesuítas. Na época, também pertenciam ao seu território os atuais municípios de Timbuí e Fundão.
A sede de Nova Almeida foi transferida para Fundão, região que estava mais desenvolvida, por já contar com uma estação da estrada de ferro.
Nova Almeida deixa de pertencer à Fundão e torna-se um distrito do município da Serra. O Rio Reis Magos passou a fazer a uma das divisas do município.
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