Enquanto o fim das coligações partidárias para a eleição de vereadores fez a maioria dos municípios capixabas registrar recorde no número de candidaturas para as eleições municipais deste ano, em nove cidades do Espírito Santo nada mudou. Nesses municípios, apenas dois candidatos devem disputar a cadeira de prefeito em novembro, seguindo uma tradição política de ter poucos nomes nas urnas.
O fim das coligações impede que partidos formem chapas com outras siglas na disputa por vagas nas Câmaras municipais. Com a nova regra, cada partido teve que registrar uma chapa própria, o que aumentou a importância de lançar candidatos a prefeito para "puxar votos" e dividir palanque com os candidatos a vereador. Essa mudança fez cidades como Cariacica, que em 2016 contou com quatro candidatos à prefeitura, ter 14 nomes na disputa deste ano.
O mesmo aconteceu, em escala menor, em municípios fora da Grande Vitória. No último pleito municipal, 22 municípios capixabas tiveram pleitos com dois candidatos. Baixo Guandu e Domingos Martins, por exemplo, estavam entre eles. Mas em 2020 essas duas cidades terão disputas entre seis candidatos cada uma em novembro.
Na contramão desse movimento, as cidades que têm apenas dois candidatos, desta vez, são as seguintes: Boa Esperança, Governador Lindenberg, Iconha, Itaguaçu, Jerônimo Monteiro, Mantenópolis, Pedro Canário, Ponto Belo e Santa Leopoldina.
Dessas, quatro repetiram o número de candidatos nos dois pleitos: Boa Esperança, Governador Lindenberg, Itaguaçu e Mantenópolis.
São municípios pequenos, com um baixo número de habitantes e eleitores. Pedro Canário, maior cidade entre as que compõem a lista, tem 26.381 habitantes e 18.056 eleitores. A menor é Ponto Belo com 7.940 habitantes e 6.307 eleitores, de acordo com dados do IBGE e do Tribunal Superior Eleitora (TSE).
Mas, o que explica esses nove municípios não registrarem esse aumento de candidaturas, mesmo com o fim das coligações? Para especialistas existe um fator cultural. Por serem cidades menores, ainda é muito viva a tradição política herdada do mundo dos coronéis, aponta o cientista político João Gualberto Vasconcellos.
Historicamente, a política brasileira foi marcada pela tradição de que "cada cidade tinha dois, ou no máximo três grandes lideranças." Com isso, relata o especialista, os municípios se dividiam de forma polarizada, mas que pouco tinha a ver com ideologia e sim com nomes de lideranças.
Em alguns municípios você tinha a barbearia de quem era do lado do fulano e a barbearia de quem era do outro lado, a polarização chegava até aos estabelecimentos. É uma tradição própria do mundo das elites e temos como herança do processo político essa tendência à polarização em torno de nomes muito mais do que de ideias, pontua João Gualberto.
O especialista conta que na época da ditadura militar, quando apenas duas siglas eram autorizadas MDB e Arena a concentração de lideranças foi ainda mais ampliada e a divisão acabou baseada em rivalidades locais, reforçando que não era sobre bandeiras políticas ou ideologias. Se seu adversário ia para um partido, você automaticamente ia para o outro, relata.
Esses poucos grupos fortes que ainda têm muita influência no interior acabam desencorajando candidaturas novas. "É uma questão de organização dos grupos políticos locais e cidades menores geralmente têm poucos grupos de liderança. Esses grupos agem independentemente do partido. O município já é tão organizado e vinculado a essa realidade polarizada que não vale a pena insistir em se candidatar, 'todo mundo sabe' que não tem como ganhar sem ser o candidato de um dos grupos", aponta o cientista político Fernando Pignaton.
Prova disso, ressalta o especialista, é que os municípios têm diferentes chapas para vereador, mas apenas duas legendas confirmam candidatos à prefeitura. "Eleger vereadores é mais fácil sem ter apoio de um grupo dominante. Para ser competitivo como candidato a prefeito precisa ter pelo menos 1/3 dos votos, o que é muito difícil nesses municípios. Ou seja, para os partidos não vale a pena lançar a candidatura majoritária (para prefeito)", pontua.
A polarização não é, no entanto, uma peculiaridade do interior. João Gualberto aponta que em âmbito regional essa é uma cultura da política capixaba. Viemos dessa polarização em torno de grandes personalidades políticas e até muito recentemente, aqui no Estado, por exemplo, Paulo Hartung e Casagrande se polarizaram, assinala.
Para Pignaton, o cenário também tem como pano de fundo estratégias partidárias. Essas cidades pequenas e periféricas, ou seja, que estão nas "extremidades" do Estado, podem ter ficado "à sombra" dos interesses partidários, que veem as eleições municipais como um momento de "preparar o terreno" para as eleições de deputados federais, estaduais e governador.
"Os partidos políticos têm um plano estadual de consolidação, isso depende quando [as siglas] têm deputados federais ou deputados estaduais. Quando tem deputado federal, o interesse é maior de dominar todo o Estado, já que para eleger alguém para o Congresso é preciso ter votos em todo o Estado, mas quando só tem deputado estadual não precisa dominar todos os cantos, cada deputado tem sua base regional que o elegeu, ou seja, só interessa eleger prefeitos que deem continuidade para essa aliança nesses locais", aponta.
Esses municípios, portanto, que significam uma porcentagem pequena de eleitores, acabam ficando em uma "zona de sombra" no interesse partidário, uma vez que uma candidatura para prefeito custa mais para o bolso dos partidos do que a de vereador. Por isso, é possível ver que existem diferentes legendas nesses municípios que inclusive lançaram candidatos a vereador mas que "não se arriscam ou não se interessam" em insistir em uma candidatura à prefeitura.
João Gualberto alerta que eleições polarizadas podem enfraquecer a democracia nesses municípios. Como os dois lados, geralmente, se baseiam em rivalidades locais e tradições políticas, as pautas importantes que deveriam ser propostas podem ser deixadas de lado. "A polarização impede o surgimento do novo, a alternância de poder, e os debates importantes são deixados de lado. Os candidatos acabam não discutindo propostas, a eleição acaba se baseando na tradição", salienta.
Isso não significa, no entanto, que o contrário seja saudável, pondera o cientista político. Os municípios que registram uma explosão de candidaturas também podem estar se afastando de um ambiente saudável e democrático. "Nessas cidades está virando uma bagunça, com 14, 13 candidatos. Como os eleitores vão entender, conhecer, saber das propostas? Essa fragmentação é também uma prova da pouca qualificação do processo político brasileiro", pondera.
Boa Esperança
Governador Lindenberg
Iconha
Itaguaçu
Jerônimo Monteiro
Mantenópolis
Pedro Canário
Ponto Belo
Santa Leopoldina
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta