No dia em que o número de mortos pelo coronavírus no Brasil chegou a 250 mil, recorde batido um ano após a confirmação do primeiro caso da doença no país, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) utilizou sua live semanal para abordar, sem provas ou evidências científicas, "efeitos colaterais" do uso da máscara de proteção contra o vírus, entre eles, "irritabilidade, dificuldade de concentração e desânimo".
Esta não foi a primeira vez que o presidente criticou medidas sanitárias, como o uso da máscara. Durante todo o período da pandemia instalada, inevitavelmente marcado por um cenário de crise na saúde e na economia, Bolsonaro manteve a defesa de medicamentos como tratamento precoce que não têm eficácia comprovada, e criticou o distanciamento social como forma de evitar o contágio. As frases foram ditas em suas lives pelas redes sociais, em eventos e entrevistas.
A quantidade de mortos equivale a queda de 500 aviões ou três estádios do Maracanã lotados e, um ano depois, o pesadelo da pandemia parece distante de chegar ao fim: novas variantes da doença aceleram o contágio e em 12 estados a ocupação de leitos passa dos 80%, pior índice desde o início da pandemia segundo a Fiocruz.
Durante os primeiros meses da pandemia, Bolsonaro minimizou a doença, chamou de "gripezinha", indicou que seria uma "pequena crise" e, mesmo quando testou positivo para a doença, em julho, tirou a máscara para dar entrevista, desrespeitando as orientações das autoridades sanitárias. O mandatário também não poupou críticas à Coronavac, vacina produzida com insumos chineses e, indo na contramão de muitos líderes mundiais, cravou que não tomará a vacina.
Agora, um ano depois, o presidente mantém suas críticas e defende uma "volta à normalidade", sustentando que medidas restritivas vão contra "o que o povo quer". Relembre algumas frases que Bolsonaro falou ao longo do ano marcado pela guerra de narrativas que travou com autoridades sanitárias e governadores.
No mês de março, início da pandemia no Brasil, Bolsonaro foi a manifestações e criticou medidas de isolamento defendidas por governadores, sendo contra o fechamento de escolas. No dia 2 de abril, ironizou a ação dos governadores em uma conversa com pastores em frente ao Palácio Alvorada.
Ainda no mesmo mês, durante uma celebração da Páscoa com líderes religiosos, o presidente afirmou que o vírus "parecia estar indo embora" e que o desemprego seria a outra preocupação.
No final de abril, o país bateu o recorde de 5 mil mortos e ultrapassou a estatística da China. O recorte batido nessa semana é 50 vezes maior. Na ocasião, o presidente se excedeu ao ser questionado sobre o número alto e retrucou com a frase "e daí?". O mandatário ainda disse que não poderia fazer "milagres".
Quando o país alcançou a triste marca de 24 mil mortos, em maio, o presidente se mostrou preocupado com os reflexos da pandemia na economia. Mesmo após três meses de pedidos incessantes por parte das autoridades sanitárias para que o distanciamento social fosse praticado como forma de evitar o contágio, Bolsonaro criticou a medida.
Três meses depois, as críticas continuavam. Após causar aglomeração em visita a Foz do Iguaçu, Bolsonaro disse, em transmissão ao vivo, que gosta de estar em meio ao povo e que ninguém poderia "dar palpite."
Em setembro, sete meses após o início da pandemia, algumas empresas já haviam noticiado avanços na produção da vacina contra o coronavírus. A novidade levantou um debate no país, depois que o próprio presidente afirmou que não tomaria vacina e que a aplicação não deveria ser obrigatória.
Bolsonaro criticou diversas vezes a Coronavac, vacina produzida pelo Instituto Butatã com insumos chineses. O presidente chamou a vacina de "vacina do Doria", em referência ao governador de São Paulo, e chegou a sugerir que o imunizante poderia causar "morte, invalidez e anomalia", o que não é verdade. Bolsonaro ainda desautorizou o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, que havia anunciado a compra da vacina. Em rede social, respondeu para apoiadores que não iria comprar. "O presidente sou eu", disse.
No dia 15 de dezembro, em meio a negociações de compra de vacinas, tanto a Coronavac quanto imunizantes de outras empresas, o presidente voltou a dizer que não iria se imunizar e que o risco seria "problema dele". Autoridades sanitárias alertam, no entanto, que o risco de não se vacinar, no entanto, não se restringe à vida de uma pessoa. Se uma porcentagem grande da sociedade não se imunizar, o vírus continuará circulando e se desenvolvendo em novas variantes.
Especialistas também apontam que as falas do presidente podem desestimular a população. Quatro dias depois, no dia 19, enquanto outros países começavam a vacinar, o presidente disse que a pressa para a aprovação dos imunizantes pela Anvisa "não se justifica". O mandatário também voltou a dizer que a pandemia estaria "chegando ao fim".
No último dia de 2020, Bolsonaro voltou a atacar o uso da máscara como forma de evitar o contágio por coronavírus. Em live em suas redes sociais, o chefe do Executivo disse que o uso do equipamento era "ficção" e que a eficácia das máscaras de pano teriam eficácia "praticamente zero". O que vai contra o resultado de pesquisas que apontam que a máscara caseira pode repelir até 84% das gotículas de saliva.
A crítica ao equipamento de proteção continuou na semana em que o país registrou 250 mil mortos e um ano desde o primeiro caso de Covid-19. Também em uma live, a única menção que o mandatário fez à pandemia foi para questionar a eficácia do uso de máscaras e distanciamento. Citando um suposto estudo alemão que teria apontado para "efeitos colaterais" do uso de máscara em crianças, o presidente evitou entrar em detalhes mas disse que tem "sua opinião" sobre o tema.
Ainda nesta sexta-feira, em um evento sobre obras rodoviárias em Tianguá (CE), Bolsonaro criticou a medida mais restritiva por parte de governadores. Ibaneis Rocha (MDB), governador do Distrito Federal, anunciou nesta sexta o fechamento de atividades não essenciais.
Alfinetando os chefes de Executivos estaduais, o presidente afirmou que "o povo quer trabalhar" e que "ninguém aguenta mais ficar em casa". As falas vem no momento em que 12 estados e o Distrito Federal trabalham com a taxa de ocupação de leitos acima dos 80%, muitos a beira de um colapso.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta