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O que está por trás da votação do veto que congela salário de servidores

O que está por trás da votação do veto que congela salário de servidores

Senado havia derrubado o veto de Bolsonaro, surpreendendo o governo. Mas, com apoio de Rodrigo Maia, o veto foi mantido na Câmara e reajustes ficam proibidos até o fim de 2021

Publicado em 20 de agosto de 2020 às 22:11

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Bolsonaro, entre Alcolumbre e Maia, durante pronunciamento
Bolsonaro, entre Alcolumbre e Maia, durante pronunciamento: governo enfrentou instabilidade política em sua base, na votação do projeto e do veto, nas duas Casas do Congresso Nacional. ( Carolina Antunes/PR)

Após forte investida, juntamente com os partidos do Centrão e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o governo Bolsonaro conseguiu manter a proibição de reajuste salarial para servidores públicos até dezembro de 2021. O veto do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) foi mantido por 316 votos a favor e 165 contra. Para que fosse derrubado, seriam necessários pelo menos 257 votos.  

O veto já tinha sido derrubado, aliás, pelo Senado no dia anterior, mas ele somente cairia se fosse rejeitado pelas duas Casas. Para reverter a situação, foi costurado um acordo envolvendo a prorrogação do auxílio emergencial e a liberação de recursos do Orçamento ainda este ano. Esses dois pontos já estavam em negociação, antes da derrubada do veto pelos senadores, mas deputados ganharam mais influência depois da decisão dos senadores.

O congelamento dos reajustes por 18 meses foi incluído no projeto de socorro a estados e municípios por conta da crise causada pelo coronavírus. A proposta prevê repasses de R$ 60 bilhões aos governos locais e autoriza ainda a suspensão de dívidas com a União e bancos públicos, elevando o impacto do pacote a R$ 125 bilhões. Mas, em contrapartida, tem que haver o congelamento dos salários dos servidores da União, dos Estados e dos municípios.

A derrubada do veto no Senado foi um susto para o governo, por ter sido causada inclusive por parlamentares governistas, em um placar de 42 votos a 30. Entre os contrários estiveram quatro senadores bolsonaristas. Se eles tivessem acompanhado a orientação do governo, o veto do presidencial não teria sido derrubado.

Com isso, ministros, assessores e lideranças do governo saíram a campo, ainda na quarta (19) para segurar a votação na Câmara  –  que ocorreria à noite, e tentar garantir o veto, temendo o risco de que os deputados, embalados pelo Senado, também votassem pela derrubada. 

Com o adiamento, houve tempo para os deputados perceberem o tamanho da repercussão negativa trazida pela derrubada do veto, o que também ajudou o governo a conseguir trabalhar os votos da Câmara. Nesta quinta, deputados passaram o dia em reuniões para tentar reverter a decisão dos senadores. 

Bolsonaro chegou a afirmar que seria "impossível governar o Brasil" se Câmara permitisse o reajuste a servidores e essa declaração do presidente ajudou nas articulações, porque confirmou que o governo estava fechado a favor da manutenção do veto. Guedes também batalhou pelo veto, por entender que o recurso de combate à pandemia não poderia ser usado para reajustes de salários e despesas permanentes. O ministro classificou a decisão do Senado, de quarta-feira, como um "crime contra o país".

Foi preciso que Rodrigo Maia também se posicionasse publicamente sobre a situação. "Nós entendemos que é muito importante a manutenção desse veto para que nós possamos dar uma sinalização clara de que nós queremos, claro, atender Estados, municípios, sociedade, mas tudo dentro do equilíbrio fiscal", disse, nesta quinta.  Partidos como DEM, MDB, PP, PL, PSDB, Republicanos, PSD, Novo, Solidariedade e PV deram garantias de que iriam tentar reverter a decisão do Senado.

O PAPEL DO CENTRÃO

A votação tensa, com derrota e vitória para o governo, mostrou a força do Centrão na articulação política, segundo especialistas. Isso porque enquanto na Câmara Bolsonaro tem trabalhado para construir uma base junto a este núcleo, para cobrar apoio em momentos decisivos como esse, deixou o Senado para trás. E ficou demonstrado, agora,  que lá o governo ainda está vulnerável e que a lógica política das duas Casas do Congresso não é a mesma. 

Isso também fica demonstrado no próprio processo de aprovação desta lei, em maio. Na votação no Senado, já foi rompido o acordo com Paulo Guedes, sobre a contrapartida de não conceder aumento aos servidores, em troca do socorro aos Estados e municípios. Os senadores protegeram profissionais da saúde e da segurança pública, o que reduziu o efeito de economia da medida de R$ 130 bilhões para R$ 93 bilhões.

Em seguida, na votação da Câmara, ampliou-se o rol de categorias blindadas, incluindo policiais legislativos, professores, profissionais de limpeza e até servidores da área de defesa agropecuária. O impacto caiu para R$ 43 bilhões. 

A pedido de Guedes, Bolsonaro vetou todas essas modificações, mas fez um jogo duplo, pois aproveitou o tempo entre a aprovação no Congresso e a sanção e concedeu aumentos para policiais do Distrito Federal e fez o realinhamento das funções na Polícia Federal, como lembra o cientista político e professor da Mackenzie Rodrigo Prando. 

"Isso também ajudou a deteriorar a relação com o Senado. Ele tem grande tendência ao corporativismo e dá sinais ambíguos quanto às contas públicas. Apresenta medidas de corte de gastos, mas não se envolve e, ao mesmo tempo, demonstra engajamento nas medidas que aumentam o gasto, como a ampliação do auxílio emergencial, os projetos para a criação do Renda Brasil, e para aumentar os investimentos públicos. Essa votação difícil foi graças à desarticulação política, à falta de vontade de governar, e à falta de liderança politica", analisa.

Ele frisa que Maia e uma parte dos deputados perceberam a má repercussão que poderia ser gerada com a derrubada do veto, já que os funcionários públicos são um conjunto de trabalhadores que estão protegidos durante a pandemia, com seus salários integrais e estabilidade. 

"Enquanto isso, há milhões de pessoas que ficaram desempregadas, todos aqueles que tiveram salários reduzidos, empresários que viram seus negócios fecharem, durante a pandemia. A sociedade não iria aceitar isso sem que o governo tivesse desgaste, apesar da pressão feita pelos servidores públicos", complementou.  

Na iniciativa privada, de acordo com dados oficiais, hoje já são quase 10 milhões de trabalhadores no país que tiveram o salário reduzido ou o contrato suspenso por causa da crise provocada pela pandemia. Outros 66 milhões de pessoas já receberam o auxílio emergencial de R$ 600 mensais pago pelo governo a desempregados e informais.

Para o professor de sociologia e política da PUC-Rio Ricardo Ismael, assim como ocorreu na reforma da Previdência, em que o governo acabou cedendo a algumas categorias, agora também deixou surgir espaço para que as corporações agissem nos bastidores do Congresso, pois já têm seus canais próprios de pressão. A bancada da segurança pública, junto com a oposição, chegou a pressionar pela derrubada do veto, mas não teve força para isso. 

"Se o governo não tomar as rédeas, corre o risco de ter sucessivas derrotas, já que o Centrão não tem uma coesão programática. O núcleo do funcionalismo é forte, já tem conseguido segurar a reforma administrativa. Hoje, no Congresso, existe uma pressão de manutenção de gastos ou aumento e, se não se articular, o governo não consegue cortar nada", avalia.

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