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O que pode acontecer com juízes investigados por suposta venda de sentença no ES

O que pode acontecer com juízes investigados por suposta venda de sentença no ES

Alexandre Farina Lopes e Carlos Alexandre Gutmann foram afastados das funções pelo TJES e são alvo de procedimento criminal, mas também podem responder administrativamente

Publicado em 22 de julho de 2021 às 15:24

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Farina e Gutmann
Juízes Alexandre Farina e Carlos Alexandre Gutmann foram afastados dos cargos pelo TJES. (Reprodução/Redes Sociais)
Autor - Iara Diniz
Iara Diniz
Repórter de Política / [email protected]

Os juízes Alexandre Farina Lopes e Carlos Alexandre Gutmann, investigados pelo Ministério Público Estadual em procedimento criminal que apura uma suposta venda de sentença no Espírito Santo, podem ser presos e perder o cargo caso sejam condenados judicialmente. Até lá, contudo, o trâmite é longo.

O caso precisa transitar em julgado, ou seja, quando não é mais possível apresentar recurso. Como os magistrados têm foro por prerrogativa de função, mais conhecido como foro privilegiado, eles são julgados inicialmente pelo Tribunal de Justiça (TJES) e a última Corte a que podem recorrer para reverter uma decisão é o Supremo Tribunal Federal (STF).

Paralelamente e independentemente do processo criminal, os dois juízes também podem responder a um Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD). Nesse caso, a punição é por meio de sanções administrativas, que são consideradas "mais brandas", vão de advertência a aposentadoria compulsória, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço. 

Farina e Gutmann foram afastados cautelarmente das funções por decisão do TJES na última quinta-feira (15). A medida, chamada de cautelar processual penal, foi um pedido do Ministério Público para impedir que os magistrados atrapalhassem as investigações relacionadas a uma possível venda de sentença, proferida em 2017 por Gutmann, com ajuda e intermediação de Farina, segundo o MPES.

Há indícios que houve vazamento do inquérito e que os investigados estariam fazendo contato, ainda que indireto, com testemunhas e dificultando que provas fossem colhidas.

Ao menos nove pessoas são investigadas por suspeita de participar do esquema. O MP aponta indícios de crimes de corrupção passiva, corrupção ativa e exploração de prestígio, cujas penas, somadas, podem chegar a 30 anos de prisão.

O CAMINHO DE UM PROCESSO CRIMINAL

O procedimento aberto em maio a pedido do Ministério Público e autorizado pelo TJES ainda está na fase de investigação. Foram autorizadas pela Justiça quebras de sigilos fiscais, telefônicos e de dados de alguns investigados, entre eles o juiz Alexandre Farina e o ex-policial civil Hilário Frasson.

Hilário é apontado pelo MP como responsável por intermediar a suposta venda de sentença entre Farina e o empresário Eudes Cecato, beneficiado pela decisão de Gutmann, em 2017, na época titular da Vara da Fazenda Pública Estadual da Serra. 

Na fase atual, o MP também cumpriu mandados de busca e apreensão na casa de Eudes e do ex-funcionário da Associação dos Magistrados do Espírito Santo (Amages) Davi Ferreira da Gama e solicitou a medida cautelar para o afastamento dos juízes dos cargos enquanto o caso é apurado. 

Apesar de terem sido afastados, os magistrados continuam recebendo os salários normalmente. Segundo o Portal da Transparência, Alexandre Farina, diretor do Fórum da Serra, tem salário de R$ 33.689,11, mas a remuneração líquida no mês de maio, somando verbas indenizatórias e já descontados impostos e Previdência, chegou a R$ 49.553,44.

Já Carlos Alexandre Gutmann, titular na 1ª Vara Cível da Serra, também tem salário de R$ 33.689,11. Com as vantagens que recebeu de caráter indenizatório, ele teve remuneração líquida de R$ 46.413,92 em maio. 

R$ 33.681,11 MIL
É O SALÁRIO RECEBIDO PELOS JUÍZES ALEXANDRE FARINA E CARLOS GUTMANN

Concluída a investigação, que não tem prazo, o Ministério Público tem 15 dias para oferecer denúncia à Justiça. Caso opte por não fazer isso, o inquérito é arquivado.

Se a denúncia for apresentada, os juízes passam de investigados para acusados. 

Os acusados apenas passam à condição de réus quando a Justiça recebe a denúncia e é instaurado um processo criminal. Como os réus são juízes, o julgamento na primeira instância fica a cargo de um órgão superior, neste caso o Tribunal de Justiça do Espírito Santo, conforme previsto no  art. 96, III, da Constituição Federal.

"É o foro por prerrogativa de função, que, embora na teoria seja uma boa ideia republicana (proteção aos principais cargos da República), na prática, no Brasil, não tem funcionado muito bem. Costuma ser muito lento", avalia o professor de Direito Processual Penal Halley Mendes.

"Só a título de exemplo, a famosa Operação Naufrágio, muito mais grave, até hoje não foi julgada em razão da lentidão do foro por prerrogativa de função."

A Justiça também pode não receber a denúncia por entender que está incompleta ou sem embasamento. Cabe recurso.

Assim que a denúncia é aceita pela Justiça, a defesa tem até 10 dias para se manifestar. O juiz pode aceitar a defesa e absolver os réus antes de ir ao tribunal. Se não aceitar, dá-se início à ação penal. 

"Nessa fase, é feita a instrução, ouve-se testemunhas de acusação, testemunhas de defesa, os denunciados têm direito de serem ouvidos. Havendo necessidade de mais provas, é aberto um prazo maior, até ir a julgamento", explica o professor de Direito Processual Penal Raphael Pereira. 

No tribunal, o juiz pode absolver ou condenar os réus. Caso haja condenação, é determinada uma pena a ser cumprida. No procedimento aberto pelo Ministério Público são apontados indícios de corrupção ativa, passiva, vantagem indevida e exploração de prestígio. São crimes que, se somados as penas, podem chegar a 30 anos de prisão.

"A 'venda de sentença', geralmente configura um crime de corrupção, previsto no art. 317 do Código Penal, que prevê pena de 2 a 12 anos de reclusão e multa", exemplifica Halley Mendes. 

Após a decisão do Tribunal de Justiça, há possibilidade de recurso, o que impede que a pena seja aplicada imediatamente. Os juízes só perdem o cargo e são presos quando o processo transita em julgado, ou seja, quando não há mais possibilidade de recorrer. No caso dos magistrados, a última instância é o STF.

"Há possibilidade de recurso, tanto por parte da defesa, se houver uma condenação, quanto por parte do Ministério Público. O recurso ao órgão superior primeiramente seria o STJ e, a posteriori, o STF", diz Raphael Pereira.

Mantida a condenação em terceira instância e o processo em trânsito julgado, as penas são aplicadas e os magistrados podem ser presos e perder o cargo. 

 Essa pena só é possível, segundo Halley Medes, em condenações judiciais, já que, em processos administrativos o que acontece é aposentadoria compulsória como pena máxima. O juiz deixa de exercer a função, mas recebe vencimentos por ter sido aposentado. O valor é proporcional ao tempo de serviço.

Já no caso do processo criminal, é como se o juiz fosse expulso da magistratura. 

Esses casos, contudo, são raros, de acordo com o professor. Entre 2007 e 2018,  apenas um magistrado punido pelo Conselho Nacional de Justiça por "venda de sentença", chegou a ser condenado criminalmente e perdeu o cargo, de acordo com Mendes.

"Em todo o país, o CNJ, em decisões administrativas, condenou 17 juízes à aposentadoria compulsória. Destes 17, apenas um magistrado do Ceará chegou a ser condenado pelo seu tribunal", destacou. 

O CASO

A Operação Alma Viva apura se uma decisão a respeito da titularidade de um terreno localizado na Serra foi proferida em troca de vantagem indevida. A sentença é de março de 2017 e foi assinada pelo juiz Carlos Alexandre Gutmann, então titular da Vara da Fazenda Pública Estadual da Serra. Trocas de mensagens obtidas após a quebra do sigilo telefônico do ex-policial civil Hilário Frasson mostram, de acordo com o MPES, que Hilário atuou como intermediário do empresário a ser beneficiado com a decisão.

O ex-policial manteve conversas com outro juiz, Alexandre Farina, a quem, ainda de acordo com a investigação, coube fazer a ponte com Gutmann. 

O que pode acontecer com juízes investigados por suposta venda de sentença no ES

O QUE DIZ A DEFESA DOS JUÍZES CITADOS 

A defesa do juiz Alexandre Farina afirmou que foi surpreendida com o julgamento realizado na quinta-feira, que definiu o afastamento do magistrado, e reforçou, por nota, "o compromisso do magistrado em colaborar com a Justiça, a fim de esclarecer todos os fatos que se encontram em apuração". Já no sábado (17) a defesa enviou nova nota, à TV Gazeta, 

"A decisão do tribunal pleno foi uma surpresa para todos nós, tendo em vista que o inquérito visa apurar fatos de 2017 e que, portanto, não possuem contemporaneidade para uma medida tão drástica como uma cautelar penal. De toda sorte, como ainda não foi nos dado acesso e nem intimados, não temos condições de analisá-la de forma mais acurada, mas assim que uma coisa ou outra acontecer iremos tomar as medidas necessárias. O juiz Alexandre Farina Lopes continua à disposição da Justiça capixaba, da mesma forma como sempre se portou nesses mais de 18 anos dedicados à magistratura, ou seja, com todo o respeito necessário ao Tribunal de Justiça do Espírito Santo", diz a nota assinada pelos advogados Rafael Lima, Larah Brahim, Mariah Sartório, Kakay, Roberta Castro Marcelo Turbay, Liliane Carvalho, Álvaro Campos e Ananda França.

A defesa de Carlos Alexandre Gutmann nega veementemente qualquer espécie de envolvimento do juiz com os graves fatos sob apuração. "Ao lado da certeza de sua inocência pesam os dezoito anos de serviços prestados com reconhecida qualidade e incólume reputação. A defesa acredita que a Justiça chegará à verdade", diz nota assinada pelos advogados Israel Jorio e Raphael Boldt.

Por meio de nota, o juiz Carlos Alexandre Gutmann nega qualquer irregularidade e destaca que não há conversas dele com os demais investigados entre as transcrições contidas na investigação. Veja a nota de Gutmann na íntegra:

“Tenho um histórico pessoal e profissional de reputação ilibada. Diante das investigações em curso e dos fatos recentemente divulgados, venho a público esclarecer que tenho 18 anos de uma carreira profissional irrepreensível e honrada, que está sendo subitamente maculada e colocada sob suspeita em razão da aparição de meu nome em diálogos dos quais jamais participei.

Garanto que não há e não surgirá uma única comunicação minha com os demais investigados que possa ser associada a tratativas, negociações, favores indevidos ou infrações de deveres funcionais.

Nesses últimos difíceis dias, tenho recebido mensagens de apoio de pessoas das mais diversas áreas do Direito, entre juízes, membros do Ministério Público e da Ordem dos Advogados do Brasil. São profissionais que me conhecem e confiam no meu trabalho. A todos eles, e também a mim, escandaliza a menção a meu nome.

O único elemento concreto que me diz respeito é a sentença a que se referem as conversas. Proferi decisão consciente, com embasamento legal e jurídico, confirmada posteriormente, à unanimidade, pelos Excelentíssimos Desembargadores da Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, a respeito dos quais certamente não paira qualquer suspeita (Processo 0020366-58.2016.8.08.0048).

Sou o principal interessado na completa elucidação dos fatos, e da maneira mais ágil. Por isso, desde o início, coloquei-me prontamente à disposição para todos os esclarecimentos perante quaisquer autoridades em quaisquer instâncias.

Tenho confiança de que a Justiça vai apurar todos os fatos, considerando todo o meu histórico pessoal e profissional de reputação ilibada. A Justiça, com competência e sensibilidade, vai chegar à verdade, distinguindo entre onde existem fatos e onde existem apenas aparências e conjecturas."

O advogado de Hilário Frasson no caso Milena Gottardi, Leonardo Gagno, afirmou que o ex-policial não foi notificado a respeito de uma suposta participação na venda de sentença, como aponta o MPES. Na última segunda-feira (19), Hilário prestou depoimento ao órgão, mas o advogado disse que não foi informado e que vai encontrar Hilário para ter acesso ao processo sobre a venda de sentença.

A defesa de Eudes Cecato disse que desde que o empresário ficou ciente dos fatos investigados prontamente acatou todas as demandas indicadas e se colocou à disposição para colaborar com as investigações. "Sendo assim, registra seu mais alto interesse em contribuir para o esclarecimento de todos os fatos, de maneira que a Justiça seja feita", escrevem os advogados Fernando Ottoni e Clécio Lemos em nota enviada à reportagem.

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