Ao mesmo tempo em que pipocam no país diversos movimentos cívicos, com o intuito de trabalhar a formação ideológica e de preparar novas lideranças, coexistem outras 33 entidades constituídas exatamente para este mesmo fim, as fundações partidárias. Criadas por cada um dos partidos por determinação legal, elas consumiram, só no ano passado, R$ 148,3 milhões dos cofres públicos.
Para este ano, a cifra deve ser ainda maior, de R$ 177,7 milhões. A fundação de cada partido recebeu, em 2017, valores que vão de R$ 230 mil, caso do PCO, até R$ 19,7 milhões, caso do PT.
Tecnicamente, as fundações deveriam funcionar como organizações autônomas, destinadas a pesquisa, doutrinação política e organização de debates entre os filiados e os eleitores em geral, com o intuito de aprimorar a democracia. Na prática, a maioria funciona como mera extensão dos partidos e ainda é desconhecida do eleitorado.
De acordo com a legislação dos partidos políticos, as fundações obrigatoriamente precisam ficar com 20% dos recursos do fundo partidário de cada legenda. Desde 2015, as campeãs de repasses têm sido as do PT, PSDB, PMDB, PP e PSB. De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), apenas o PMB e o Partido Novo ainda não constituíram suas fundações.
A GAZETA fez um levantamento para checar como tem sido a atuação e a produção intelectual dessas organizações. Sete fundações não possuem nem mesmo um site próprio: PHS, Podemos, PCO, PTC, PTB, PSTU e PRP.
Em um terço dos demais, há pouquíssimo conteúdo publicado. Nada de estudos, análises ou notícias. O que há são textos antigos, com biografias de personalidades ou políticos ligados à sigla, como no caso do PRTB, que só tem materiais sobre a história de Jânio Quadros e vídeos de discursos de Levy Fidelix, que foi candidato à Presidência da República em 2014. Ou seja, na maioria dos casos as fundações não têm cumprido seu papel de formação política.
Felizmente, também há exceções. Nas fundações mais consolidadas, que são também as dos partidos com mais recursos, são disponibilizados cursos à distância, há livros publicados, realização de seminários, entre outras atividades.
Contas
Mas o problema que acomete a todas, sem exceção, é a falta de transparência com os recursos. Nenhuma delas publica, espontaneamente, algum tipo de prestação de contas para que se saiba como esse dinheiro público é gasto.
O TSE também não fiscaliza os gastos. Apenas confere, no julgamento das contas dos diretórios nacionais dos partidos, se foram repassados os 20% obrigatórios às fundações.
Cabe ao Ministério Público Estadual do local onde se situa a sede de cada fundação verificar como foram feitos os gastos.
O professor da Mackenzie Alberto Rollo defende uma mudança na lei. O TSE faz o exame das contas dos partidos com muito rigor, não deixa passar quase nada. E elas ficam disponíveis na internet, qualquer um pode olhar. O ideal seria que também fosse responsável pelas fundações, já que é uma Corte especializada em questões eleitorais, afirma.
Entidades focam na formação de militantes
Entre as cinco legendas que têm recebido, desde 2015, os maiores volumes de recursos para custear as fundações partidárias, o foco do trabalho são atividades para a formação daqueles que já são membros e militantes do partido.
No caso do PT, que possui a fundação que há quatro anos consecutivos recebe a maior quantia, estima-se que houve 25 mil pessoas beneficiadas pelas atividades da Fundação Perseu Abramo, de acordo com o diretor-executivo Joaquim Soriano.
As fundações são muito importantes para a democracia e para a existência de partidos verdadeiramente enraizados, para resgatar sua essência original e para formular os programas. Isso fortalece a democracia. Também temos uma relação ativa com as fundações dos partidos com os quais temos mais identidade, situados à esquerda, como o PSB, PDT, PSOL e PCdoB, afirmou.
O diretor destacou que a fundação oferece inclusive um curso de Mestrado Profissional sobre Estado, Governo e Políticas Públicas, que é aberto ao público. Contudo, somente filiados ao PT podem ser bolsistas no curso.
Já a Fundação Ulysses Guimarães, do PMDB, respondeu que alcançou 200 mil participantes em seus cursos e publicações em 2017, realizando a caravana Estradas e Bandeiras. Ela disponibiliza cursos como oratória e formação de gestores e foi a responsável pela elaboração do estudo Uma Ponte para o Futuro, que tem norteado a gestão do presidente Temer.
No PSDB, que atua com o Instituto Teotônio Vilela, as atividades são semelhantes às dos peemedebistas. Segundo o responsável pela fundação no Estado, Wesley Goggi, o foco é aperfeiçoar e divulgar a social-democracia. Os partidos não podem ser como cartórios, que só funcionam em época de eleição. Eles precisam buscar valores, crenças e compromissos, declarou.
Por sua vez, o PSB, que possui a Fundação João Mangabeira, afirma estar investindo também em carreiras executivas e promovendo intercâmbios de boas práticas públicas.
Pesquisador alerta para risco de democracia sem democratas
Com um papel essencial na formação de uma sociedade democrática, as fundações partidárias ainda estão longe de cumprir seu papel e pouco se assemelham ao modelo alemão, que inspirou a criação dessas instituições no Brasil.
Essa é a avaliação de um dos poucos estudiosos do tema, o embaixador Carlos Henrique Cardim, professor do Instituto de Política da Universidade de Brasília (UnB). Apesar do diagnóstico ruim sobre o atual panorama das fundações do Brasil, ele é um dos grandes entusiastas da existência dessas entidades e defende que são o meio ideal pelo qual as entidades deveriam investir na militância para renovar e qualificar os quadros políticos.
Por que decidiu-se criar as fundações partidárias no Brasil?
As fundações e institutos partidários estão previstos na lei, desde 1976, e foram inspirados na experiência da Alemanha que, assim como o Brasil, passou por um momento de necessidade de desenvolver os partidos políticos após o fim de governos autoritários. Naquele país, após o fim do nazismo, os líderes democráticos acharam que era fundamental a formação política para construir uma democracia, e houve a ideia de cada partido ter uma fundação. Além dos partidos, o próprio Estado alemão criou uma entidade, a Fundação Federal para Educação Política, que ofereceria cursos. Um dos objetivos era que cada um tivesse uma Constituição da Alemanha na mão. A democracia não é algo natural, ela é uma construção consciente.
Quais são as semelhanças e diferenças entre o modelo europeu e o nosso?
Tanto aqui, como lá, o objetivo da fundação é a elaboração da doutrina do partido, e também sua atualização. Na Alemanha, eles também tinham um objetivo de fazer o recrutamento de novos quadros para o partido. Até hoje enviam olheiros para as universidades em busca daqueles jovens que possam ter vocação política, e os convidam para fazer cursos. Já o Brasil é um país de jovens, mas que tem pouca renovação dos quadros partidários. As cúpulas travam os partidos. Outra finalidade das fundações é a preservação dos quadros políticos, onde há um pouco de semelhança.
Considerando que não é fácil formar um bom quadro político, mas que ele eventualmente pode perder uma eleição, ele pode ser abrigado na fundação. Lá, ele recebe uma função para poder se manter flutuando no universo da política. Aqui isso também ocorre, mas às vezes para simplesmente abrigar os caciques que pouco contribuem para o desenvolvimento da fundação. Não basta haver uma formalidade, uma legislação razoável, sem cultura política. Assim, há uma democracia sem democratas.
Onde as fundações ainda estão errando?
A fiscalização aqui é insuficiente, há denúncias de uma série de irregularidades. O exemplo alemão é diferente, lá há uma Vara Judicial específica para as fundações partidárias. Aqui, há a Justiça Eleitoral, que é um órgão específico para cuidar da vida partidária, voltado para a vida eleitoral, mas que não é responsável pelas fundações. Isso explica um pouco do fulcro da crise política brasileira, que é uma crise dos partidos. Eles estão recebendo um dinheiro público e não estão prestando o serviço para o qual foram concebidos.
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