O estridente som metálico que ecoava pelos principais bairros do país e que marcou o início do desgaste político da presidente Dilma Rousseff (PT), em 2015 culminando no impeachment da petista em 2016 , voltou a ser ouvido no Espírito Santo. Desta vez, o ritmo das panelas tem como alvo o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), ora a favor, mas na maioria das vezes contra o chefe do Executivo.
Desde a segunda metade de março deste ano, quando as pessoas começaram a se isolar em casa para evitar a disseminação do coronavírus, a cada pronunciamento de Bolsonaro os paneleiros voltam às janelas e varandas para protestar. Além das batidas, também são ouvidos gritos de "Fora, Bolsonaro" e "irresponsável" entre os que criticam o presidente ou "mito" e "chora, petista" para os que o apoiam. A música "Admirável gado novo", de Zé Ramalho, também virou um hino do momento, já que muitos críticos do presidente acusam bolsonaristas de segui-lo de maneira cega, como um gado segue ao boiadeiro.
Em Caratoíra, bairro de classe média baixa de Vitória, os panelaços tocaram pela primeira vez em 2020, segundo a auxiliar administrativo Denise Santiago. Sem muitos prédios na região, onde a maior parte dos imóveis são casas, ela acredita ser mais difícil de um movimento como esse ganhar adesão suficiente.
"Foi a primeira vez que vi por aqui, são muitos morros, muitas casas distantes, mas deu para ouvir. O Morro do Quadro, também, foi só panelaço contra", diz. Em 2018, Caratoíra teve 491 votos para Fernando Haddad (PT), contra 309 para Bolsonaro. Foi um dos quatro bairros onde o atual presidente perdeu em Vitória.
O isolamento trouxe prejuízos para Denise, que está afastada do trabalho por conta de uma paralisia facial. Ela estava com uma perícia marcada no INSS para tentar conseguir o auxílio-doença, mas, com as agências fechadas, a auxiliar administrativo tem encontrado dificuldades. Eleitora de Ciro Gomes (PDT) em 2018, Denise disse ter votado em Fernando Haddad (PT) por falta de opção e não gosta de ser chamada de petista, quando critica o atual presidente.
Jardim Camburi e Jardim da Penha, os bairros mais populosos da Capital, foram as regiões onde Jair Bolsonaro mais teve votos. Foram, respectivamente, 17.775 e 11.805 votos para o atual presidente em 2018. Em 2015, durante o mandato de Dilma, os bairros também concentraram os panelaços contra a petista, como lembra a professora Fátima Burzlaff, moradora de Jardim da Penha.
Apesar de gostar do perfil de Haddad, em 2018 ela conta ter votado em Ciro Gomes no primeiro turno, em uma estratégia para derrotar Bolsonaro. "Acreditava que no segundo turno, Ciro poderia ter mais chances, por conta do antipetismo", explica.
Trabalhando em home office e com as filhas universitárias sem aulas, Fátima critica o presidente por não seguir as normas da Organização Mundial da Saúde (OMS) e por insuflar que as pessoas não respeitem o isolamento. "A postura dele deveria ser de acalmar as pessoas, mas ele tem levado elas a acreditar que não existe essa pandemia", afirma.
De Jardim Camburi, o jornalista Luiz Otávio de Carvalho e sua família bateram panelas contra o presidente e observaram, minutos depois, apoiadores de Bolsonaro também fazerem o seu panelaço. "Foi bem menor, não teve como comparar. E foi em único dia. Nos outros pronunciamentos, foi só panelada contra", conta.
No grupo de seu condomínio no WhatsApp, Luiz Otávio diz que a grande maioria tem posição contrária à do presidente. "Há alguns que votaram a favor, mas que estão decepcionados com o governo." Mesmo sendo crítico a Bolsonaro, ele acredita que não é momento para se instaurar um impeachment contra ele, como ocorreu após os panelaços contra Dilma Rousseff. Defende, porém, que o processo seja iniciado ao fim da pandemia.
O farmacêutico Sandro Souto, morador de Maruípe, não ouviu os panelaços, nem contra, nem a favor, mas acredita que adversários políticos do presidente tem esticado a corda para pressioná-lo em meio a pandemia. Ele defende o isolamento, mas com menos restrições, com uma parte maior das lojas funcionando para evitar um impacto financeiro ainda maior.
Em meio ao desconforto entre o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e o presidente, ele defende o trabalho do ministério e diz que as divergências são normais, mas que forças políticas antagônicas tentam usar isso para derrubá-lo.
Da mesma forma pensa a publicitária Rosa Maioli, moradora de Campo Grande, em Cariacica. Ela viu o panelaço contra o presidente em seu condomínio, com vizinhos brigando e dizendo impropérios uns aos outros.
Rosa também votou no governador Renato Casagrande (PSB) na eleição, que tem feito duras críticas ao presidente. O socialista defende o isolamento horizontal, em que tanto quem está no grupo de risco quanto quem não está e não trabalha em serviços essenciais fiquem em casa. Apesar disso, na última semana, ele relaxou as restrições ao comércio.
"Todos os dois (Bolsonaro e Casagrande) estão certos. É preciso se resguardar, mas temos que ter cuidado com o desemprego que isso pode causar lá na frente. É hora de ouvir os líderes e ter cuidado. Quem puder ficar em casa, fique, sem parar totalmente a economia", defende.
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