O fundo que financia campanhas eleitorais com dinheiro público pode mais que dobrar de tamanho em 2020. Em 2018, ano em que foi implantado pela primeira vez, ele custou, para todo o país, R$ 1,7 bilhão aos cofres públicos. Deste montante, R$ 35,6 milhões foram enviados pelos diretórios nacionais dos partidos para as agremiações e candidatos do Espírito Santo.
O parecer do relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) da União, deputado Cacá Leão (PP-BA), defende que, no ano que vem, o valor do fundo seja de R$ 3,7 bilhões para financiar as próximas eleições, o que significa um aumento de mais de 117%.
Se cada partido aumentasse os repasses para o Espírito Santo nesta mesma proporção, as legendas do Estado receberiam, juntas, R$ 76,8 milhões para custear suas campanhas no ano que vem.
O número é uma projeção, que leva em conta dois critérios de divisão, que mudam a cada eleição. O primeiro deles é a divisão do bolo do fundo eleitoral nacionalmente entre os partidos, que considera o número de deputados e senadores que a legenda tiver no fim de 2019.
O segundo critério é definido pela Executiva nacional de cada partido, que decide como quiser como irá distribuir o dinheiro entre os Estados e candidatos, devendo apenas comunicar ao TSE aquilo que estabelecer.
Em 2018, no Espírito Santo, o PSB foi o partido que recebeu a maior quantia do fundo eleitoral, muito possivelmente pelo interesse estratégico na campanha de Renato Casagrande (PSB) a governador. Foram R$ 6,6 milhões, quase o dobro do segundo colocado, o MDB, que obteve R$ 3,8 milhões. Em seguida, vieram PR, PT e PRB.
É importante lembrar que as campanhas de 2018 e 2020 têm perfis diferentes. Enquanto no ano passado a disputa era para governador, senador e deputados federais e estaduais, em 2020, ela ocorrerá em todos os 78 municípios, para prefeitos e vereadores.
Foi esta a justificativa do deputado Cacá Leão para o aumento no valor do fundo. Ele sustenta que havia uma demanda de todos os partidos para que se estabelecesse um parâmetro maior, já que a disputa terá um número de candidatos muito maior do que as eleições o do último pleito, e isso exigirá dos partidos um dispêndio igualmente maior de recursos.
O Fundo Especial de Financiamento de Campanha, conhecido com fundo eleitoral, foi criado em 2017 pelo Congresso após a proibição das doações de empresas para campanhas eleitorais, em 2015.
Nas eleições municipais de 2016, portanto, havia somente a possibilidade de doações por pessoas físicas.
DISTRIBUIÇÃO
Como a divisão dos recursos do fundo eleitoral é feita com base na proporção dos representantes no Congresso Nacional e o percentual de votos obtidos para a Câmara dos Deputados, em 2018, o MDB, PT e PSDB nacional ficaram com as maiores fatias, acima de 10% cada um.
Na divisão para cada Estado, alguns deles priorizaram, por exemplo, dar mais recursos aos candidatos à reeleição; outros, a candidatos que a própria legenda considerou que, mesmo novatos, tinham grande potencial de serem eleitos; outras siglas, por sua vez, preferiram estipular um percentual para cada tipo de cargo disputado.
Isso significa que é muito provável que os critérios de distribuição mudem radicalmente em 2020. Primeiramente porque o PSL, do presidente Jair Bolsonaro, que era nanico até o ano passado, será o dono da maior fatia pública de recursos eleitorais.
Em 2018, no partido teve R$ 9,2 milhões em todo o país. Em 2020, em um cálculo feito pelo Estadão, o valor deve ser de R$ 366,3 milhões. O partido Novo, que teve R$ 980 mil na última eleição, teria R$ 66,07 milhões.
Já o MDB, que recebeu o maior valor em 2018, de R$ 234,2 milhões, teria um aumento proporcionalmente menor, para 282,4 milhões.
Outro fator a se considerar é que os cargos em disputa serão outros. A divisão, portanto, deve ser de acordo com a quantidade de candidatos que cada partido vai ter nos Estados, e com o tamanho desses municípios.
Há ainda a possibilidade de que as próprias regras do fundo mudem, já que as resoluções que irão reger o pleito de 2020 devem ser aprovadas até 5 de março do próximo ano.
Aumento de fundo é descabido, defendem especialistas
A intenção de praticamente dobrar o valor do fundo para custear campanhas das eleições municipais de 2020 é considerada inadequada e injustificável, na opinião de especialistas.
O argumento de que serão necessários mais recursos pois as campanhas vão ocorrer em mais de 5.570 municípios, com cerca de 500 mil candidatos, não se sustenta, na visão do cientista político e coordenador da organização Transparência Partidária, Marcelo Issa.
Campanhas para vereador e prefeito são bem mais baratas, pois são realizadas em territórios menores. Gasta-se menos com deslocamentos, hospedagem, material. Pode ser uma eleição mais barata, sem qualquer prejuízo na qualidade dos debates. Esperamos que esse valor não se confirme, pois certamente esse gasto não está entre as prioridades da população, afirma.
A divisão do fundo leva em conta, primeiramente, os parlamentares eleitos no Congresso Nacional. Em 2018, 31 partidos se elegeram na Câmara e 21 no Senado Federal.
Temos muito partidos, partidos pouco ideológicos, então as campanhas são personalistas e demandam muito dinheiro. Como o dinheiro não pode vir das empresas eles vão atrás do orçamento público. Mas em um quadro fiscal difícil, é um movimento muito questionável, complementa Issa.
Aumentar o gasto com campanhas políticas pode gerar muita insatisfação da população, ressalta o professor Rodrigo Augusto Prando, da Universidade Mackenzie.
Estamos assistindo a cortes e contingenciamentos em relação às demandas da sociedade. Os protestos em relação ao orçamento da Educação, por exemplo, foram numerosos. Não há dinheiro para a educação e pesquisa, mas há para os políticos? Como os políticos vão sustentar esse argumento?, provoca.
CUSTO
Mais do que simplesmente aumentar o fundo, o advogado eleitoral Ludgero Liberato defende que também haja um parâmetro mais realista para o financiamento de campanha.
Campanhas exigem custo. No interior, o peso da internet ainda é pequeno. Há cidades que têm propaganda na TV, outras não. Uma campanha para a prefeitura de São Paulo não pode ser comparada com a de uma cidade do Espírito Santo. Poderia haver um teto, considerando essas diferenças regionais, argumenta.
Outro ponto a ser destacado é que os partidos, que são entidades privadas, possuem não apenas o fundo eleitoral como fonte de financiamento público para suas campanhas. Há ainda o fundo partidário, que também pode ser usado em parte para custear as eleições.
Assim, se o valor de R$ 3,7 bilhões para o fundo eleitoral em 2020 for aprovado, os gastos públicos com as campanhas e os partidos vão ultrapassar R$ 5,6 bilhões.
PARÂMETRO
O Fundo Eleitoral é composto por recursos de emendas de bancadas estaduais. Com a aprovação do Orçamento Impositivo, em junho, o valor obrigatório da execução das emendas de bancadas aumentou e passou a ser equivalente a 1% da receita corrente líquida da União. No relatório, 0,44% serão alocados no fundo e 0,56% destinados para projetos determinados pelas bancadas.
Isso significa que investimentos em saúde, educação e infraestrutura, por exemplo, que são indicados pelos deputados e senadores, vão deixar de receber recursos, dando lugar às campanhas.
O relatório da LDO de 2020 deve ser votado na comissão e no Plenário na semana que vem, segundo o deputado Cacá Leão (PP-BA). O valor final do fundo eleitoral será definido apenas quando for discutida a Lei Orçamentária Anual (LOA), que tem que ser aprovada até o fim do ano no Congresso.
Partidos pediram valor maior
Um aumento tão volumoso nos recursos do fundo eleitoral foi para atender a um pedido dos partidos, de acordo com o deputado Cacá Leão (PP-BA), relator da proposta. Ele nega que seu parecer signifique obrigatoriamente um aumento, e disse que apenas fez constar a previsão na LDO, ou seja, que se trata de uma autorização.
Temos eleições municipais no ano que vem e o governo não tinha colocado nenhuma previsão no texto. Colocamos um teto a pedido dos partidos políticos, mas o valor será decidido mesmo é na Lei Orçamentária Anual (LOA), afirmou Leão.
Para dirigentes partidários do Espírito Santo, o valor do fundo pode ser melhor debatido pelo Congresso Nacional.
Já me posicionei, junto ao partido, que temos que votar para deixar no mesmo patamar da eleição passada. Se estamos aprovando uma reforma da Previdência para diminuir gastos, não dá para aumentar a despesa da eleição. Mas aquilo que ficar aprovado, vamos usar. Se não é permitido o financiamento privado e essa é a única forma permitida pela lei, não vamos abrir mão, declarou o presidente do PSL, Carlos Manato.
O presidente estadual do PSB, Carlos Rafael, defende que haja um padrão realista para as campanhas.
Para fazer as campanhas é preciso dinheiro, e ele tem que vir de algum lugar. A política é o instrumento que a sociedade tem para as suas transformações. Em 2016, os valores de doações de pessoas físicas foi baixíssimo, demonstrando que ainda não está estabelecida a cultura da participação popular, argumenta.
Eles afirmam que ainda não é possível prever qual volume de recursos vai chegar ao Estado, pois essas discussões ainda não foram iniciadas pelas Executivas nacionais.
Cada um distribui de acordo com a viabilidade eleitoral, possibilidade de resultado. E tem a cota de 30% para mulheres, que é obrigatória, disse Rafael.
ENTENDA
Fundo eleitoral
O que é?
Verba pública criada em 2017 que os partidos recebem em ano eleitoral para financiar campanhas
Como funciona?
O cálculo para definir quanto cada partido vai receber considera o número de deputados e senadores que cada um tinha no final do ano anterior à eleição.
Para os Estados
A Executiva Nacional de cada partido é que define os critérios de distribuição aos seus candidatos. Em seguida, comunica-os ao TSE.
O custo
Eleições municipais de 2016
Não havia fundo eleitoral e as doações de campanha por empresas já estavam proibidas. Houve apenas as doações por pessoas físicas e recursos do fundo partidário.
Eleições gerais de 2018
Criação do fundo eleitoral, que repassou R$ 1,7 bilhão aos partidos no Brasil.
No Espírito Santo
Os partidos encaminharam R$ 35,6 milhões para o Estado.
A proposta
Eleições municipais de 2020
Para o relator da LDO, o fundo eleitoral deve ficar em R$ 3,7 bilhões em 2020 no país, para todos os partidos.
Para o Espírito Santo
Ainda não há como estimar quanto os partidos do Estado vão receber, pois isso depende do valor final que cada sigla terá nacionalmente, e de como vai decidir repartir os recursos
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