A Polícia Federal vai instaurar um inquérito para investigar indícios de prática de crimes eleitorais e de caixa 2 na criação de perfis falsos nas redes sociais para beneficiar candidatos a prefeito em cidades do Espírito Santo nas eleições de 2020. A notícia-crime (uma espécie de notificação sobre a possível ocorrência de um crime) foi levada até o órgão pelo Ministério Público Eleitoral no último dia 22 e o caso já foi distribuído para a Delegacia de Defesa Institucional (Delinst), da PF. O alvo da apuração é a empresa AP Exata Inteligência em Comunicação, apontada como responsável pelas 52 contas que foram removidas pelo Facebook por violarem a política de uso da companhia.
Em relatório divulgado no último dia 12, o Facebook informou que removeu, em dezembro, 34 contas e uma página do Facebook e 18 perfis do Instagram que agiam de forma coordenada para curtir, comentar e compartilhar postagens e, assim, aumentar a popularidade de candidatos no pleito de novembro do ano passado.
De acordo com o relatório, três políticos foram "beneficiados" pela atuação dessas contas, dois deles eleitos prefeitos: Sergio Vidigal (PDT), na Serra, e Euclério Sampaio (DEM), em Cariacica. O deputado estadual Fabrício Gandini (Cidadania), que disputou a eleição para prefeito de Vitória, mas foi derrotado no primeiro turno, é o outro citado. Os três políticos não aparecem como alvos da investigação aberta pelo Ministério Público Eleitoral de Vitória.
O pedido para que a PF investigue é baseado nos indícios de gastos não autorizados de campanha e falsidade ideológica durante a prestação de contas. No pedido encaminhado pelo Ministério Público, a promotoria aponta que no transcorrer das investigações "poderá ocorrer o desvendamento de outros ilícitos praticados pela empresa".
A investigação é mantida em sigilo e, procurada pela reportagem, a Polícia Federal confirmou a instauração do procedimento, mas informou que não se pronunciaria sobre o caso.
Os adversários políticos dos citados já informaram que vão cobrar que a investigação leve a consequências judiciais. Especialistas ouvidos por A Gazeta afirmaram que a estratégia virtual viola a legislação eleitoral e é passível de punição, a partir da atuação dos órgãos de fiscalização.
O relatório do Facebook aponta uma ligação entre a empresa AP Exata Inteligência em Comunicação, que tem escritório em Vitória, com as pessoas que estavam por trás das contas derrubadas relacionadas à campanha eleitoral no Estado. O CEO da empresa, Sergio Denicoli, teve o perfil pessoal suspenso do Facebook em dezembro, assim como o da empresa. Esses perfis, contudo, não eram falsos.
"Encontramos essa atividade como parte de nossa investigação interna sobre suspeita de comportamento inautêntico coordenado na região. Embora as pessoas por trás dessa atividade tenham tentado ocultar suas identidades, nossa investigação encontrou ligações com a AP Exata Intelligence in Digital Communications, uma empresa de relações públicas com escritórios em Brasília, Vitória e Braga, Portugal", diz o relatório.
Denicoli prestou serviços para Sergio Vidigal durante a campanha, por meio de outra empresa da qual é proprietário, a Exata Comunicação Digital. Conforme verificado na prestação de contas do candidato à Justiça Eleitoral, foram pagos R$ 37 mil para monitoramento de redes sociais.
Não há registro da contratação de serviços de nenhuma das empresas de Denicoli nas prestações de contas de Gandini e Euclério.
De acordo com o relatório de alcance global divulgado pelo Facebook, a rede formada por esse conjunto de contas tinha cerca de 2.400 seguidores quando foi removida. Os seguidores se referem ao número total de pessoas que seguiam ou eram amigos dessas páginas e perfis nas redes apagadas.
Apesar de ser um número considerado pequeno pela empresa, alguns perfis chegaram a pagar por conteúdos patrocinados para os candidatos citados – o que amplia ou segmenta o alcance dos posts. Isso, contudo, foi proibido pela legislação eleitoral em 2020. O impulsionamento de conteúdo de cunho eleitoral é restrito ao perfil oficial de candidatos e partidos e deve constar na prestação de contas.
O gasto com anúncios no Facebook e Instagram foi de cerca de US$ 11.500, o que corresponde a mais de R$ 60 mil. O valor também é citado na investigação aberta pelo MP Eleitoral de Vitória.
O relatório explica que as investigações e a remoção das contas do Facebook baseiam-se no comportamento e não no conteúdo que publicam, "independentemente de quem os desenvolve, quem os administra, ou se são de origem local ou estrangeira".
Procurada pela reportagem nesta terça-feira (26), a AP Exata informou, por nota, que "não cometeu qualquer ilicitude e irá aguardar a notificação para prestar todos os esclarecimentos".
No dia 12, com a publicação do relatório do Facebook, o CEO da AP Exata, Sergio Denicoli, negou a criação de contas falsas por parte da empresa e disse que a AP Exata, citada pelo Facebook, não presta serviços eleitorais. Sobre a Exata, outra empresa da qual ele é proprietário e foi contratada por Sergio Vidigal para fazer monitoramento das redes sociais, Denicoli disse que o trabalho ocorreu de maneira idônea.
Questionados sobre o relatório do Facebook no dia 12, os políticos citados disseram não ter conhecimento sobre a criação de contas falsas em redes sociais para beneficiá-los.
Sergio Vidigal, que foi eleito prefeito da Serra nas eleições de 2020, disse, por meio do advogado eleitoral Altamiro Thadeu Sobreiro, que os serviços de gestão de mídia e análise de redes sociais da Exata foram contratados regularmente durante a eleição e declarados à Justiça Eleitoral. "Qualquer outra atividade fora dessa finalidade é desconhecida e, portanto, está fora da responsabilidade da campanha de Vidigal", afirmou.
O prefeito de Cariacica, Euclério Sampaio, informou que desconhece e não compactua com a criação de contas falsas nas redes sociais. O prefeito afirmou que "não houve qualquer contrato entre sua campanha e a empresa citada no relatório do Facebook".
O deputado estadual Fabrício Gandini disse que a empresa contratada por ele para realizar a campanha digital no período eleitoral não é a citada pelo relatório do Facebook. "Não coaduno com a criação de contas falsas nas redes sociais, sejam elas utilizadas para qualquer interesse. Além disso, a empresa que foi contratada pela campanha digital não foi citada em nenhum momento pelo Facebook", declarou.
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