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Polícias do ES criam manual para evitar punição por abuso de autoridade

Polícias do ES criam manual para evitar punição por abuso de autoridade

PM divulgou cartilha e Polícia Civil uma circular com orientações. Nova norma também preocupa membros do Ministério Público e do Judiciário. Divulgar fotos de presos, por exemplo, está vetado

Publicado em 7 de janeiro de 2020 às 21:05

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Viatura da Polícia Militar. (Fernando Madeira)

nova Lei de Abuso de Autoridade entrou em vigor no último dia 3 de janeiro e já movimenta, além do Judiciário e do Ministério Público, quartéis e delegacias. O texto da norma, a Lei 13.869/2019, tem como alvo qualquer agente público, aí incluídos, portanto, promotores de Justiça, juízes, policiais militares e civis.

Polícia Militar do Espírito Santo (PMES) divulgou uma cartilha com orientações. Já a Polícia Civil baixou uma circular. Membros do Ministério Público e do Judiciário articularam-se para que o texto não fosse aprovado pelo Congresso Nacional e depois pelo veto do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Alguns artigos foram barrados, mas a lei acabou sancionada.

Apesar de o Artigo 1º deixar claro que é preciso ficar provado que o agente teve a intenção de fazer uma coisa errada, – "As condutas descritas nesta Lei constituem crime de abuso de autoridade quando praticadas pelo agente com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal" –, a nova lei preocupa.

A cartilha da Diretoria de Comunicação Social da PMES, por exemplo, orienta que quando da detenção de pessoa, o policial militar não deverá produzir vídeos e imagens que possam levar o custodiado a vexame ou constrangimento, nem permitir que outros o façam”.

É uma possível interpretação do Artigo 13 da nova lei, que proíbe “constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, a exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública”. A pena é de detenção de um a quatro anos e multa.

A circular assinada pelo delegado-chefe da PC, José Darcy Arruda, por sua vez, orienta que “não sejam divulgados vídeos e fotos de presos/investigados/indiciados/conduzidos, de qualquer espécie, ainda que estejam de costas ou que o rosto tenha o efeito desfoque”.

E também “não permitir a gravação de reportagens ou imagens do preso/investigado/indiciado para programas de televisão, blogs, redes sociais e afins de cunho sensacionalista em que os presos são expostos, de qualquer modo, à execração pública nas dependências dos órgãos policiais ou fora deles em cumprimento de diligências. Por outro lado, orienta-se solicitar aos órgãos de imprensa que não fotografem ou filmem a condução de presos/investigados/indiciados nos locais de busca e prisão, bem como no órgão policial”.

CARTEIRADA

A Lei de Abuso de Autoridade, no entanto, trata de outros temas, não somente da exposição de presos ou investigados. Criminaliza, por exemplo, a chamada carteirada:

“Incorre na mesma pena (detenção de seis meses a dois anos e multa) quem se utiliza de cargo ou função pública ou invoca a condição de agente público para se eximir de obrigação legal ou para obter vantagem ou privilégio indevido”, determina o Artigo 33.

Polícias do ES criam manual para evitar punição por abuso de autoridade

A Lei 13.869/2019 também diz que policiais não podem forçar funcionários de hospitais a receberem como pacientes pessoas que já estão mortas:

“Constranger, sob violência ou grave ameaça, funcionário ou empregado de instituição hospitalar pública ou privada a admitir para tratamento pessoa cujo óbito já tenha ocorrido, com o fim de alterar local ou momento de crime, prejudicando sua apuração”. Pena: detenção de um a quatro anos e multa, além da pena correspondente à violência.

“Nesses casos, comunique imediatamente o comandante do policiamento da sua unidade e evite questionar a decisão dos profissionais do hospital”, orienta a cartilha da PMES.

Estátua que simboliza a Justiça. (Sang Hyun Cho/Pixabay)

O texto também tem pontos menos afeitos às polícias e mais ao Judiciário, como o artigo que trata de “Mandar prender em manifesta desconformidade com a lei ou não soltar alguém quando a prisão for manifestamente ilegal”. Pena: de um a quatro anos de prisão e multa.

DIFÍCIL

A necessidade de configuração do chamado dolo específico, ou seja, da intenção de cometer o crime, pode dificultar o enquadramento dos agentes, uma vez que isso é uma coisa subjetiva. Por isso, pode ser difícil enquadrar alguma autoridade.

O advogado especialista em Direito Militar Tadeu Fraga avalia que a nova lei de abuso de autoridade nem é muito inovadora. “Existem outros diplomas normativos que já tutelavam o que essa norma tutela. Mas vejo com bons olhos porque, infelizmente, a consciência de algumas autoridades não está evoluída para cumprir essas regras. Não faz muito tempo PMs fizeram um rapaz cantar parabéns no dia em que foi preso. Ele completava 18 anos. Fizeram um vídeo dele cantando. Não vejo necessidade, foi uma exposição ao ridículo do preso e dos servidores públicos", afirma. O caso citado por Fraga ocorreu em outro Estado.

“Agora, o policial não pode ser imputado por conduta alheia. Se uma pessoa que está passando pela rua resolve fazer um vídeo e expor o preso, ela que vai responder por isso. O PM não tem que se preocupar. Não pode é levantar a cabeça do preso, obrigar ele a falar a se exibir”, pontua.

Voltando à questão da carteirada, o advogado destaca que a pena, num primeiro momento, pode assustar, mas nem tanto. “A lei de improbidade pune talvez mais severamente esse tipo de comportamento do que a lei de abuso de autoridade. Detenção de seis meses a dois anos é menor potencial ofensivo, termo circunstanciado (um termo que a pessoa assina e não fica presa). Se ele (a autoridade) fizer isso no contexto da improbidade administrativa pode até perder a função”, alerta.

LEI PARA TUDO

“Mudanças significativas não existem. Nosso país tende a querer fazer um pouco de populismo com a criação de várias leis, dando notoriedade na imprensa. Temos lei se não for para tudo, quase tudo”, comenta o criminalista Alexandre Leite.

“Mas não é de todo inócua, eu destacaria a exasperação do prazo da prisão em flagrante. Tem um prazo para fazer a comunicação da prisão, sob pena de relaxamento. Vai ter que ter um pouco mais de boa vontade do poder público para uma celeridade maior, para que os organismos de segurança funcionem e não excedam prazos”, avalia.

INTRANQUILIDADE

Apesar das ponderações, membros do Ministério Público e do Judiciário apontam para os riscos da lei na era pós-Lava Jato.

"A lei é desnecessária porque  a maioria das condutas ali já estava prevista na lei anterior (Lei 4.898/1965) ou na Loman (Lei Orgânica da Magistratura Nacional), ou no Estatuto da OAB. O dolo específico vai ser muito difícil de ser configurado, uma vez que nenhum juiz tem vontade de prejudicar parte ou advogado. Ainda que venha a ser absolvido no final, o simples fato de responder a ação penal causa intranquilidade”, afirma o presidente da Associação dos Magistrados do Espírito Santo (Amages), Daniel Peçanha.

O presidente da Associação Espíritos-Santense do Ministério Público, Pedro Ivo de Sousa, diz que é preciso esperar para ver como a lei vai ser aplicada pelo Judiciário. “A gente vai ter que esperar um pouco como os casos vão acontecer na prática, a interpretação dos tribunais. Em fevereiro, provavelmente, vamos fazer um evento com a administração superior do Ministério Público para tratar de alguns pontos específicos da lei, trazendo especialistas de fora para refletir”, adianta.

A reportagem não conseguiu contato com a Associação de Cabos e Soldados da Polícia Militar ou com a associação dos oficiais. A Polícia Militar, por meio de nota, afirmou que “acata as ordens emanadas pela Justiça e cumpre o que é determinado. Dessa forma, todos os militares da instituição estão instruídos para isso. Quanto as informações sobre as ocorrências, policiais militares e/ou assessoria de comunicação continuará passando a dinâmica dos fatos e fotos de materiais apreendidos normalmente. O que a Lei proíbe é a divulgação de imagens e nomes de detidos antes da decisão do Ministério Público”.

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