Assim como o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (PRB), adotou mais uma medida polêmica em sua gestão, buscando fortalecer o viés conservador no governo, políticos do Espírito Santo também têm dedicado a atuação às pautas de costumes e tomado decisões de apelo a aspectos morais, ao menos nos dois últimos anos, para garantir aproximação com este eleitorado.
Na última semana, Crivella mandou censurar uma revista em quadrinhos à venda na Bienal do Livro, avaliando que ele trazia conteúdo sexual para menores. O gibi traz imagens de dois rapazes trocando carícias e se beijando, completamente vestidos.
Já no início deste ano, políticos que se elegeram para a Assembleia Legislativa dizendo ter esses valores como bandeira apresentaram suas primeiras iniciativas. Em fevereiro, Vandinho Leite (PSDB) protocolou dois projetos de lei para proibir a "Escola sem doutrinação" e a "ideologia de gênero" nas escolas públicas estaduais.
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O primeiro projeto se assemelha ao conteúdo da proposta chamada "Escola sem partido", que tramita na Câmara dos Deputados e foi muito explorada durante a campanha eleitoral de 2018. A ideia era proibir educadores de "impor uma verdade absoluta sem preocupação com o pluralismo de ideias". O segundo projeto, por sua vez, proíbe o poder público de "envolver-se no processo de amadurecimento sexual dos alunos".
Os dois projetos foram considerados inconstitucionais pela Procuradoria da Casa, mas ainda seguem tramitando nas Comissões.
Também na Assembleia, o deputado Capitão Assumção (PSL) apresentou nas últimas semanas um projeto para instituir o "Dia de Combate à Cristofobia" no Estado. O deputado, que é evangélico, justificou a iniciativa para para instruir a sociedade como acerca da tolerância aos valores e verdades que o cristianismo prega.
Caso aprovada, a lei teria como principal função estimular e discutir o respeito à religião cristã, segundo ele. Ainda na linha das pautas ligadas à religião, ele propôs instituir a leitura de versículo bíblico nas escolas de ensino primário, fundamental e médio do Estado.
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Assumção também investiu em discussões com o cunho político-ideológico. Em um projeto, apresentado em agosto, o deputado correligionário do presidente Jair Bolsonaro (PSL) defendeu a necessidade de proibir a fabricação, comercialização, distribuição ou veiculação de símbolos ou propagandas que utilizem a foice e o martelo, para fins de divulgação do comunismo.
Segundo ele, é necessária a legislação para "proibir a difusão de símbolos que remetam ao comunismo, que criou e expandiu valores subvertidos e prejudiciais à democracia e à república. Nossos jovens não podem mais ser influenciados por inverdades e serem guiados por, o que na teoria, apresenta-se como algo benéfico e justo, mas que no fim leva a morte e destruição de muitos".
O doutor em Ciência Política e professor da UVV Paulo Edgar Resende, observa que políticos tem agido com a tática de fomentar a existência de lados opostos e maniqueísmos, não somente para fortalecer o conservadorismo.
"A polarização está por trás de tudo, a ponto de que esses atores trabalhem para que o projeto político deles entre nas questões culturais, das liberdades das pessoas, alterando conquistas que foram conseguidas pelos setores mais progressistas", afirma.
Ele pontua que as atitudes também têm sentido eleitoral. "Cria-se uma guerra cultural, na tentativa de reunir a base conservadora e passar a debater valores. Há um setor que aplaude essas iniciativas. Para a democracia isso é preocupante, pois nossa forma de governo implica em direitos e liberdades para todos. Interferir nisso é arbitrário e antidemocrático", avalia.
OPINIÕES
Não somente os projetos de lei apresentados da Assembleia tem demonstrado a tentativa dos deputados de explorar os aspectos morais e a polarização junto à população. Em maio, quando a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves veio receber uma homenagem na Casa, mas foi recebida com alguns protestos do público, o deputado Lorenzo Pazolini (sem partido) fez duras declarações contra eles. "Fiquei com um pouquinho de tristeza hoje do nosso Estado, de saber que tem tanta gente a favor da pedofilia no Espírito Santo", disse.
Nas Câmaras Municipais, o cenário também se repete. Em Aracruz, uma lei municipal aprovada este ano proibiu exposições artísticas que tenham "teor pornográfico", ou seja, aqueles que contenham "fotografias, textos, desenhos, pinturas, filmes e vídeos que exponham ato sexual e a nudez humana". Uma lei deste mesmo teor também estava valendo em Vila Velha, desde 2017, mas foi derrubada pelo Tribunal de Justiça (TJES) este ano por ser considerada inconstitucional.
Em Vitória, durante as discussões da reforma de uma lei que pune atos de discriminação por sexo, cor, raça, identidade, idade e orientação sexual, gerou-se uma grande polêmica em torno da possibilidade de que igrejas pudessem ser punidas por seus posicionamentos. Após muitos debates e pressão, ficou definido que as sanções não se aplicariam a pessoas jurídicas, como igrejas, empresas e comércio.
Para o cientista político e professor da Mackenzie, Rodrigo Prando, como a defesa pelo conservadorismo encontrou campo fértil e deu frutos nas eleições de 2018, muitos políticos vão continuar a conduzir seus mandatos se apropriando desta pauta.
"Há a estratégia de manter esse clima eleitoral contínuo, e que é reforçada pelo próprio presidente, com esse estilo próprio, de governar confrontando. Não há problema que as ideias conservadoras sejam trazidas para o debate, desde que se respeite o estado laico, e que na democracia convive-se com o diferente. Mas os setores contrários às medidas conservadoras tem reagido. E o que vai colocar limites na atuação desses políticos são os poderes da própria República", argumenta.
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