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Por que a Marcha para Jesus se tornou um evento pró-Bolsonaro?

Por que a Marcha para Jesus se tornou um evento pró-Bolsonaro?

Movimento que reúne evangélicos tem sido parada quase obrigatória do presidente em suas viagens pelo país; lideranças religiosas concentram apoio à reeleição

Publicado em 22 de julho de 2022 às 12:03

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Bolsonaro discursa no palco da Marcha para Jesus 2022, em São Paulo, neste sábado (9)
Na Marcha para Jesus em São Paulo, Jair Bolsonaro discursou invocando a guerra do bem contra o mal. (Reprodução/TV Rede Gospel)

Muito antes de a campanha para as Eleições 2022 começar oficialmente, o que só acontece em agosto, o presidente Jair Bolsonaro (PL) já vinha percorrendo o país em motociatas com apoiadores para demonstrar a adesão a seu nome na disputa à reeleição. 

Mais recentemente, uma nova estratégia, ainda que não declarada, passou a fazer parte da agenda das visitas presidenciais aos Estados: a participação na Marcha para Jesus, evento que reúne evangélicos para momentos de música e oração. Na passagem de Bolsonaro pelo Espírito Santo neste sábado (23), o movimento religioso será mais uma vez ponto de parada do presidente.

De maio até o momento, Bolsonaro esteve na Marcha para Jesus em Manaus (AM), Curitiba (PR), Balneário Camboriú (SC), Fortaleza (CE) e na capital paulista — apontada como a maior do país. No evento de São Paulo, discursou sobre "a guerra do bem contra o mal" e advertiu os fiéis para "o risco de o Brasil virar uma nação pintada de vermelho socialista." O tom é de campanha, embora os apoiadores do presidente no Espírito Santo afirmem que, por aqui, não vai ser um ato político. 

"O evento não tem vínculo com nenhum pré-candidato nem patrocínio de políticos. Portanto, a Marcha para Jesus é uma grande manifestação religiosa, centrada na celebração da fé cristã e, neste ano, em especial, o evento contará com a presença do presidente da República, Jair Bolsonaro, que foi convidado pelo próprio Fenasp/ES, devido ao fato do Chefe de Estado ser um defensor dos valores do cristianismo", diz em nota o Fórum Evangélico Nacional de Ação Social e Política, organizar da marcha no país.

Por outro lado, Gerson Leite, historiador, filósofo político e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, aponta que Bolsonaro há algum tempo está usando de maneira instrumental a religião a seu favor, e que ele viu no movimento evangélico uma oportunidade de fazer com que seu discurso, mais conservador, ganhasse força. 

Para o professor, essa utilização da religião para interesses particulares pode ser constatada até em condutas aparentemente sem maior repercussão, como o fato de ter se batizado em uma igreja evangélica no Rio Jordão, em Israel, ao passo que também faz declarações de que é católico.

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Ele não é necessariamente um religioso, que vive segundo os princípios apregoados pela religião, mas a usa para fins políticos

Gerson Leite
Professor da Mackenzie, historiador e filósofo político
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Assim, na avaliação de Gerson Leite, a participação de Bolsonaro na Marcha para Jesus, no Espírito Santo e em outros Estados, se mostra uma aliança com benefícios tanto para o presidente quanto para líderes evangélicos — não necessariamente para os fiéis — que concentram boa parte do apoio à reeleição. Por aqui, Bolsonaro tem a preferência do eleitorado desse segmento religioso.

"Os interesses de Bolsonaro são sempre político-eleitorais, reforçando a ideia maniqueísta do bem contra mal. Por outro lado, lideranças conseguem benefícios, como emplacar pessoas indicadas para cargos no governo. Tivemos representantes de várias igrejas ocupando ministérios e também no segundo e terceiro escalões", pontua o professor. Um desses nomes é o do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro, que chegou a ser preso em junho sob a acusação de favorecer pastores na distribuição de verba pública. Mesmo após soltura, a investigação prossegue

Doutoranda em Antropologia na Universidade de São Paulo (USP), a cientista social Simony dos Anjos analisa a relação de política e religião há alguns anos e, para ela, a Marcha para Jesus é um trunfo de evangélicos com poder, e Bolsonaro usa esse espaço para se promover. 

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Esse grupo religioso não representa toda a população evangélica, porém é o que tem mais poder midiático e financeiro e, por isso, é onde Bolsonaro se coloca para se projetar

Simony dos Anjos
Cientista social
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Além de pesquisadora do tema, Simony é evangélica e faz suas análises a partir de uma perspectiva de quem também conhece instituições religiosas por dentro. 

Em sua avaliação, ao associar política e religião, torna-se maior o risco de ofender o Estado laico, cujos princípios estão previstos no artigo 5º da Constituição Federal. A laicidade preconiza a separação dos valores religiosos dos atos de governo, uma vez que existe no país uma pluralidade de crenças — e até de não crença — e os gestores públicos devem atuar visando a todos. 

Nesse contexto, Simony dos Anjos também vê um ataque mais sistemático ao direito das mulheres. Para ela, a atual gestão federal tem registrado o maior retrocesso nessa área. "E quando se retira direito das mulheres, toda a sociedade é afetada. E não falo apenas de pautas polêmicas, como a do aborto, mas de distribuição de renda, saúde básica, infância. O governo Bolsonaro e grupos evangélicos, como o da Marcha para Jesus, nitidamente atacam os direitos das meninas e das mulheres."

Esse movimento com discurso conservador se sustenta em bancadas evangélicas cada vez maiores, que, segundo a cientista social, negociam suas pautas morais em troca de apoio a outros grupos, como a bancada da bala, dos bancos e do boi. "Esse grupo político quer ser a maior religião pública do Brasil", estima. 

APOIO DOS EVANGÉLICOS

Mesmo com um discurso armamentista e com declarações que passam ao largo dos livros da Bíblia, Bolsonaro consegue manter apoio de boa parcela dos evangélicos. Na opinião de Gerson Leite, há algumas possibilidades que devem ser consideradas, e uma delas é que o presidente representa um enfrentamento à esquerda que, segundo ele, tem sido demonizada ao longo dos anos. Grupos usam ainda de maneira indevida o termo "comunismo", atingindo um público muito conservador que enxerga Bolsonaro como o único a confrontar essa posição ideológica. 

O professor diz também que outras pessoas aderem à candidatura de Bolsonaro por influência de líderes religiosos, que vendem a imagem de que têm o controle total do rebanho, o que não corresponde à realidade.  "E usam sempre o tom apocalíptico e maniqueísta, do bem contra o mal, querendo atingir famílias, crianças, declarando que o adversário precisa ser derrotado."

A estratégia, contudo, começa a dar indícios de que está se esgotando. Gerson Leite observa que há muitos evangélicos incomodados com o discurso de Bolsonaro. "O que ele diz não é o que a religião ensina. A religiosidade cristã é atacada veementemente pelas práticas de Bolsonaro. Ao mesmo tempo que agrada alguns, por manter uma relação utilitarista da religião, outros estão bastante cansados dessa exploração de valores religiosos."

 Simony dos Anjos traz ainda outra análise sobre apoiadores. Ela diz que há aquelas pessoas invisibilizadas no seu dia a dia, no trabalho, na rua, no transporte público, em todo lugar, que, quando chegam à igreja, e ali são reconhecidas por seu nome e história de vida, encontram acolhimento. Assim, prossegue a cientista social, acabam seguindo sem muito questionamento o que orientam líderes religiosos, ou acreditam em declarações como a de que a esquerda vai fechar igrejas. 

"Quando um pastor, de forma bastante perversa, diz que temos que votar em Bolsonaro porque ele defende a família, Deus e a igreja, na percepção de algumas pessoas é o que é concreto em comparação com a algo que nem entende o que é. Quando diz que Bolsonaro é o único presidente que fala de Deus, é a perversidade da bancada religiosa fazendo uso da fé, daquele espaço (igreja) de humanização para muitas pessoas, de acolhimento que o Estado não provê. Por isso que é importante comunicar bem, explicar que nenhum presidente pode fechar igrejas, por exemplo. Só que essa informação não chega", destaca. 

A cientista social lembra ainda que, a despeito das declarações de lideranças evangélicas sobre a esquerda, foi o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que instituiu, por decreto, o Dia Nacional da Marcha para Jesus. O petista nunca chegou a participar presencialmente do movimento religioso, mas Simony dos Anjos há algum tempo já analisava que o evento havia se tornado um trunfo na política. E Bolsonaro entendeu isso. 

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