A realização de votação secreta para definir quem vai comandar a Assembleia Legislativa do Espírito Santo (Ales) contraria a legislação vigente, de acordo com parecer emitido pela Procuradoria da Casa. A manifestação frustrou as expectativas do grupo liderado pelo deputado estadual Vandinho Leite (PSDB), que pretendia usar o voto secreto como “cartada final” para tentar vencer a disputa contra a chapa apoiada pelo governo do Estado e encabeçada pelo deputado Marcelo Santos (Podemos).
Os deputados que apoiam Vandinho na disputa, em especial os reeleitos Hudson Leal (Republicanos) e Theodorico Ferraço (PP), passaram a citar em entrevistas a possibilidade de voto secreto na escolha da Mesa Diretora da Casa, marcada para a próxima quarta-feira (1º), apesar de a previsão de voto aberto e nominal estar na Constituição Estadual e no Regimento Interno da Ales para a eleição da Mesa.
A possibilidade de votação secreta começou a ser disseminada pelo grupo de Vandinho ao longo desta semana, segundo informações de bastidores, visando mostrar força e provocar insegurança no bloco governista liderado por Marcelo Santos. Isso porque, sem precisar dizer em alto e bom som em quem votariam, alguns parlamentares da base governista estariam dispostos a votar no deputado do PSDB, em vez do candidato apoiado pelo governador Renato Casagrande (PSB).
Entretanto, o parecer da Procuradoria da Assembleia, em consulta apresentada pelo deputado Marcelo Santos, afirma que a referência utilizada pelo grupo de Vandinho não se aplica à eleição da Mesa.
Os parlamentares se baseavam em decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF) que considerou inconstitucionais dispositivos da Constituição do Estado do Espírito Santo e do Regimento Interno da Ales que previam votação aberta para a escolha de conselheiros do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES).
Nesse caso, a votação na Assembleia para escolher conselheiro do TCE-ES deverá ser secreta, pois o Supremo enfatizou que o processo deve seguir o modelo previsto na Constituição Federal para a composição do Tribunal de Contas da União (TCU). A Carta Magna traz textualmente, em seu artigo 52, inciso III, b, que compete ao Senado a aprovação, por voto secreto, dos ministros do TCU indicados pelo presidente da República.
Seguindo esse entendimento do STF como parâmetro, os deputados apoiadores do candidato do PSDB passaram a especular a possibilidade de levar a votação da Mesa Diretora para discussão na Suprema Corte, já que a eleição das mesas das duas Casas do Congresso Nacional — Senado e Câmara dos Deputados — ocorre com votação secreta e cédulas em papel.
No entanto, diferentemente da escolha de ministro do TCU — que é secreta por previsão constitucional —, a eleição para o comando do Senado e da Câmara Federal se dá por votação secreta com base nos regimentos internos das duas Casas. A Constituição Federal não tem nenhum dispositivo que trata especificamente sobre o formato da votação para a eleição das mesas.
Já a eleição para o comando da Assembleia Legislativa do Espírito Santo tem previsão de voto aberto e nominal desde 2003, quando foram aprovadas emendas à Constituição Estadual e ao Regimento Interno da Ales, depois de um período político conturbado no Legislativo estadual. As regras estão previstas no artigo 58, § 8º, da Constituição do Estado e no artigo 9º do regimento interno.
De acordo com o parecer jurídico na consulta, “encontra-se pacificado no STF o entendimento segundo o qual matérias de natureza tipicamente regimental, mormente aquelas que não têm previsão expressa na Lei Maior, como no presente caso, não estão sujeitas a sindicabilidade do Poder Judiciário”.
O procurador-geral da Ales, José Arimathea Campos Gomes, conclui que não há qualquer lacuna, dubiedade ou ambiguidade de sentido nos dispositivos legais que preveem votação nominal e aberta para a eleição da Mesa Diretora da Ales.
Ele acrescenta que, ao contrário disso, os dispositivos "são de clareza solar e asseguram, de modo irrefutável, a obrigatoriedade de que o voto para a eleição da Mesa Diretora não se faça em sigilo pelo escrutínio secreto e, sim sob o signo da transparência, assegurando-se a toda sociedade ampla fiscalização social tão salutar a prática republicana nas democracias".
Conforme a legislação, é o deputado mais idoso quem comanda a sessão de eleição da Mesa Diretora da Ales. Por isso, o deputado Theodorico Ferraço, de 85 anos, é quem vai presidir a sessão no próximo dia 1º, às 15 horas. Aliado de Vandinho, ele declarou guerra ao governo depois que Casagrande revelou apoio a Marcelo Santos na disputa pela presidência da Casa.
Antes de tomar conhecimento da manifestação da Procuradoria da Ales, a reportagem de A Gazeta conversou com o deputado eleito Callegari (PL). Ele confirmou que o grupo se mantém firme para a disputa. "Estamos inabaláveis para concorrer. Está ocorrendo uma interferência indevida do governador no processo. Nada temos contra Marcelo Santos, mas a atitude do governador não foi democrática", assinalou.
Ele confirmou que estava sendo estudada a possibilidade de levar a discussão sobre a votação secreta ao Supremo, mas assegurou que esse não era o plano A ou B do grupo, que tem mais de 10 parlamentares de siglas como PL, Republicanos, PTB, PP e PSDB.
"O que o bloco quer basicamente é duas coisas: independência institucional para a Assembleia e isonomia para todas as correntes políticas na composição de comissões e da Mesa Diretora, de acordo com o tamanho de cada partido. Queremos isonomia no tratamento, seja esquerda ou direita, da base do governo ou de oposição, ter o mesmo espaço na Assembleia e defender as prerrogativas dos deputados que estão ameaçadas", acrescentou Callegari.
Os deputados Hudson Leal (Republicanos) e Danilo Bahiense (PL) também atenderam às ligações da reportagem de A Gazeta, mas o primeiro disse que somente Vandinho estava se manifestando pelo bloco, enquanto o segundo informou que estava em uma agenda e não podia falar no momento. O deputado do PSDB foi procurado ao longo de toda a semana, mas não atendeu às ligações e nem deu retorno às mensagens enviadas.
O grupo de Vandinho tenta resistir e se manter na disputa, enquanto o bloco liderado por Marcelo Santos busca garantir a quantidade mínima de votos para encerrar a disputa em único turno — 18 votos. Enquanto isso, o governo ainda procura assegurar que a eleição ocorra com chapa única de consenso, conforme defendeu Casagrande na última quarta-feira (25). Os votos dos novatos na Casa Camila Valadão (Psol) e Sérgio Meneguelli (Republicanos), que se recupera de uma cirurgia, podem ser decisivos na disputa.
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