> >
Postura de Bolsonaro é entrave para ações técnicas de ministros, dizem analistas

Postura de Bolsonaro é entrave para ações técnicas de ministros, dizem analistas

Para especialistas, terceira saída de ministros em menos de um mês demonstra dificuldade do presidente em atuar com quem pondere de maneira contrária aos seus direcionamentos. Nos três casos, discordância foi por questões técnicas

Publicado em 16 de maio de 2020 às 06:01

Ícone - Tempo de Leitura 0min de leitura
Nelson Teich, Luiz Henrique Mandetta, Sergio Moro: ministros deixaram o governo Bolsonaro
Nelson Teich, Luiz Henrique Mandetta, Sergio Moro: ministros deixaram o governo Bolsonaro. (Reprodução)

pedido de demissão por parte de Nelson Teich, ex-ministro da Saúde, é a terceira saída ministerial do governo Bolsonaro em um intervalo de um mês. Além dele, nomes importantes na equipe de governo, como o do ex-ministro da Justiça Sergio Moro e o do antecessor de Teich, Luiz Henrique Mandetta, também deixaram o cargo. Para cientistas políticos, a nova saída demonstra a dificuldade do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em  lidar com posicionamentos técnicos que contrariem seus direcionamentos, o que aponta para  um perfil cada vez mais autoritário dele frente aos seus ministros.

A saída de Teich foi anunciada na tarde de sexta-feira (15). Um dos maiores embates com o ex-ministro era sobre a liberação do uso indiscriminado da cloroquina em pacientes da Covid-19, defendida por Bolsonaro. O medicamento já é usado por alguns médicos, mas o uso é avaliado caso a caso, em uma decisão tomada em conjunto pelo profissional e o paciente. Teich era contra a indicação para quem tem os primeiros sintomas da doença.

Para o cientista político Leandro Consentino, a segunda troca de um ministro da Saúde em meio à pandemia do novo coronavírus, sugere que o "problema" na gestão da crise não estava no ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, mas, sim, no presidente. Ele compara a situação dos chefes da Saúde com a saída de Moro da Justiça, quando o ex-juiz discordou da legalidade de trocar o comando da Polícia Federal, sem uma justificativa.

"O que fica claro é que, por mais técnica que a pessoa seja, ela não vai conseguir se firmar se discordar do presidente Jair Bolsonaro. São dois médicos que estavam apontando questões técnicas que os inviabilizavam de seguir a direção apontada por Bolsonaro, nesse caso sobre o uso da cloroquina. Nenhum profissional vai se deixar levar por pressão e colocar a própria cabeça a prêmio. O presidente preencheu os ministérios com o argumento de ter escolhido perfis técnicos, mas se ele não os ouve e, em vez disso, os descredencia, isso é um problema", argumenta.

Não por acaso, na opinião de Consentino, um militar vai assumir interinamente o Ministério da Saúde. O secretário-executivo da pasta, general Eduardo Pazuello, vai atuar inicialmente no cargo, mas é um dos favoritos para substituir Teich em definitivo. Para o cientista político, o uso de generais e outros oficiais para apagar incêndios no governo Bolsonaro tem um motivo claro: obediência. "Dentro do militarismo a noção de hierarquia é mais forte. No final das contas, é o que Bolsonaro busca, alguém que o obedeça", observa.

"GOVERNO DESESTABILIZADO POTENCIALIZA PANDEMIA"

O cientista político João Gualberto Vasconcelos lembra que a eleição de Bolsonaro se deu em um momento em que o eleitorado brasileiro buscava uma ruptura com a classe política. Para ele, o perfil do presidente, alheio a grandes articulações políticas e com discurso de rompimento com o "establishment", o ajudou a ganhar a eleição, contudo, esperava-se que, durante a gestão, fosse adotar postura mais conciliadora.

"Não se governa sozinho. O que o fez ganhar a eleição já passou. Manter esse estilo agressivo, autoritário, de xingar ministros não dá governo. A construção do nome dele [Bolsonaro] não foi algo denso, como ocorreu com seus antecessores, que passaram anos demonstrando suas ideias antes de se eleger. Ele foi eleito sem ser conhecido efetivamente pelos brasileiros. Por isso, exceto por uma faixa estreita de apoiadores fanáticos, a sua base diminuiu, por ver que ele não estava preparado para governar. Nesta crise, um governo desestabilizado, como vemos, transforma uma pandemia em um pandemônio", defende.

Em discurso no dia 9/3, em Miami, Bolsonaro avaliou a reação à epidemia de coronavírus como "superdimensionada"(Folhapress)

IMAGEM DESGASTADA INTERNACIONALMENTE

A troca também pode gerar mais desgaste para a imagem do governo Bolsonaro internacionalmente. A gestão brasileira é uma das únicas a não defender o isolamento horizontal como medida para conter a Covid-19, e o país é o sexto nos rankings de maior quantidade de casos confirmados e de mortes por coronavírus.

"Qual é o investidor que vai querer colocar dinheiro em um país em crise? A forma com que estamos lidando com a pandemia é muito branda, vai na contramão de todos os grandes países. Não me assustaria se, em um futuro próximo, brasileiros enfrentassem dificuldades para entrar em alguns países", analisa Vasconcelos.

Para Consentino, a pressão externa pode ser mais uma força a desgastar o governo do presidente internamente. "O Brasil, historicamente, sempre foi um país que não esteve entre os maiores, mas era visto como um conciliador nos conflitos internacionais. Hoje, o que vemos é um governo que cria barreiras e ouve outros líderes falando mais grosso, dizendo que nós somos parte do problema. Isso prejudica não só o presidente, mas a todos os brasileiros", opina.

Este vídeo pode te interessar

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais