Embora previstos em lei, os cargos comissionados, de livre escolha dos gestores, permanecem sendo um ponto sensível da administração pública. No âmbito do Executivo municipal, as prefeituras do interior do Espírito Santo lideram o ranking desse tipo de contratação ao se comparar o número de comissionados existentes com o tamanho da população de cada cidade. A começar por Marechal Floriano, na Região Serrana, onde para cada mil habitantes existem 15,5 funcionários em comissão.
O dado é resultado de um levantamento feito pelo Gazeta Online. Por meio dos Portais de Transparência ou de informações repassadas pelas prefeituras, foram coletados os números de comissionados dos 78 municípios e de suas respectivas populações, o que permitiu o cálculo de uma taxa de servidores de livre nomeação por mil habitantes.
A cidade de Itapemirim ocupa o segundo lugar dessa lista, com uma taxa de 15,1 comissionados por mil habitantes. Em seguida está Presidente Kennedy, com taxa de 14,4. Este, aliás, é o maior índice entre as cidades do Estado com população inferior a 15 mil habitantes. Para se ter uma ideia, nas cidades da Grande Vitória a mesma taxa não passou de 2.
No topo do ranking geral, também ganham destaque os municípios de Bom Jesus do Norte, com taxa de 11,4 comissionados a cada mil moradores, e Laranja da Terra, com taxa de 11,3.
Ambas as cidades fecharam o ano de 2018 na zona de perigo em relação aos limites de gasto com pessoal impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Enquanto Bom Jesus ultrapassou o limite prudencial (51,3%), destinando 52,18% de sua receita corrente líquida (RCL) para a folha de pagamento; Laranja da Terra excedeu o limite de alerta (48,6%), comprometendo mais de 51,02% da RCL.
VEJA A LISTA
O PAPEL DOS COMISSIONADOS
Os cargos comissionados, ou cargos de confiança, são aqueles de livre nomeação, para os quais o concurso público não é exigido. Essa condição permite que os gestores possam escolher especialistas para auxiliá-los em cargos específicos de chefia e de assessoramento. Por outro lado, também favorece a indicação de aliados, fazendo com que postos de trabalho tornem-se valiosas moedas de troca no mercado em busca de apoio político.
Eis aí um dos motivos que levam à implantação de medidas de moralização do setor público e de limitação de vagas comissionadas em diferentes esferas de poder.
Em alguns casos, os municípios capixabas que apresentam altas taxas de comissionados proporcionalmente ao número de habitantes também possuem um alto percentual de cargos comissionados em relação ao total de servidores que atuam nas prefeituras.
Um dos exemplos é Laranja da Terra, onde 124 dos 357 funcionários da administração municipal ocupam cargos de confiança, o equivalente a 34,73%. Trata-se do segundo percentual mais alto entre as 78 cidades. Na sequência, está São Roque do Canaã, onde 30,56% dos 445 funcionários ativos também são comissionados. Na cidade, existem 11 comissionados para cada mil moradores.
O mesmo ocorre em Marechal Floriano, que, de acordo com o Portal de Transparência, possui 881 servidores ativos, dos quais 256 são comissionados (29,06%).
HÁ EXCEÇÃO
Uma das exceções fica por conta de Boa Esperança, cidade com baixa taxa de comissionados por mil habitantes (2,7), mas que possui o maior percentual de comissionados sobre o número de servidores. Lá, dos 109 funcionários ativos, 40 são comissionados (36,7%).
(Os municípios em amarelo são aqueles com até 15 mil habitantes. Em azul, com entre 15 mil e 40 mil. Os verdes têm mais de 40 mil habitantes)
"Para qualquer município funcionar, precisa de uma estrutura mínima. À medida que você vai aumentando a população, esses custos se diluem. Esse é, inclusive, um dos problemas de se criar municípios tão pequenos, pois o custo inicial de manutenção da máquina é muito alto, gerando transtornos."
RELAÇÃO CRIA DEPENDÊNCIA NAS CIDADES
O resultado do levantamento de Gazeta Online, que aponta para a existência de um maior número de servidores comissionados proporcionalmente à população em municípios do interior, evidencia o grau de dependência política e econômica das pequenas cidades em relação ao poder público local.
É como avaliam os economistas Juliano César Gomes e Wallace Millis. "O ente público torna-se o maior empregador nos municípios pequenos. Além disso, por trás da manutenção de cargos comissionados pode haver a questão de se garantir capital político. Isso ocorre muito nessas cidades pequenas. O concurso público, por outro lado, limita essa influência política, pois os concursados não dependem do gestor ou da administração para manter o emprego", destaca Juliano.
Já do ponto de vista do desenvolvimento, Wallace Millis, que é mestre em Políticas Públicas, avalia que há uma relação direta entre o tamanho dos municípios, a população e o seu grau de dependência diante do setor público para a ocupação de postos de trabalho.
"São cidades muito pequenas cuja maioria não passou por um processo de modernização econômica, não gerou uma diversificação de atividades e mercado local que aprofundasse as divisões de trabalho e absorvesse mão de obra. O setor público acaba sendo o escoador disso. Observamos isso até porque o total de servidores públicos acaba sendo grande em relação à população dessas cidades", diz.
Segundo Millis, a existência de cargos comissionados para a ocupação de funções de chefia, direção e assessoramento se justifica pela necessidade de os órgãos administrativos manterem certa autonomia e flexibilidade. Como são de livre nomeação e também de livre exoneração, essas vagas podem ser facilmente cortadas pelos gestores em casos de necessidade de adequação aos limites constitucionais de gastos com pessoal.
Por outro lado, o professor reforça a importância da realização de concursos públicos para a melhoria da gestão, inclusive pelo reforço de princípios da administração pública, como impessoalidade, eficiência, economicidade e moralidade.
"O número elevado de comissionados tende a provocar descontinuidade nas políticas públicas, enquanto os servidores efetivos tendem a perenizar as ações, seja por domínio dos processos ou vocações estabelecidas", afirma.
A mesma questão é levantada por Juliano. "Não está se desconsiderando a rigidez que a realização de concursos provoca no orçamento. Mas até que ponto a falta deles não prejudica a execução do serviço?", questiona.
REFORMA ADMINISTRATIVA
Justamente em função disso, Wallace Millis defende que o caminho mais promissor para que os municípios se livrem da dependência de cargos comissionados sem deixar a corda no pescoço é o da reforma administrativa. "A reforma permite, por exemplo, que certas funções da administração direta sejam terceirizadas. Isso permite que o gestor, que está sendo pressionado pelos limites constitucionais, tenha mais flexibilidade", explica.
Para Millis, outro eixo fundamental de ação por parte dos municípios é a implantação de mecanismos de avaliação de desempenho das funções, independentemente de os cargos serem ocupados por funcionários efetivos ou comissionados. "Hoje essas ferramentas são muito frágeis ou não existem na administração pública", critica.
Também é possível qualificar os servidores, ainda que no âmbito dos cargos de confiança. "Mesmo para os cargos comissionados pode e deve haver processos seletivos de contratação. Nós temos visto deputados fazendo isso em seus mandatos e para o Executivo isso vale também. É algo que já é feito, por exemplo, com diretores de escola, que em muitos casos são escolhidos por meio de eleições", defende o professor.
MUNICÍPIOS ALEGAM QUE TENTAM REDUZIR
Em resposta aos questionamentos da reportagem, os municípios que lideram o ranking na relação de comissionados por população afirmam que vêm se empenhando para reduzir esses índices.
A Prefeitura de Laranja da Terra justifica que os cargos em comissão foram criados por leis municipais ao longo dos 31 anos de emancipação da cidade e reforça que todos "sempre foram ocupados por servidores que executam funções essenciais ao funcionamento da administração pública e, principalmente, à prestação de serviços à população".
Apesar disso, a administração ressalta que justamente para reduzir os comissionados, desde 2017 foram feitas 75 nomeações de candidatos aprovados em concurso.
Já a Prefeitura de Presidente Kennedy, que aparece com a terceira maior taxa de comissionados por mil habitantes do Estado, afirma que o novo governo está se preparando para "enfrentar grandes desafios" de forma cautelosa, mas não explicou quais são os desafios em questão. O comando do Executivo local foi assumido recentemente pelo vice-prefeito Dorlei Fontão (PSD) após a prisão da prefeita Amanda Quinta (PSDB).
O prefeito de Bom Jesus do Norte, Marquinhos Messias (PSD), garante que ao longo de sua gestão já vem reduzindo o número de cargos comissionados. Por essa razão, a cidade vem se adequando aos limites de gastos com pessoal interpostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
"Hoje, estou dentro do limite de 50% (em relação ao percentual estabelecido pela LRF para folha de pagamento). Quando eu assumi a prefeitura em 2017, peguei a folha em 64,5%. Hoje, estamos no limite prudencial. Estamos cumprindo a LRF. Havia muito mais comissionados", argumenta.
CONCURSOS
Já a Prefeitura de São Roque do Canaã, que aparece em sexto lugar no ranking, afirma que a situação vai melhorar a partir de um concurso público previsto para ocorrer em agosto deste ano.
"Isso vai fazer com que esses números caiam substancialmente na nossa comunidade. Desde 2010 não há concursos no município. Esta é a primeira gestão de Rubens Casotti (MDB) e queremos cada vez mais transparência", diz a nota enviada pela prefeitura.
Os municípios de Marechal Floriano e Itapemirim, que ocupam a primeira e segunda posição no ranking, respectivamente, não enviaram respostas ao Gazeta Online.
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