No início do ano, o presidente da Câmara de Aracruz, Alexandre Ferreira Manhães (Republicanos), nomeou a esposa, Ualhia Poltronieri Ferreira, para o cargo de secretária-geral do Legislativo municipal. O salário previsto para a função é alto, de quase R$ 10 mil por mês. A nomeação é polêmica, mas, segundo especialistas em Direito Público ouvidos por A Gazeta, não é necessariamente ilegal. Eles concordam, contudo, que fere o princípio da moralidade na administração pública.
O advogado Sandro Câmara explica que há uma súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal (STF) – entendimento geral para ser aplicado em todos os julgamentos do tipo – que proíbe a contratação de cônjuges ou parentes de até terceiro grau de servidor em cargo de chefia. A regra vale para cargo em comissão, de confiança, ou função gratificada, e se aplica a todos os poderes e em todos os níveis da administração pública.
Porém, há uma exceção a essa regra. Caso a contratação seja para cargo político, esse entendimento não se aplica.
"Por exemplo, quando um prefeito nomeia um parente como secretário de uma pasta, é afastada a aplicação dessa súmula, porque o cargo de secretário é considerado político", diz Sandro Câmara. Ou seja, só é considerado nepotismo se o cargo ocupado for administrativo.
Esse entendimento não é imune a questionamentos, aponta o advogado Eduardo Sarlo. "Existem críticas a essa doutrina e de outros estudiosos do Direito acerca dessa súmula. Porque ela isenta a nomeação de natureza politica, ao passo que (o cargo político) não deixa de ser cargo público e a remuneração também vai sair do contribuinte."
Por conta de outros casos já julgados no país, sabe-se que cargos de secretários do Executivo e ministros, por exemplo, são políticos. Mas não há consenso se o de secretário-geral de uma Câmara de Vereadores é considerado político ou não. Dos três especialistas ouvidos por A Gazeta, dois apontam que é político e um considera administrativo.
"Não há nada na lei expresso em relação ao nepotismo. Tudo se baseia no Artigo 37 da Constituição. O STF trouxe essa súmula vinculante e, mesmo assim, cabem interpretações. Uma delas é se um determinado cargo é politico ou não", diz o advogado Gustavo Zottich.
O artigo 37 da Constituição Federal, citado por Zottich, diz o seguinte:
A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
O caso do presidente da Câmara de Aracruz, segundo os especialistas em Direito, fere dois dos princípios elencados acima: o da moralidade e o da impessoalidade.
"Esse tipo de nomeação, aos olhos do Direito, é absolutamente imoral. O objetivo da nomeação é que a pessoa preencha os requisitos do cargo, tenha formação acadêmica, tenha conhecimento do que vai desempenhar no exercício da função. A primeira coisa que tem que ser respeitada por chefe de Poder é o princípio da moralidade", diz Sarlo.
O entendimento é compartilhado por Câmara. "Pode ser legal, mas pode ser imoral. Pode haver por trás disso uma motivação simplesmente de trazer a pessoa para algum cargo com um salário bom sem que ela tenha condições técnicas e acadêmicas de realizar aquela função", aponta.
Segundo a lei municipal 4.676, promulgada em 27 de dezembro de 2023, ou seja, seis dias antes da nomeação de Ualhia para o cargo, não é preciso ter experiência prévia para ocupar aquela posição.
Apesar de o salário ser o mesmo de um procurador – posição cujo ocupante precisa, obrigatoriamente, ter nível superior em Direito e pelo menos cinco anos de exercício de advocacia –, o posto de secretária-geral é de nível médio.
Segundo a mesma lei, o secretário(a)-geral é responsável pela direção e administração geral da Casa e por prestar apoio administrativo à Mesa e à Presidência. Está entre suas funções:
A reportagem de A Gazeta tenta contato com a Câmara de Aracruz desde a quarta-feira (10), mas a Casa ainda não enviou resposta sobre a nomeação. A Casa está oficialmente de recesso desde 23 de dezembro de 2023 e as atividades ficam suspensas até 2 de fevereiro de 2024. Também foi feito contato por dois dias via telefone e mensagem com o presidente da Câmara de Aracruz, mas não houve retorno. O espaço segue aberto para manifestações.
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