A crítica feita pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) a autoridades estaduais e municipais por terem suspendido atividades econômicas, de escolas e serviços para conter o coronavírus, feita durante o pronunciamento em rede nacional na noite desta terça-feira (24), não tem o poder de desautorizar as medidas já adotadas pelos governos locais. Segundo especialistas, embora a declaração possa influenciar alguns gestores a retirar as medidas que forçam o isolamento social, Estados e municípios não são obrigados a alterar qualquer tipo de determinação que já tenham feito sobre o assunto.
Bolsonaro classificou as medidas tomadas nos níveis locais como exageradas.
No Twitter, o presidente disse ainda que o comércio deveria reabrir. "38 milhões de autônomos já foram atingidos. Se as empresas não produzirem não pagarão salários. Se a economia colapsar os servidores também não receberão", postou.
A adoção de medidas de restrição segue padrão parecido pelos Estados. Todos os governadores, por exemplo, decidiram suspender as aulas da rede estadual. Em todo o país, órgãos estaduais funcionam com restrições, atividades de lazer foram reduzidas, shoppings foram fechados e a permissão de visitas a presídios foi modificada. O fechamento de escolas tem sido adotado como medida de controle em dezenas de países pelo mundo.
O doutor em Direito e professor da FDV Adriano Pedra explicou que as empresas, órgãos ou instituições devem seguir as ordens do ente público (município, Estado ou União) que a autoriza a funcionar, de acordo com a atividade que desempenha, e que os Poderes locais têm autonomia para agir na pandemia.
"Não é um poder do presidente da República. Mas quando faz uma afirmação dessas, ele estimula as pessoas a funcionarem, e encoraja governadores e prefeitos alinhados com ele a agir conforme ele disse", destacou.
"Cada estabelecimento comercial ou prestador de serviço tem a autorização de funcionamento por um órgão diferente. Bar e restaurante, por exemplo, é de atribuição do município conceder o alvará de funcionamento. Já em outro exemplo, os dentistas são autorizados a trabalhar pelo Conselho Regional de Odontologia (CRO)", detalhou.
O professor da UNB Paulo Henrique Blair, doutor em Direito Constitucional, acrescentou que é preciso fazer uma distinção sobre a competência da União para legislar, e sobre sua competência administrativa. Ele entende que uma norma federal não pode regular funcionamento de comércio, indústria e serviços. "Escolas, comércio e a maior parte dos estabelecimentos são de competência municipal. A União não pode ordenar o funcionamento. Nem mesmo das universidades federais, que possuem autonomia", disse.
Há ainda a súmula vinculante 38, do Supremo Tribunal Federal (STF), que dispõe que o município é o ente competente para fixar o horário de funcionamento de estabelecimento comercial.
O próprio governo federal pediu nesta semana ao Congresso Nacional o reconhecimento do estado de calamidade pública no país. Blair pontua, contudo, que esta medida não tem impacta nas decisões sobre o funcionamento de estabelecimentos.
O estado de calamidade permite uma flexibilização da burocracia, uma adoção de procedimentos mais ágeis para contratação de serviços, de servidores, de compra de bens, de remanejamento de orçamento, jornadas especiais para os profissionais ligados ao atendimento. Ele não obriga nem desobriga o funcionamento de serviços. É a primeira vez que temos estado de calamidade pública decretado a nível federal na história do país, afirma.
Nesta terça-feira (24), uma decisão do ministro do STF, Marco Aurélio Mello, considerou que Estados e municípios também podem dispor sobre circulação de pessoas e bens, e tomar providências normativas e administrativas, assim como a União. A determinação, que reforça a ação dos Poderes locais, se deu em uma ação do PDT contra uma Medida Provisória de Bolsonaro que concentrou nas mãos do governo federal o poder para impor restrições.
Após o pronunciamento de Bolsonaro, o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), pediu para que a população mantenha o isolamento social por conta do coronavírus, à revelia da fala do presidente, e destacou que o isolamento total só será revisto após análise de dados que comprovem uma queda no crescimento de casos.
Após romper oficialmente com Bolsonaro, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), afirmou que Goiás vai manter medidas de restrição à circulação de pessoas e à atividade comercial independentemente de qualquer decisão do presidente.
Já o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (Republicanos), anunciou que iria permitir a reabertura do comércio na cidade a partir de sexta-feira (27). O governador Wilson Witzel (PSC) já afirmou que pretende desautorizá-lo.
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