Durante as investigações que resultaram na Operação Rubi e na prisão de agentes públicos e empresários em Presidente Kennedy, o Ministério Público Estadual (MPES) colheu indícios de pagamentos de propina em um restaurante da cidade e até na sede da prefeitura municipal. As informações estão na denúncia criminal oferecida pelo órgão ministerial à Justiça.
Conforme o MPES explicou no dia seguinte à operação, em entrevista coletiva, informações oferecidas por ex-funcionários de uma das empresas alvo da operação ajudaram os investigadores a entender a atuação da suposta quadrilha. Na denúncia, o subprocurador-geral de Justiça, Josemar Moreira, sintetizou as alegações das testemunhas.
O procurador descreveu as informações de uma delas como útil para "delimitar o escopo investigativo". Os ex-funcionários declararam que um restaurante, a secretaria de Meio Ambiente e a própria prefeitura eram locais de pagamento de propina. Também contaram terem presenciado entregas de dinheiro.
Os pagamentos, segundo as testemunhas, eram tratados diretamente com José Augusto Rodrigues de Paiva, ex-secretário de Desenvolvimento Econômico de Kennedy e companheiro da prefeita Amanda Quinta (PSDB). A tucana "tinha conhecimento do esquema" e dele "se beneficiava", segundo a testemunha considerada chave. Amanda e José Augusto estão presos preventivamente.
"Os denunciados se organizaram com estabilidade, permanência e estruturação financeira com o fim específico de lesão aos cofres públicos do município de Presidente Kennedy e favorecimento à sociedade empresária Limpeza Urbana Serviços LTDA", diz o procurador na denúncia, à qual o Gazeta Online teve acesso.
DENUNCIADOS
Ao todo foram sete denunciados, entre pessoas ligadas à empresa, a prefeita e o companheiro dela. O MPES quer a condenação deles por crimes como corrupção passiva, ativa, falsidade ideológica e organização criminosa. Também requer o pagamento solidário de R$ 4,9 milhões para reparação de danos.
Apesar da menção à prefeitura, as três idas do empresário Marcelo Marcondes Soares a José Augusto e Amanda, monitoradas pelo MPES, foram à casa do casal e a secretarias, localizadas em outros endereços. Tudo foi registrado em fotos e vídeo pelos investigadores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MPES.
As prisões ocorreram após o terceiro monitoramento. Os investigadores entraram na casa e encontraram Marcelo Marcondes com R$ 33 mil em dinheiro. O saque do montante em agência bancária da cidade e o transporte do valor dentro de mochila seguiram o mesmo rito procedimento nos monitoramentos anteriores.
As duas primeiras visitas de Marcondes Soares duraram, respectivamente, seis e quatro minutos. Para o MPES, que não localizou nenhum tipo de relação pessoal de amizade do empresário com os líderes políticos de Kennedy, a rapidez é um indicativo de que os encontros eram para entregar dinheiro sujo.
A empresa de limpeza recebeu R$ 60 milhões por serviços para as quais foi contratada em Presidente Kennedy, Marataízes e Piúma, entre 2015 e 2018. A investigação também avançou sobre as outras duas cidades, mas a denúncia é específica para as descobertas em Kennedy.
PAGAMENTOS
Outro depoimento relacionado pelo MPES na denúncia é de uma funcionária de agência bancária. Ela relatou ter conhecimento de pagamentos indevidos a José Augusto, mas que tinha receio de falar porque familiares usavam o serviço da prefeitura que financia ensino superior a moradores.
Ainda de acordo com a denúncia, a propina era oferecida em contrapartida a pagamentos devidos pela prefeitura à empresa de limpeza pública. De acordo com relatório do Tribunal de Contas do Estado (TCES), dos 30 municípios com menos de 15 mil habitantes, Kennedy foi a cidade que mais gastou com limpeza e coleta de resíduos entre 2013 e 2017: R$ 16 milhões.
JOSÉ AUGUSTO TINHA "TELEFONE LARANJA"
O ex-secretário José Augusto tinha um "telefone laranja", segundo as investigações do MPES. Em conversa telefônica com Amanda Quinta, interceptada com autorização da Justiça, em 12 de fevereiro de 2019, ele fez menção ao aparelho. Para os investigadores, "a conversa indica utilização da linha telefônica para tratativas ilícitas, com conhecimento prévio da prefeita".
José Augusto: O meu telefone laranja está aí?
Amanda: Tá.
José Augusto: Que susto, eu achei que tinha perdido essa bosta.
Amanda: Está aqui:
José Augusto: O que aconteceu?
Amanda: A minha perna que está doendo, estou deitada aqui.
José Augusto: Então, tá. Tomei um susto desgraçado, eu tive a sensação que eu botei ele em cima do teto e saí com o carro andando, meno mal. Beijos!
USO PARA BENS PESSOAIS
Uma conversa da prefeita Amanda Quinta incluída na denúncia seria referente a um pedido dela para uso do carro oficial para fins particulares, em 4 de novembro de 2018.. O diálogo, com homem não identificado, ilustra, no entendimento do MPES, "padrão comportamental, personalidade e culpabilidade dos investigados".
Homem: Oi, Amanda. Boa tarde.
Amanda: Boa tarde. Deixa eu te falar. Eu vou precisar que você dê um pulo em Cachoeiro amanhã, que tem que entregar uns negócios meu e do Zé Augusto. MMas aí você vai com Arnaldo, que o Arnaldo sabe o local.
Homem: Tá.
Amanda: Tá bom. É só para entregar, eu vou deixar na casa de baixo, que eu vou sair cedo para Vitória. Aí depois que você resolver a situação com a Isabela, você... pega o Arnaldo e dá um pulo em Cachoeiro pra entregar esses negócios. É só entregar mesmo! Que o Arnaldo sabe o lugar direitinho.
Homem: Tranquilo.
Amanda: Tá bom! Mas você vai sem o brasão lá
Homem: O brasão tá no carro lá.
Amanda: Tá!, mas pode tirar, que eu vou...
Homem: Eu até escondi o carro lá no meio do... daquele lugar, pra ninguém ver. Lá em.. (inaudível)
Amanda: Tá, mas tira o brasão, pode tirar o brasão, que vou avisar ao Edivaldo que o carro não tem que ficar com o brasão não. Esse carro seu é pra me atender, só.
Homem: Eu deixei a chave dele lá também. Vou levar a chave.
Amanda: Não, sem problema. Pode tirar amanhã. Tá bom. Não vai pra Cachoeiro com o brasão, não.
A defesa de José Augusto e Amanda diz que não teve acesso aos autos e não pode fazer comentários. Ao ser apresentada pela reportagem a algumas das constatações da denúncia, negou que tenha havido pagamento indevido ou fraude.
Questionada sobre o que seria o "telefone laranja", disse que o ex-secretário explicou aos promotores, em depoimento, que tratava-se apenas de um equipamento com capa de proteção na cor laranja. Sobre a menção ao uso de carro oficial para fim particular, alegou que não se tratava de compromisso privado e que o veículo usado pelo o gabinete deveria ficar mesmo sem identificação.
O advogado de Marcelo Marcondes, que é do Rio de Janeiro, preferiu não fazer considerações.
"CONCHAVOS ÀS CUSTAS DO ERÁRIO"
O esquema desvendado pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES), com ajuda de seu Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) em Presidente Kennedy, prejudicou o erário e violou princípios republicanos.
A constatação é do subprocurador-geral de Justiça, Josemar Moreira, em uma das páginas anexas à denúncia criminal oferecida à Justiça.
"O conjunto probatório permite concluir tratar-se de agentes públicos e empresários dedicados a conchavos, embustes, em benefícios próprios e terceiros, às custas do erário e com violação ao republicanismo", destacou o procurador.
Ele argumentou, nas peças processuais às quais a reportagem do Gazeta Online teve acesso, que os investigados deveriam permanecer preso preventivamente.
Os principais alvos continuam atrás das grades. Entre eles, a prefeita Amanda Quinta (PSDB), o companheiro dela e ex-secretário municipal de Desenvolvimento José Augusto de Paiva, o sócio de fato da Limpeza Urbana Marcelo Marcondes Soares, e o motorista do empresário que aparece como sócio nos documentos oficiais, Cristiano Graça Souto.
Como o Gazeta Online antecipou na segunda-feira, Marcelo Marcondes Soares negocia acordo de colaboração premiada com o MPES. Há interesse dele e de investigadores na conversa sobre delação em troca de alguns benefícios.
Procurado nesta quarta-feira (05), o advogado dele, do Rio de Janeiro, preferiu não fazer nenhuma manifestação, nem sobre as constatações da denúncia criminal.
Entre as testemunhas selecionadas pelo MPES para a condução da ação penal, além de ex-funcionários da empresa de limpeza pública investigada, vereadores e ex-vereador de Presidente Kennedy.
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