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Primeiras-damas do Brasil: do incentivo à prevenção ao câncer à falta de expressão pública

Primeiras-damas do Brasil: do incentivo à prevenção ao câncer à falta de expressão pública

Livro de Murilo Fiuza de Melo e Ciça Guedes conta a história das mulheres dos presidentes do Brasil. Autores destacam o papel de  Darcy Vargas, Sarah Kubitschek, Ruth Cardoso, Marisa Letícia, Marcela Temer e Michelle Bolsonaro

Publicado em 23 de fevereiro de 2020 às 05:00

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Sarah Kubitschek, Rosane Collor, Ruth Cardoso e Maria Thereza Goulart: algumas das ex-primeiras-damas da República. (Montagem/A Gazeta)

Das 34 primeiras-damas que o Brasil já teve, três cursaram o ensino superior (Rosane Collor, Ruth Cardoso e Marcela Temer). Não raro, principalmente na primeira República, chegaram a casar-se com apenas 14 anos e algumas eram primas dos maridos.

O papel reservado às esposas dos presidentes carece de registros. Apareciam discretamente "entre vírgulas", como conta Murilo Fiuza de Melo, um dos autores de "Todas as Mulheres dos Presidentes – A história pouco conhecida das primeiras-damas do Brasil desde o início da República".

No livro, ele e Ciça Guedes – a outra autora da publicação – mostram que o papel da assistência social foi vinculado, ainda que indiretamente, ao poder público, por meio de Darcy Sarmanho, ou Darcy Vargas, esposa de Getúlio. A função, não remunerada, de ajudar os mais pobres marcou a atuação de boa parte das primeiras-damas.

Algumas foram além, como Sarah Luísa Lemos, ou Sarah Kubitschek, esposa de Juscelino, graças à qual a pesquisa sobre o câncer ginecológico foi impulsionada no Brasil. Outro exemplo foi Ruth Leite, ou Ruth Cardoso, casada com Fernando Henrique, que chegou a discursar na ONU sobre questões de gênero.

Também há episódios de influência direta de primeiras-damas nas decisões do governo brasileiro, como a entrada de Paulo Maluf na vida pública.

A história delas confunde-se com a história da República e das mulheres no país. As mulheres somente passaram a ter o direito de trabalhar sem autorização do marido (presumivelmente), a partir de 1962. Em 1977, surgiu a opção de adotar ou não o sobrenome do cônjuge e apenas em 2002 houve a equivalência: um homem pode adotar o sobrenome da esposa e vice-versa.

INFIDELIDADE EM QUASE TODOS OS CASAMENTOS

Se foi o casamento a conferir certa notoriedade às primeiras-damas, há outro ponto que não passa despercebido: a infidelidade dos presidentes.

"Washington Luís era uma piada nacional, o que a gente chamaria hoje de um galinha, mas não foi isso que abalou a credibilidade dele. Até meados dos anos 90 era perfeitamente aceitável que os homens tivessem esses casos sob o argumento de que eles tinham ‘necessidades’, como se tivessem um impulso sexual incapaz de ser refreado", lembra Ciça Guedes.

"Kissinger dizia que o poder era afrodisíaco, até um homem feio como ele pegava geral", destaca. A referência é a Henry Kissinger, ex-secretário de Estado americano, a quem é atribuída a frase "o poder é o afrodisíaco mais forte".

Se os casos extraconjugais não chegaram a abalar a carreira política dos presidentes, o mesmo não se pode dizer quando o contrário ocorreu, ou quando suspeitou-se disso.

Mariana Cecília de Sousa Meirelles da Fonseca foi a esposa de Deodoro da Fonseca, o primeiro presidente do Brasil(Reprodução)

"No governo Collor, falava-se muito dos casos que o Collor tinha, das festas intermináveis na Casa da Dinda, inclusive com participação de artistas. Quando a Rosane (então esposa do presidente Fernando Collor) foi acusada de ter caso extraconjugal com um rapaz que era funcionário do governo de Brasília, ela foi execrada."

O único entre os presidentes que parece ter passado incólume a desarranjos matrimoniais foi Nilo Peçanha, que governou de junho 1909 a novembro 1910. A esposa dele, Anita de Castro Belisário de Sousa, abdicou da própria família, uma vez que os parentes eram contrários ao casamento. "O primeiro presidente negro que o Brasil teve foi Nilo Peçanha, mas a História o embranqueceu", ressalta Melo. Ele se refere a reproduções de imagens do ex-presidente, frequentemente retratado com a pele mais clara.

"Ela se apaixonou pelo Nilo Peçanha, um menino pobre e negro. A família não aceitou, só o pai. A mãe e a irmã deixaram de falar com ela", complementa.

LEGIÃO BRASILEIRA DE ASSISTÊNCIA

Outros desafios foram postos quando Darcy Vargas criou a Legião Brasileira de Assistência (LBA), em 1942, para "promover a proteção à maternidade, à infância, à velhice, o incentivo à educação e a atenção à saúde e à habitação popular".

"Getúlio era o pai dos pobres. Ela seria a mãe dos pobres, com visão paternalista, assistencialista", conta o coautor. Nem todas as primeiras-damas estiveram à frente da entidade. Rosane Collor (hoje Rosane Malta), aliás, envolveu-se em um escândalo de corrupção devido à atividade. No governo FHC, a LBA foi extinta e Ruth Cardoso deu início a outras ações, relativas ao combate à fome e ao analfabetismo.

A então primeira-dama não gostava de ser chamada de primeira-dama. Preferia "doutora". Ruth, aliás, concluiu o pós-doutorado em 1988. Ela cursou doutorado em Ciências Sociais. 

APÓS O GOLPE MILITAR, SAÍDA DO PAÍS

Logo após o golpe militar, em 1964, Maria Thereza Goulart teve que deixar às pressas a Granja do Torto, em Brasília, com os filhos pequenos. O marido, o presidente João Goulart, a encontraria depois, já no Rio Grande do Sul. Ela não sabia que seria uma despedida do país e que não mais retornaria. Levou apenas duas malas e ficou, portanto, sem a maioria dos pertences. A ex-primeira-dama viveria fora do país por 16 anos.

Maria Thereza foi um símbolo de beleza, considerada a mais bonita primeira-dama do Brasil. Ajudou a suavizar a imagem do marido em meio ao temor de que ele seria "comunista".  Não escapou de ser vítima de infidelidade, mesmo quando vivia no exílio. Nesse período, a mãe dela faleceu. O governo militar não permitiu que ela voltasse ao Brasil para despedir-se. 

YOLANDA COSTA E SILVA E A AMIZADE COM PAULO MALUF

O livro registra que coube a Yolanda Costa e Silva, esposa de Arthur Costa e Silva (presidente de 1967 a 1969, na ditadura militar), a entrada de Paulo Maluf na vida pública. Foi dela a sugestão ao marido para que ele ocupasse a presidência da Caixa Econômica Federal.

À época, Maluf era empresário e teria dado de presente a Yolanda um colar de pérolas em agradecimento pelo cargo. Os autores também registram, no entanto, a negativa da ex-primeira-dama: "Uma calúnia. Paulo seria incapaz disso. Só recebi dele a amizade. Ele chegou onde chegou por seus próprios méritos".

MARISA LETÍCIA, MARCELA TEMER E MICHELLE BOLSONARO

Saltando no tempo, para mandatos e primeiras-damas mais recentes, a maioria preferiu um estilo contido, sem se imiscuir em políticas de governo ou dar visibilidade a causas. Marisa Letícia, que foi casada com Lula, apesar de ter tido militância no PT e ter sido mais presente ao lado do marido na atuação sindical, recolheu-se quando ele chegou à Presidência.

A primeira-dama do Brasil, Michelle Bolsonaro. (Reprodução/Instagram @michellebolsonaro)

Marcela Temer, esposa do então presidente Michel Temer (2016 a 2018), chamou a atenção pela beleza, inspirou memes após a reportagem de "Veja" "Bela, recatada e do lar" e daí não passou. "Não usou esse lugar em favor de ninguém, como a Ruth (Cardoso) e a Sarah (Kubitschek) usaram. É uma pena. Marcela entrou muda e saiu calada", lembra Ciça Guedes.

Depois dela, veio a atual primeira-dama, Michelle Bolsonaro, que fez um discurso em libras na posse do presidente Jair Bolsonaro. "Ela entrou esfuziante, quebrou protocolos e sumiu. Se ela tomasse como sua a questão dos surdos, não seria pouca coisa. É um lugar privilegiado".

LIVRO: TODAS AS MULHERES DOS PRESIDENTES

Livro Todas as Mulheres dos Presidentes. (Reprodução)

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