Após a prisão em flagrante do deputado federal bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ), detido por insultar ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) com discurso de ódio, a Câmara dos Deputados deve decidir nesta sexta-feira (19) se o parlamentar vai continuar preso ou não. A votação é aberta e nominal e, para que Silveira seja solto, é necessário o apoio da maioria simples, ou seja, 257 dos 513 membros do plenário.
Além de decidir o destino do deputado, a votação vai colocar em jogo a relação entre os Poderes e a capacidade de articulação do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), com os deputados e também com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), avaliam especialistas.
Apesar de o Executivo não estar envolvido diretamente no conflito, Daniel Silveira é aliado fiel do presidente e uma das principais vozes da "base ideológica" na Câmara, o que gerou uma preocupação, por parte da equipe do presidente, de que a crise gerada com a prisão do parlamentar paralisasse o andamento de projetos considerados prioritários pelo governo, como a PEC emergencial, o Orçamento e a reforma administrativa.
Bolsonaro não se manifestou até o momento sobre o caso do deputado, e tem sido aconselhado por interlocutores a não se manifestar. Ele esteve com o presidente da Câmara nesta quinta-feira (18). Também nesta quinta, Silveira teve a prisão em flagrante mantida, durante audiência de custódia, pelo juiz Airton Vieira, auxiliar do ministro Alexandre de Moraes, do STF. O plenário da Corte já havia referendado, por unanimidade, a decisão de Moraes, que determinou a prisão do deputado.
O entendimento do juiz Airton Vieira na audiência foi que não há possibilidade de relaxar a prisão de Daniel Silveira antes de o plenário da Câmara dos Deputados se posicionar sobre o tema.
Posteriormente, caberá a Moraes decidir sobre a eventual conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva. De acordo com a colunista Bela Megale, de O Globo, magistrados avaliam que, na próxima semana, Moraes pode relaxar a prisão do deputado e substituí-la por uso de tornozeleira eletrônica.
No primeiro momento, a prisão do deputado Daniel Silveira pode ter sido vista pelos demais parlamentares como um "excesso", já que autorizar a prisão de um deputado por se expressar é algo delicado, do ponto de vista da separação dos Poderes, e poderia abrir caminho para, no futuro, o STF autorizar a prisão de outros parlamentares, como destaca o advogado criminalista João Carlos Martins.
No entanto, se a Câmara reverter a decisão do STF, pode acabar abrindo uma crise com a Corte, na qual Lira também é réu. "O poder de articulação de Lira com os deputados, principalmente com os bolsonaristas, estará colocado à prova. Ele precisa deixar a crise terminar menor do que começou, sem colocar à prova a autoridade do STF, ou desautorizá-lo, nem mostrar que o Parlamento defende os discursos de ódio do Silveira", avaliou.
Para Martins, inicialmente o presidente da Câmara buscou emplacar outro desfecho ao caso: demonstrar que a solução viria do Conselho de Ética, com um processo disciplinar que poderia resultar em cassação. "No entanto, abrir um processo no conselho, mas, ao mesmo tempo, desautorizar a prisão do Supremo, pode ter um grande custo político. Como o Congresso Nacional é, em regra, corporativo, a punição pelo conselho é mais difícil", afirmou.
A deputada Flordelis (PSD-RJ), ré acusada de mandar matar o marido, continua no exercício do mandato, sem ser incomodada pelos colegas. O senador Chico Rodrigues (DEM-RR), flagrado pela Polícia Federal com dinheiro entre as nádegas, voltou ao Senado nesta quinta após uma licença de 121 dias.
Nesta quinta, Arthur Lira também visitou o presidente do STF, Luiz Fux, ao lado do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Após a conversa, falou em "equilíbrio" e "consenso", dando sinais de uma possível manutenção da prisão do deputado.
"Não há qualquer reprimenda ao que aconteceu e, amanhã (sexta), como já foi anunciado, a partir das 17 horas, (a Câmara) se pronunciará soberanamente no seu plenário a respeito do caso que é absolutamente fora da curva", disse. "Quero afirmar a vocês, porque é muito importante essa mensagem, a democracia do Brasil está firme e forte. E o ambiente é um ambiente de paz e de busca de consenso, é isso que vamos buscar fazer a todo instante", completou.
O advogado criminalista e professor de Processo Penal Rivelino Amaral frisa que a votação da Câmara pode trazer também o recado sobre o respeito à Constituição. "O deputado não pode atacar o STF e seus ministros, que são os guardiões da Constituição. Os insatisfeitos com a Constituição devem defender alterações, e não atacá-la. Vai contra o juramento que ele próprio fez ao assumir o mandato. A Câmara é a Casa do povo, e a Constituição serve para proteger o próprio povo. A imunidade que ele tem refere-se à impossibilidade de um parlamentar ser processado por opiniões no exercício da função e não a falas extremistas", explicou.
"O deputado fez apologia ao AI-5, decreto da ditadura militar que fechou o Congresso e institucionalizou a censura. Agora, diz ser vítima de um ataque à liberdade de expressão e depende da própria Câmara dos Deputados, que defendeu fechar, para decidir sobre sua liberdade", acrescentou.
O cientista político e professor da Mackenzie Rodrigo Prando avalia que, embora os argumentos jurídicos permeiem toda a discussão, politicamente a situação do deputado se complica.
"Temos a dimensão política e as relações de freios e contrapesos que um Poder, seja o Executivo, Legislativo ou Judiciário, deve exercer na relação com os demais Poderes. Politicamente, o deputado tinha certeza, deixou isso claro no vídeo que fez no momento de sua prisão, que logo estaria solto e peleando contra os ministros do STF, com o povo ao seu lado. Bolsonaro não se apresenta disposto a, novamente, se desgastar com o STF por Silveira, assim como Lira, que gostaria de tocar pautas econômicas ou ligadas às reformas e não desviar a atenção para o extremismo do deputado do PSL", analisou o professor.
Para ele, Silveira não é "causa", mas sim um "sintoma" de algo mais profundo e grave, no Brasil e no mundo, que são os ataques sucessivos à democracia. "Há um déficit de democratas. Muitos deputados bolsonaristas, como Silveira, não foram socializados em partidos políticos, com contato com outros atores políticos, tendo que dialogar, debater, vencer ou perder com argumentos. Tampouco puderam vivenciar espaços de reflexão. Por isso, desprezam os partidos políticos e a política, substituem a força do argumento pelo argumento da força", comentou.
"Caberá à Câmara dos Deputados avaliar o comportamento de Silveira e traçar perspectivas. O Poder Legislativo amparou, por muito tempo, as opiniões do próprio então deputado Jair Bolsonaro, do baixo clero, que elogiou torturadores e fez apologia ao regime militar. Mas se o Parlamento repetir a conduta com Silveira e a sociedade aceitar, talvez as consequências agora sejam outras", disse.
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