O Processo Administrativo Disciplinar (PAD) aberto pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) contra os juízes afastados Alexandre Farina e Carlos Gutmann está suspenso aguardando resultado de perícia em celular determinada na ação penal em que os dois são acusados de venda de sentença. Os desembargadores negaram recurso do Ministério Público Estadual (MPES) que pedia a volta da tramitação do PAD, durante a sessão do Pleno do Tribunal realizada na última quinta-feira (5).
A realização de perícia foi determinada pelo desembargador Namyr Carlos de Souza Filho, relator da ação penal contra os magistrados e outros réus, que nomeou novo perito para realizar o trabalho no início de agosto. O celular a ser periciado é do ex-policial civil Hilário Frasson. Os dados e informações obtidos na primeira perícia realizada no aparelho pelo MPES embasaram a denúncia e a abertura do PAD contra os juízes.
O MPES alegou, no recurso contra a suspensão do PAD, que as provas a serem produzidas na esfera administrava já são suficientes para a conclusão do processo. O relator do caso, desembargador Walace Pandolpho Kiffer, divergiu do posicionamento ministerial e votou pela manutenção da suspensão do processo administrativo para aguardar o resultado da perícia determinada na esfera penal.
O relator justificou a medida adotada por ele pela "nítida correlação entre a profundidade da prova determinada na esfera penal, posto que essa serviu de base para a instauração do PAD".
Sobre a independência das ações na esfera penal e administrativa alegada pelo MPES, o relator afirmou que não se distanciou do seu entendimento inicial, mas entende "que a prova pericial determinada naquela esfera (ação penal) pode interferir na existência ou mesmo na suficiência da prova aqui determinada pelo embargante (MPES) como tal".
No recurso, o Ministério Público ainda alegou que o PAD estaria extrapolando o seu prazo, já que a abertura do processo foi determinada pelo Pleno do Tribunal em novembro de 2021. Desde então, os dois juízes são mantidos afastados aguardando a conclusão do caso. Eles chegaram a ser presos, por decisão na esfera penal, mas foram soltos em dezembro de 2021.
Pandolpho Kiffer alegou que o processo ainda carece do interrogatório dos dois magistrados, por isso entendeu "determinar a suspensão do feito nesse momento, privilegiando o direito de defesa a ser articulado pelos requeridos já com a construção probatória, incluindo a prova pericial a ser produzida na ação penal". Várias testemunhas já prestaram depoimento no caso.
Ele sustentou que a suspensão do PAD está adequada às decisões de tribunais superiores no que diz respeito às exceções em que ela pode ocorrer, entendimento seguido à unanimidade pelos demais desembargadores.
Com isso, o relator rejeitou o recurso do MPES alegando que “a inexistência do fato ou autoria, se provada na esfera penal, resultará em absolvição da imputação que foi apresentada no PAD, o que implica em desconsiderar o entendimento do embargante (MPES) quanto à suficiência da prova já produzida".
Deflagrada em junho de 2021, a Operação Alma Viva teve mandados de busca e apreensão cumpridos por membros do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) nas casas de dois investigados em um esquema de venda de sentença, entre eles os empresários Eudes Cecato e o ex-funcionário da Associação dos Magistrados do Espírito Santo (Amages) Davi Ferreira da Gama.
Segundo o Ministério Público, Cecato foi beneficiado em uma decisão judicial a respeito de um imóvel na Serra. A sentença, que teria sido comprada, foi proferida em 2017 pelo juiz Carlos Alexandre Gutmann, que atuava como substituto na Vara da Fazenda Pública Estadual.
Já o juiz Alexandre Farina foi apontado pelo MPES como um dos responsáveis por arquitetar o esquema, que contou com a participação do ex-policial civil Hilário Frasson, condenado pelo assassinato da ex-mulher, a médica Milena Gottardi. Hilário e o ex-funcionário da Amages Davi Ferreira teriam intermediado as negociações entre magistrados e Eudes Cecato.
O nome da operação foi inspirado no vinho chileno Almaviva, que pode custar em torno de R$ 3 mil. Em mensagens interceptadas pela polícia, Farina prometeu que daria uma garrafa do vinho Almaviva a Hilário Frasson, como "pagamento".
O advogado Israel Jorio, que atua na defesa do juiz afastado Carlos Alexandre Gutmann, comemorou a decisão. Para ele, "o TJES agiu com muita sensatez ao rejeitar os embargos do MPES, pois toda a acusação se baseia, tanto na ação penal quanto no PAD, exclusivamente em mensagens supostamente trocadas entre alguns dos outros acusados".
Ele sustenta que seu cliente "não tem uma mensagem sequer com qualquer dessas outras pessoas, não depende dessa prova para demonstrar que é inocente e que seu nome foi injustamente usado sem seu conhecimento". "Ainda assim, é fato incontestável que o principal elemento de informação de todo o processo apresenta inconsistências técnicas que reclamam uma nova perícia, e o TJES sabiamente prestigiou a ampla defesa e o contraditório,” acrescenta o advogado.
Já o advogado do juiz Alexandre Farina, Delio Lins e Silva Junior, "não faz sentido dar continuidade ao processo enquanto não houver resultado dessa perícia". "Eu acho que a decisão do Tribunal está corretíssima, porque, se for declarada a nulidade da prova na ação penal, ela não pode subsidiar nada, nem PAD, nem qualquer outra investigação", sustenta o advogado.
Ele ressaltou que, apesar de ter sido determinada há mais de dois meses, a perícia ainda não foi realizada. "Depois que a ação penal foi suspensa a gente pediu a suspensão do PAD. A gente tem convicção de que essa prova é nula", afirmou Silva Junior.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta