O procurador de Justiça do Ministério Público do Espírito Santo (MPES) Adonias Zam foi condenado, em ação de improbidade administrativa, à perda do cargo. A decisão, do juiz Mário da Silva Nunes Neto, da 3ª Vara da Fazenda Pública de Vitória, foi publicada no último dia 2.
Quem acionou a Justiça contra o procurador foi o próprio MPES. A acusação é de que Zam tentou se apropriar e vender um terreno que pertencia, na verdade, à Associação de Pais e Amigos de Surdos (APAS).
A condenação à perda da função pública deu-se em primeiro grau. A defesa do procurador pode recorrer e, enquanto isso, ele segue no cargo. A ação foi ajuizada em 2015, mas os fatos remontam ainda ao período de 2006 a 2010.
No terreno, localizado em Bento Ferreira, Vitória, havia um vigia, contratado pela associação, que morava lá.
O procurador, por meio de uma ação de usucapião (para garantir o direito à posse ao vigia) registrou em cartório que comprou o terreno do vigia por R$ 40 mil. "Consta, de outra banda, que posteriormente o requerido Adonias Zam tentou vender o mesmo imóvel por R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais)", narra o MPES na ação.
A Associação de Surdos, no entanto, informou no curso do processo que o vigia jamais foi dono do imóvel. Aliás, o então presidente da entidade contou "que teria informado ao requerido Adonias Zam que o imóvel era objeto de penhora e pertencia à União, em razão de uma execução fiscal movida em face da APAS".
De acordo com testemunhas, o procurador chegou a retirar do terreno uma placa que informava que o terreno pertencia à Apas e colocou lá outra, de um corretor de imóveis, anunciando que estava à venda. E utilizou o gabinete na procuradoria para tratar das negociações.
"Utilizando o carro oficial do Ministério Público vinculado ao seu cargo de Procurador de Justiça, o réu Adonais Zam foi ao imóvel e retirou uma placa da APAS Associação de Pais e Amigos de Surdos, colocando-a no porta-malas do veículo", resume o juiz, na decisão.
"Colocou placa de venda no imóvel, por meio de(a) corretor/imobiliária J. SODRÉ, dizendo-se legítimo possuidor dos lotes e, ainda, atendeu os pretensos compradores em seu gabinete de Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado do Espírito Santo, oportunidade em que disse que adquirira o imóvel por R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) e que o venderia por R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais), embora seu suposto preço de mercado fosse de R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais)", complementou.
A ação de usucapião acabou extinta, sem resolução, após desistência do próprio Adonias Zam, que preferiu não recorrer. Mas o MPES alegou, na ação de improbidade, que ele só desistiu porque já havia sido denunciado criminalmente, por estelionato, devido ao caso do terreno.
Zam alegou, ainda na ação de improbidade, que a APAS foi desativada em 1997, por falta de interesse dos próprios pais. E também garantiu que não agiu com desonestidade.
A defesa afirmou ser "impossível localizar desonestidade nos atos do contestante, pois, como já asseverado, cingiu-se ao exercício de suas relevantes atribuições, visando eliminar controvérsia na relação APAS x ocupante do imóvel, sem qualquer interesse a não ser aquele resultante do trabalho do Promotor de Justiça".
Sustentou, também, que "a ausência de desonestidade por parte do administrador público, bem como a inocorrência de dolo e prejuízo, inibem e impedem que se invoque o tipo improbidade administrativa".
Para o juiz Mário da Silva Nunes Neto, no entanto, "Adonias Zam praticou uma série de graves condutas ímprobas" e destacou a utilização de servidor público lotado em seu gabinete (impedido de advogar), para patrocinar ações temerárias visando a apropriação e consequente alienação do imóvel da APAS Associação de Pais e Amigos de Surdos".
"Considerando que não estamos diante de lesão aos cofres públicos (as despesas decorrentes da indevida utilização de veículo oficial, servidores e gabinete do MPES, visando alcançar objetivo ilícito pelo réu, não foram objeto de apuração nestes autos) e, por outro lado, que em razão da gravíssima e longa trajetória ímproba empreendida pelo réu Adonias Zam, valendo-se dos cargos de promotor de Justiça e, posteriormente, de procurador de Justiça do Ministério Público Estadual, com a nefasta finalidade de receber vultosa quantia, por meio da cessão onerosa da posse (inexistente) do bem, conclui-se que a pena mais adequada ao caso concreto é a perda da função pública", escreveu o magistrado.
Não há foro especial para a tramitação de ações de improbidade administrativa, por isso o procurador respondeu ao processo na primeira instância.
De acordo com o Portal da Transparência do MPES, Andonias Zam ingressou na instituição em 1983. Ele é chefe da Procuradoria de Justiça Criminal.
O salário de um procurador de Justiça é de R$ 35.462,22 brutos. Além disso, em agosto, Zam contou com R$ 4.964,71 de abono de permanência e R$ 3.896,13 de verbas indenizatórias. Após descontos de Imposto de Renda e Previdência, ele recebeu R$ 27,9 mil líquidos naquele mês, o mais recente disponibilizado no portal.
Na esfera criminal, a denúncia do MPES contra o procurador em relação à situação envolvendo o terreno chegou a ser recebida pelo Tribunal de Justiça (TJES), mas o procurador foi beneficiado pela suspensão condicional do processo, possível de ser aplicada para crimes cuja pena seja de até um ano.
Nesse caso, o processo fica suspenso se o acusado aceitar cumprir algumas condições, por exemplo: não se ausentar da comarca em que reside, reparar o dano causado ou não comparecer a determinados lugares. Passado um tempo, é extinta a possibilidade de punição. Foi o que ocorreu nesse caso.
O advogado do procurador de Justiça Adonias Zam, Antônio Augusto Genelhu Júnior, disse à reportagem de A Gazeta que ainda vai analisar os termos da sentença, mas já adiantou que vai recorrer.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta