A última semana foi de endurecimento de ações para alguns casos de pessoas que criticaram o presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Dois professores da Universidade Federal de Pelotas (Ufpel), entre eles o ex-reitor Pedro Hallal, se tornaram alvo da Controladoria Geral da União (CGU) após se manifestarem contra o presidente em uma página da instituição. Eles escaparam de um processo após assinar um termo de ajuste de conduta (TAC). Em Uberlândia, um jovem de 24 anos foi preso depois de tuitar que o presidente visitaria a cidade e sugerir que, se alguém o matasse durante a visita, poderia "virar herói nacional".
Além disso, um ofício do Ministério da Educação (MEC) enviado às universidades orientava a prevenção e a punição de atos políticos nas instituições. A "mordaça do MEC", como foi chamada nas redes, repercutiu mal e o ministério acabou recuando, após 25 subprocuradores-gerais defenderem que o Ministério Público Federal (MPF) oficiasse o órgão contra a censura.
Já em relação à prisão do jovem em Uberlândia, a Polícia Federal, que o autuou por crimes previstos na Lei de Segurança Nacional, promulgada em 1983, durante a Ditadura Militar, chegou a ser levado a um presídio, mas foi liberado para responder em liberdade, após sua defesa apresentar um habeas corpus.
Nas redes sociais, muitos usuários lembraram de que a "escalada" da vigilância já vem desde dezembro, quando foi revelado um relatório feito por uma empresa privada contratada pelo governo federal, que identificou jornalistas e influenciadores digitais em "detratores", "neutros informativos" e "favoráveis", como mostrou uma reportagem do Uol.
Outros relacionaram as ações contra quem criticou o presidente com o caso do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), preso após fazer ataques a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e defender o Ato Institucional número 5, o AI-5, que fechou o Congresso e endureceu a opressão no regime militar.
Os casos fazem jus a uma série de ações em que a liberdade de expressão foi colocada à prova e demonstram maior rigidez por parte da Justiça – ou de instituições como a PF ou o CGU – ao analisar possíveis desvios de conduta. Para especialistas, esses movimentos são resultado de um ambiente novo na sociedade brasileira, em que a polarização política tem aumentado discursos de ódio. Daí, a onda de ações contra manifestações mais incisivas.
O professor de Direito e advogado Caleb Salomão Pereira afirma que é preciso diferenciar cada caso, que embora pareçam semelhantes, possuem diferenças e que, para ele, em alguns deles houve atos que vão de encontro aos direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal.
Caleb observa que, com exceção do caso dos professores da Ufpel, em que a lei do Serviço Público estabelece algumas restrições para servidores, os casos do ofício do MEC e da prisão em Uberlândia podem ser considerados como abuso de poder.
"Há uma mudança de alguns anos para cá do que se entende como o limite da liberdade de expressão. Esse era um tema que não era debatido com tanta frequência. Por que essa mudança agora? Porque de dois anos para cá, tivemos um recrudescimento dos discursos de ódio no espaço público", analisa.
O Judiciário está sendo chamado a interferir nesses discursos, ressalta Caleb, e vai ter que criar uma nova tradição. "Infelizmente, a gente vai ter que conviver com erros e acertos durante este processo. O STF vai cometer alguns excessos, vai errar, vai acertar, até que, daqui a algum tempo, a gente consiga criar um corpo doutrinário que dê maior segurança", completa.
Nesta sexta-feira (5), o PSB apresentou ao STF uma arguição de descumprimento de preceito fundamental contra trechos da Lei de Segurança Nacional, utilizada ao prender o jovem que teria incitado a morte do presidente em Uberlândia. Para o partido, que também cita a censura aos professores da Ufpel na representação, esta lei fere alguns preceitos fundamentais previstos na Constituição.
"A liberdade de expressão configura meio de proteção de todos os demais direitos fundamentais. Afinal, é através do seu exercício que direitos podem ser reivindicados na esfera pública, por meio de mobilizações sociais, de denúncias de abusos e irregularidades, de protestos, da ação de imprensa, etc", descreve o PSB na ação.
Juristas apontam que a Corte deve analisar a legislação sobre esses atos que excedam a liberdade de expressão nos próximos meses. O professor da FDV e advogado Raphael Boldt ressalta que a Constituição brasileira garante que a liberdade de expressão é um direito fundamental, mas não se trata de uma “liberdade absoluta”. Ele explica que discursos em que se defendem crimes não pode ser confundido com a liberdade de expressão.
Para Raphael, nesse contexto, é claro que algumas pessoas vão cometer alguns excessos na sua liberdade, assim como vai ter excesso de quem quer restringir essa liberdade. "Nunca tivemos tantos casos de persecução criminal de promotores ou juízes que se manifestam, ou de cidadãos alvo de punição. É um quadro novo, mas é perigoso para onde ele vai nos levar", conclui.
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