O Projeto de Emenda à Constituição Estadual que quer transformar os policiais penais (antigos inspetores penitenciários) que atuam em designação temporária em servidores efetivos é inconstitucional, segundo especialistas em Direito. O texto, que tramita na Assembleia Legislativa do Espírito Santo, é de autoria do deputado Callegari (PL). Apesar de receber parecer negativo da procuradoria da Casa, foi considerado legal pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
A proposta é popular entre a categoria. Isso porque a Secretaria de Estado da Justiça (Sejus) tem atualmente cerca de 1,6 mil servidores em designação temporária, que passam por novo processo seletivo a cada dois anos. Eles são numerosos dentro dos presídios e, por não serem servidores efetivos, não podem portar armas.
A PEC 2/2023 quer dar aos temporários (DTs) com mais de cinco anos de serviço contínuo os direitos à carreira policial e o benefício da estabilidade até a aposentadoria. Ou seja, eles passariam a ser submetidos ao Regime Jurídico Único dos servidores públicos estaduais, porém, sem ter prestado concurso público.
“Para ter cargo público, tem que se fazer concurso. Caso contrário, na minha visão, é inconstitucional”, afirma o especialista em Direito Constitucional Américo Bedê. Ele explica que, por mais bem-intencionada que seja a proposta, ela viola ainda outra regra: quando se trata de mudanças relativas aos servidores do Executivo, o texto tem que partir do chefe do Executivo, nesse caso, do governador do Estado.
Essa também é a visão de Guilherme Machado, especialista em Direito do Trabalho.
“A proposta é legítima tendo em vista o anseio da categoria há anos por melhores condições de trabalho e segurança jurídica da atividade funcional, todavia, a competência para propositura das matérias contidas no projeto é exclusiva do chefe do Poder Executivo, sendo inconstitucional sua realização da forma pretendida, ou seja, por um deputado”, aponta.
Machado diz ainda que o Supremo Tribunal Federal (STF) já definiu que, ainda que o Executivo decida transformar as vagas de DT em vagas efetivas, não seria possível aproveitar os trabalhadores que já estão atuando. Seria necessário abrir concurso para preencher os postos.
“A dispensa da realização de concurso público poderia trazer insegurança jurídica ao princípio da isonomia, da legalidade, abrindo precedente para matérias correlacionadas”, aponta.
A própria procuradoria da Assembleia já afirmou que a proposta é inconstitucional, justamente pelos mesmos argumentos apresentados pelos especialistas ouvidos por A Gazeta.
“A presente proposta contém vício de inconstitucionalidade formal subjetiva, posto que seria de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo”, diz o parecer do procurador-geral da Casa, Alécio Jocimar Fávaro.
Ele acrescenta que a aprovação causaria um cenário de insegurança jurídica e que integrantes de outras categorias poderiam questionar a contratação “na via transversa”, como se referiu à admissão pretendida com a PEC.
Mesmo com a procuradoria afirmando que a proposta é inconstitucional, o presidente da CCJ da Assembleia, deputado Mazinho dos Anjos, que é advogado, deu parecer favorável.
Na justificativa, Mazinho diz que na redação da Emenda à Constituição que cria no Espírito Santo o cargo de policial penal haveria uma brecha para considerar também aqueles em designação temporária.
O texto da lei diz que o “preenchimento do quadro de servidores das polícias penais será feito, exclusivamente, por meio de concurso público e da transformação do cargo atual de inspetor penitenciário."
Segundo o deputado, “a Constituição Estadual não deixou claro se estava se referindo apenas aos inspetores que são concursados ou, também, aos inspetores que foram contratados por designação temporária."
Ele também argumenta que há servidores que ocupam o mesmo cargo temporário por mais de 10 anos, passando por sucessivas renovações ao longo deste tempo e diz que, caso eles não sejam aproveitados, será uma “injustiça social” que vai “matar de vez a dignidade desses cidadãos capixabas."
“Contrato de designação temporária, pela lei, só pode existir se há uma necessidade excepcional de interesse público. Ele tem prazo de um ano renovável por no máximo mais um ano. Essa PEC não está transformando DT em efetivo sem concurso, apenas dando estabilidade a quem está há anos sendo contratado pelo Estado”, ressalta o deputado após ser questionado por A Gazeta.
Ele aponta ainda que o parecer da procuradoria da Assembleia é “opinativo”.
O deputado Callegari (PL) afirma que, apesar de haver pareceres de procuradores e especialistas pela inconstitucionalidade do texto da PEC, está de acordo com o entendimento de Mazinho, descrito pelo parlamentar como um "grande advogado de direito administrativo e constitucional".
Callegari acrescenta que a PEC, se aprovada, não abriria precedente para a efetivação de outros DTs (professores, médicos, enfermeiros, por exemplo) porque a polícia penal é uma categoria nova, recém-criada e que, portanto, as regras aplicadas a ela não se aplicariam as demais.
"Se eu acreditasse na inconstitucionalidade da lei, eu jamais teria apresentado o projeto", conclui.
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