O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) vai abrir um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) para investigar a conduta de um promotor de Justiça do Espírito Santo que recorreu de uma sentença que reconhecia a dupla paternidade do filho adotivo do senador Fabiano Contarato (Rede-ES) com seu marido Rodrigo Grobério. No recurso, Clóvis Barbosa Figueira argumentou que o "conceito constitucional de família não é outro senão entre homem e mulher".
A decisão do CNMP, nesta terça-feira (26), de apurar possíveis infrações administrativas cometidas pelo promotor foi unânime. O processo agora será distribuído a um relator e, depois, julgado.
O senador Fabiano Contarato adotou seu filho Gabriel, hoje com cinco anos, em 2017, antes de casar-se com Rodrigo Grobério. Após o casamento, eles ingressaram com ação na Justiça na 1ª Vara da Infância e da Juventude de Vila Velha pedindo o reconhecimento de dupla paternidade.
Em dezembro de 2018, a juíza da Vara deu decisão favorável ao senador e ao marido, reconhecendo ambos como pais da criança. Contudo, o promotor que acompanhava o caso, Clóvis Barbosa Figueira, discordou da decisão judicial e entrou com um recurso alegando que a lei, quando menciona pais no plural, refere-se ao pai e à mãe. O recurso foi negado. Somente no ano passado o nome de Rodrigo foi incluído na certidão de nascimento como pai de Gabriel.
Para o promotor, não haveria "autorização legal para que um ser humano venha a ter dois pais, como pretendido, ou, pior ainda, duas mães".
O casamento homoafetivo é reconhecido no Brasil por decisão do Supremo Tribunal Federal desde 2011 e também por Resolução 175 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Apesar da vitória na Justiça, o senador entrou com uma representação contra Clóvis Figueira, alegando que ele agiu de forma preconceituosa em sua justificativa para recorrer da decisão.
Nesta terça, os conselheiros do CNMP referendaram, por unanimidade, a decisão do corregedor Nacional do Ministério Público, Rinaldo Reis Lima, que, após analisar a representação do senador Fabiano Contarato, havia determinado a abertura do processo administrativo disciplinar. De acordo com Lima, o promotor faltou com respeito aos membros da instituição e seus pareceres são "preconceituosos", "dotados de índole negativa", além de atentarem contra a "dignidade institucional do cargo".
O conselheiro Marcelo Weltzel também classificou a interpretação do promotor de Justiça como preconceituosa e disse que era um retrocesso para a sociedade. "Isso é um retrocesso hediondo nos termos que foi colocado. Apoio abertura [do processo administrativo], não há sentido que um agente do Estado, em suas manifestações, faça uso de preconceitos de qualquer natureza ainda mais em pleno século XXI em uma sociedade plural como a nossa", destacou.
Em seu pronunciamento, o presidente da sessão, Humberto Jacques de Medeiros, ressaltou que a independência funcional é de direito do membro do Ministério Público, mas que foi extrapolada no caso relatado. "Não é a independência de entender algo diferente do entendimento dominante, mas como alguém se porta em suas posições pessoais no exercício da profissão. É necessário um processo disciplinar para aclarar todos os elementos desse fato ocorrido para apurar desvio ou abuso."
Emocionado, o senador Fabiano Contarato acompanhou toda a sessão virtual. Ele disse que é preciso lutar pelo direito das minorais e o fim do preconceito na sociedade.
"Eu esperei muito por esse dia e acredito que esta decisão de abrir um processo administrativo contra um membro do Ministério Público é histórica. Eu estou muito feliz, porque isto representa um avanço na luta pela igualdade, não só pra mim mas para toda a população LGBTI+", finalizou.
O advogado da Associação Espírito-Santense do Ministério Público, Renan Sales, que faz a defesa do promotor Clóvis Barbosa Figueira, disse que aguarda a intimação formal da decisão do Conselho Nacional. "Recebemos com respeito a decisão, muito embora não concordemos com a acusação. Vamos esperar sermos intimados para que a gente possa fazer uma análise e pensar o melhor caminho para exercer a ampla defesa dele. Não posso comentar o caso em si porque o processo administrativo está em sigilo", declarou.
Ao final, o PAD que apura a conduta do promotor pode ser arquivado e não acarretar nenhuma punição. Já as possíveis penas vão de advertência a disponibilidade, que é quando o membro do MPES continua sujeito às vedações constitucionais, não pode advogar, por exemplo. Mas fica sem trabalhar, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço e pode ser reintegrado à carreira.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta