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Proporção de candidatos negros cresce no ES e chega a 54% em 2024

Proporção de candidatos negros cresce no ES e chega a 54% em 2024

Percentual é o maior no Estado desde que a autodeclaração racial se tornou obrigatória para registro de candidatura

Publicado em 19 de setembro de 2024 às 14:07

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Candidatos negros no ES
Candidatos pretos e pardos aos cargos de prefeito, vice-prefeito e vereador somam 54,06% no ES em 2024. (Freepik)
Julia Camim
Jornalista / [email protected]

A parcela dos candidatos que se declaram negros e vão concorrer nas eleições municipais de 2024 no Espírito Santo é a maior desde 2016, quando a autodeclaração começou a valer para este tipo de pleito. Neste ano, os postulantes pretos e pardos concorrendo aos cargos de prefeito, vice-prefeito e vereador somam 54,06%.

Esta é a segunda vez que a proporção de negros na corrida municipal é maior que 50% no Estado capixaba. Em 2020, eles eram 52,52%, enquanto em 2016, somavam 49,06%.

Os dados revelam que, a cada pleito, as candidaturas se aproximam mais da realidade estadual. De acordo com o Censo 2022 realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 61% dos capixabas se autoidentificam como negros, sendo 49,8% pardos e 11,2% pretos.

Neste ano, dos 9.812 candidatos registrados no sistema do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 5.304 se declaram negros, sendo que 1.303 são pretos (13,27%) e 4.001 (40,77%) se declaram pardos.

Já os concorrentes brancos somam 4.438, o que corresponde a 45,23% das candidaturas. Os 28 postulantes que se declaram amarelos representam 0,28%, enquanto os 19 indígenas somam apenas 0,18%.

No pleito passado, em que 12.578 se candidataram, eram 6.606 candidatos negros no Espírito Santo, sendo que 5.003 (39,77%) se identificavam como pardos e 1.603 (12,74%), como pretos.

Já há oito anos, eram 5.133 negros do total de 10.463 candidaturas. Os postulantes pardos em 2016 somavam 3.943 (37,69%) e os pretos, 1.190 (11,37%).

É necessário ressaltar que a proporção de candidaturas negras aumentou, mas a quantidade não. Isso porque as regras para as eleições proporcionais foram alteradas e os partidos também se reorganizaram ou se juntaram em federações.

Antes, cada agremiação podia lançar um número de candidatos a vereador equivalente a 150% das vagas nas Câmaras. Agora, o máximo permitido é de 100% mais 1. Já as federações (reuniões partidárias válidas por quatro anos) devem se comportar como uma única legenda.

Segundo o cientista político João Victor Santos, “as mudanças no perfil das candidaturas estão relacionadas ao panorama demográfico do Brasil, mas também são intensificadas pela presença cada vez maior, na mídia e nos próprios partidos, da pauta racial”. Para ele, é um movimento de identificação racial, em que os cidadãos - e os candidatos - estão buscando suas origens, o que influencia na autodeclaração.

Cargos disputados

Os postulantes negros concorrem, majoritariamente, às vagas nas Câmaras de Vereadores capixabas. Do total, são 5.104 candidatos a vereador, 97 a vice-prefeito e apenas 103 buscam assumir o cargo de prefeito - isso corresponde a 37,05% das candidaturas às prefeituras.

Desses postulantes a prefeito, apenas 6 são mulheres negras, enquanto 97 são homens. No total, as mulheres pretas e pardas que concorrem a cargos eletivos em 2024 são 1.865 e os homens, 3.439.

Santos explica que a disputa pelo cargo proporcional abarca a maior parte dos negros porque é uma eleição de menor prestígio político. “O vereador é, dentro da esfera política e até da ascensão política, a esfera mais baixa. Então, o espaço de menor visibilidade é também onde as candidaturas negras têm maior sucesso. Proporcionalmente, também vamos encontrar mais vereadores negros eleitos do que prefeitos ou vice-prefeitos”, afirma ele.

Entretanto, o cientista político ressalta que permear esse espaço é um passo para vencer a desigualdade racial, e que as Câmaras Municipais são espaços importantes para a ascensão de políticos negros.

“As pessoas negras ainda têm muito pouco acesso aos poderes porque esses lugares não trabalham visualizando uma igualdade racial plena e favorável a essa população. A agenda política muito dificilmente é pautada através de uma visão racializada, o que leva a projetos de lei e políticas públicas que muitas vezes são nocivas à promoção da igualdade racial”.

Negros por partido

A proporção de candidatos negros varia de acordo com o partido. O Cidadania é a legenda que menos tem postulantes negros disputando cargos neste ano - são 10 do total de 21 - , mas a menor proporção fica a cargo do PL: os 376 candidatos pretos e pardos que tentam se eleger pela sigla representam 46,36% dos postulantes.

Já o Podemos tem a maior quantidade numérica, sendo 475 candidatos pretos ou pardos pela agremiação que, ao todo, tem 892 concorrentes. Mas é o PCdoB o responsável pela maior proporção: da legenda comunista, 70,69% dos candidatos se declaram pretos ou pardos.

Os partidos em que as candidaturas negras correspondem a aproximadamente 61% do total - percentual de negros na população capixaba - são seis: PV (60,41%), PT (60,44%), PRD (60,63%), PRTB (61,14%), PDT (61,29%) e Rede (61,46%).

Outras cinco legendas possuem percentual ainda maior: Mobiliza (63,85%), Psol (64,77%), Solidariedade (66,92%), Avante (70,31%) e o já citado PCdoB.

Uma das razões que explica a diferença entre as proporções de negros e brancos nos partidos, de acordo com Santos, é a existência ou não de órgãos internos voltados ao incentivo de candidaturas negras e combate ao racismo, mais comuns, segundo ele, em partidos da esquerda e em algumas legendas mais antigas da centro-direita.

O cientista político também pontua que os perfis dos negros candidatos variam de acordo com o espectro ideológico. “O perfil do negro nos partidos da direita está muito vinculado à igreja e a serviços militares. Enquanto na esquerda, são muitos professores e outros sindicalistas”.

Independentemente da posição ideológica, Santos defende que “para ter uma democracia plena, efetiva e pulsante, é preciso ter pessoas negras de todos os campos partidários e ideológicos". "É necessário, em um país historicamente desigual, envolver os diferentes atores e atrizes negros da política”.

PEC da Anistia

Apesar do aumento da proporção de candidaturas negras, que nacionalmente chegou a 52%, o número de eleitos pretos e pardos pode não avançar neste ano. Isso porque o financiamento de campanha, visto como um dos instrumentos mais importantes para obter sucesso nas eleições, foi comprometido com a aprovação da PEC da Anistia.

A Proposta de Emenda à Constituição aprovada pelo Congresso Nacional no dia 22 de agosto deste ano perdoa partidos - da esquerda à direita - que descumpriram a obrigatoriedade de repasses de recursos a candidaturas negras de forma proporcional ao número de postulantes.

O texto determina que os partidos serão obrigados a repassar apenas 30% dos recursos para o financiamento de candidaturas negras, independentemente do número de candidatos que compõem esse grupo.

Para Santos, a medida ilustra o quão profunda é a discussão acerca das minorias no Brasil. “A solução que os partidos encontraram foi de anistiar, colocar para baixo do tapete um problema latente. Isso é muito nocivo para a democracia”. Segundo ele, a PEC é uma forma de manter as mesmas lideranças políticas no poder através de reeleições constantes, em vez de abrir espaço para os negros e mulheres.

A proposta determina um prazo de até quatro pleitos para que os partidos anistiados compensem o não cumprimento da regra e também perdoa outras irregularidades em prestação de contas eleitorais.

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