A Câmara dos Deputados incluiu na pauta da sessão desta quarta-feira (24) uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que deve blindar parlamentares em casos como o do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), preso em flagrante por atacar o Supremo Tribunal Federal (STF) e fazer apologia à ditadura militar. A proposta amplia os limites da imunidade parlamentar e já conta com assinatura de 186 deputados, quatro deles da bancada capixaba. Eram necessárias 171 assinaturas para que o texto pudesse começar a tramitar.
Dos dez deputados do Espírito Santo, assinam o texto o líder da bancada, Josias da Vitória (Cidadania); um dos vice-líderes do governo Bolsonaro, Evair de Melo (PP); Norma Ayub (DEM) e Soraya Manato (PSL). Dos quatro, apenas Evair foi favorável à manutenção da prisão de Daniel Silveira.
A proposta é de que somente seja permitida a aplicação de medidas cautelares contra os parlamentares após decisão da maioria dos ministros do STF. O texto também traz uma nova norma para a análise de materiais apreendidos em operações no Congresso ou nas residências de parlamentares, que, se a PEC for aprovada, também vão precisar do aval do Supremo.
Outra inovação é em relação à regra que exige que a Polícia Legislativa seja informada e acompanhe operações nas dependências do Congresso. O texto ainda reduz o poder dos magistrados de definir onde os deputados presos em casos flagrantes deverão ficar.
A PEC, segundo o jornal "O Estado de S. Paulo", foi construída por determinação do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e formatada por uma comissão informal de deputados designados por ele.
A convocação para a votação foi feita às pressas. Lira quer aprovar o projeto a toque de caixa.
Além de Daniel Silveira, outra parlamentar está na berlinda. A deputada Flordelis (PSD-RJ), acusada de mandar matar o marido, já usa tornozeleira eletrônica e o Tribunal de Justiça do Rio determinou que ela seja suspensa do mandato. A Câmara ainda precisa confirmar a medida. Se a PEC já estivesse valendo, no entanto, o TJ do Rio não poderia agir nesse caso, somente o plenário do Supremo.
Na noite de quarta-feira, os deputados aprovaram – por 304 votos favoráveis, 154 contra e duas abstenções – a admissibilidade da proposta. Dos dez deputados capixabas, cinco votaram sim para a admissibilidade. Além de Da Vitória, Soraya, Norma e Evair, que já haviam assinado a PEC, o deputado federal Amaro Neto (Republicanos) também defendeu que a proposta entrasse em discussão.
Foram contra a tramitação os deputados Felipe Rigoni (PSB), Lauriete (PSC), Helder Salomão (PT), Neucimar Fraga (PSD) e Ted Conti (PSB).
Como a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) não foi instalada, a deputada Margarete Coelho (PP-PI) foi designada para relatar a PEC. Os defensores do texto têm se movimentado para fazer ajustes na matéria e tentar chegar a um consenso maior na Casa. Para entrar em vigor, uma emenda à Constituição precisa ser aprovada em dois turnos, com ao menos três quintos do Plenário, ou seja, com o voto de 308 parlamentares. Na sequência, o Senado também precisam dar o aval para a proposta, com votação em dois turnos com um mínimo de 49 votos favoráveis dos 81 senadores.
Favoráveis à admissibilidade da proposta, Da Vitória e Soraya disseram que, apesar do apoio para que a PEC fosse apresentada, ainda não decidiram como vão votar no mérito – ou seja, na avaliação do conteúdo do texto – quando ele for à votação.
O deputado federal Felipe Rigoni, também da bancada capixaba, manifestou-se nesta quarta sobre o tema e disse que a "discussão sobre imunidade parlamentar não é uma prioridade". Ele afirma que votará contra a iniciativa.
Neucimar Fraga afirmou ter sido "surpreendido" com a apresentação da proposta. Em reunião com a bancada do partido, ele questionou os pontos propostos e tem debatido com seus correligionários para que o PSD retire o apoio à PEC. "Não podemos cometer este erro. Sugiro que a PEC seja retirada de pauta para que seja elaborada uma proposta mais adequada e, assim, evitarmos uma série de emendas posteriores."
Helder Salomão, por sua vez, afirmou que a PEC "cria diversas amarras que dificultam a atuação do Poder Judiciário em face de eventuais abusos e até mesmo crimes perpetrados pelos Congressistas". "Defendo a constituição de uma comissão especial para discutir a matéria, melhorar o texto no sentido de delimitar de forma mais clara os limites da imunidade parlamentar, mas sem criar amarras para a atuação do Judiciário na coibição e punição de eventuais crimes", registrou, por meio de nota enviada à reportagem.
Norma Ayub, que foi uma das que assinaram para que a PEC fosse colocada em pauta, disse que ainda está estudando a matéria e não definiu como vai votar. "Apoiei a admissibilidade para colocar em discussão e participar dos debates, e assim ter a oportunidade para aperfeiçoarmos o texto. Vou seguir estudando a matéria e aguardar a reunião de líderes", disse, nesta quinta-feira (25), em nota.
Ted Conti também não definiu como vai votar, mas criticou a forma como a proposta foi apresentada, "a toque de caixa", segundo ele. Ele disse que esse formato impede que os parlamentares possam fazer uma análise mais profunda antes de votar. "Acredito que a imunidade parlamentar deve se restringir apenas aos temas relacionados ao exercício do mandato, de forma a garantir ao deputado uma segurança para legislar e fiscalizar. No entanto, se um deputado comete crime, ele deve responder pelos seus atos e não pode estar protegido para violar a lei brasileira", pontuou, nesta quinta.
A reportagem procurou os dez parlamentares da bancada para saber como se posicionam sobre o texto, mas não obteve respostas de Evair de Melo, Amaro Neto e Lauriete.
A proposta repercutiu mal entre ministros do STF que, segundo a CNN Brasil, já a chamam de "PEC da impunidade". Os magistrados afirmaram, reservadamente à emissora, que o texto cria um "sistema superprotetor" e transforma a "imunidade em impunidade". Há a preocupação de que, se aprovada, a emenda acirre os ânimos entre o Legislativo e o Judiciário.
Para os ministros, se já estivesse em vigor, dificilmente Silveira teria sido preso. Como se trata de uma proposta de caráter penal, a lei retroagiria e, na prática, poderia tirar o deputado da prisão.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta