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Reforma administrativa pode acabar com férias de dois meses de magistrados

Reforma administrativa pode acabar com férias de dois meses de magistrados

Membros do MP também seriam afetados;  Augusto Aras, o PGR, disse que carga de trabalho é "desumana".  Especialistas afirmam que deve haver equidade e destacam: magistrados e procuradores são servidores como os demais

Publicado em 6 de novembro de 2019 às 20:56

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Pleno do Tribunal de Justiça do Espírito Santo: magistrados podem não ter mais 60 dias de férias. (Fernando Madeira)

A proposta de reforma administrativa que altera regras do funcionalismo, e que deve ser entregue nos próximos dias pelo governo ao Congresso em forma de Proposta de Emenda à Constituição (PEC), pretende acabar com a regra que hoje permite que juízes e membros do Ministério Público tirem dois meses de férias por ano. Isso é garantido por uma legislação da década de 70. O objetivo da equipe econômica é reduzir pontos que são considerados privilégios e uniformizar as regras para funcionários de todos os Poderes. Após o governo ter apresentado 3 PECs esta semana com medidas econômicas para aliviar as contas públicas, a PEC da reforma administrativa é um quarto texto a ser proposto, com mudanças para funcionalismo público.

Para as entidades de classe que representam as autoridades no Espírito Santo, este benefício é necessário para as carreiras, já que elas têm um ofício diferenciado. O procurador-geral da República, Augusto Aras, também reagiu, afirmando que a carga de trabalho dos integrantes do MP é "desumana". Mas especialistas apontam que a mudança é necessária para estabelecer equidade e que magistrados e destacam que promotores são servidores, como todos os outros.

Pela PEC, que deve começar a tramitar pela Câmara, a Constituição uniformizaria as regras, deixando claro que nenhum servidor terá direito a férias de mais de 30 dias. Hoje, magistrados têm direito ao benefício graças à Lei Orgânica da Magistratura Nacional, editada em 1979, que garante "férias anuais, por sessenta dias, coletivas ou individuais". O Ministério Público, por ter carreira equiparada, também tem o mesmo direito. Para mudar a regra por meio de lei, só seria possível se o projeto fosse enviado pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF).

O professor da FDV e doutorando em Direito Constitucional Caleb Salomão acredita que a medida tem o potencial de ser aprovada pelo Congresso, apesar do lobby contrário que será feito pelos membros das carreiras. "Criou-se uma casta no Brasil, concedendo a uma classe benefícios que outras não têm. A mudança é necessária para moralizar o serviço público, estabelecendo uma equidade. Isso é importante no aspecto ético. Magistrados e promotores não se veem como servidores públicos por conta da função diferenciada que exercem. As outras garantias funcionais que eles possuem se justificam, como a autonomia,  inamovibilidade, a vitaliciedade. Férias em dobro não tem propósito", defende. 

"Hoje em dia se discute muito a questão da igualdade de direitos, deveres. Claro que cada carreira tem suas excepcionalidades, mas o que me parece é que seria oportuna essa uniformização. O argumento de que há uma grande carga de trabalho não se justifica, pois eles não são os únicos no serviço público nesta situação, e ainda possuem remuneração compatível com o serviço desempenhado. Além disso, com a implantação do processo eletrônico, a forma de trabalho dessas carreiras poderá ser modificada", disse Salomão. 

Para o professor de gestão pública da Mackenzie, Antônio Cecílio Pires, o momento é oportuno para que a concessão do benefício seja revisada, já que há anos o assunto não entra em pauta. A última vez foi em 2013, quando o próprio STF, que é quem teria competência para legislar sobre o tema, criou uma comissão especial para revisar e mandar para o Congresso projeto de lei sobre os benefícios. Na época, o então presidente da Corte, Joaquim Barbosa, com o capital político em alta desde o julgamento do mensalão, deu início a discussões para fazer uma reforma no Estatuto da Magistratura.

90 DIAS

Com as folgas dos recessos de fim de ano e os feriados nacionais, estaduais e municipais, juízes e procuradores podem somar mais de 90 dias parados por ano. Por conta disso, na prática, muitos deles não gozam a totalidade dos 60 dias de férias, sob o argumento de que os serviços estariam desfalcados por um longo período, e solicitam a indenização pelos dias não gozados, o que gera impacto extra aos cofres públicos. Em agosto deste ano, inclusive, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou uma resolução para limitar que os magistrados só podem ser indenizados sobre 1/3 das férias.

O presidente da Associação dos Magistrados do Espírito Santo (Amages), Daniel Peçanha, defende que os juízes precisam de um regime jurídico que dê tratamento diferenciado para as férias. "Existem diversos cargos ou profissões que precisam ter atrativos para a carreira. Certamente isso foi previsto pelo estresse e por toda a demanda do cargo, a falta de horário fixo para trabalhar, e também para atrair os melhores para a função pública. Quando você começa a retirar esses benefícios, pode haver desinteresse", declarou.

Já o presidente da Associação dos Membros do Ministério Público do Espírito Santo (Aesmp), Pedro Ivo de Sousa, declarou que as entidades representativas do órgão definiram que só se manifestarão após ter acesso ao texto final da proposta do governo. O procurador-geral da República, Augusto Aras, no entanto, pontuou que os membros do MP são agentes políticos e e que, por isso, "não podem estar submetidos a jornadas de trabalho pré-estabelecidas".

"O Ministério Público tem de cumprir prazos exíguos, não obstante o número de processos que cada procurador recebe mensalmente para manifestações algumas vezes superando 500 processos (cujos prazos devem ser cumpridos), muitos dos quais exigindo complexidade e exame profundo da matéria de fato e de direito. A carga de trabalho de cada membro torna-se até certo ponto desumana até porque seu quadro de pessoal permanece deficitário há muito tempo, forçando substituições ou ausência do MP em locais importantes do imenso território que ele tem de estar presente", manifestou-se Augusto Aras, na segunda-feira (4).

PROPOSTA

A reforma administrativa também traz outras medidas que devem enfrentar resistência dos servidores públicos, como a retirada da estabilidade de novos servidores públicos. Para entrar no funcionalismo, será preciso prestar concurso, ter títulos e até mesmo comprovar experiência em alguns casos. A estabilidade na carreira só viria após um prazo de dez anos, entre o chamado trainee e o estágio probatório.

Além da expectativa para o envio do projeto da reforma administrativa, nesta semana em que completou 300 dias o governo Bolsonaro encaminhou para o Congresso Nacional as três PECs que prometem redistribuir o orçamento: a PEC do pacto federativo, a PEC Emergencial e PEC dos fundos públicos. Além disso, pode haver um pacote de estímulo ao emprego anunciado nesta quinta-feira (7). Com ele, o governo fechará o envio do conjunto de medidas pós-reforma da Previdência.

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