A decisão do presidente da Assembleia Legislativa, Erick Musso (Republicanos) de renunciar à eleição antecipada da Mesa Diretora, como anunciado em carta assinada por ele e outros 21 deputados nesta quarta-feira (4), não resolve a brecha jurídica e regimental deixada na Casa após a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que possibilitou a manobra, de acordo com especialistas.
Da forma como foi redigida, a emenda constitucional nº 113 traz problemas como a insegurança jurídica e a ameaça a princípios constitucionais, como o da publicidade e moralidade e também o da razoabilidade. O texto diz que a eleição será "em data e hora previamente designadas pelo presidente da Assembleia Legislativa, antes do início do terceiro ano de cada legislatura". De acordo com professores de Direito, esta é uma chamada norma "em branco", ou seja, que carece de uma complementação para ser aplicada, mas que trata de um tema muito relevante.
Para o professor da FDV Adriano Pedra, o mais grave de toda a situação foi a aplicação da PEC, no caso concreto, situação que pode voltar a ocorrer, caso seja este o interesse político. "O fato do presidente ter voltado atrás não resolve definitivamente a questão. Se por um lado ficamos sem uma eleição realizada antecipadamente, por outro ainda há margem de que a situação se repita no futuro", avalia. Ele considera que não há uma propriamente uma violação à lei por deixar o prazo da eleição em aberto, mas que o ideal é haver algum tipo de regulamentação mais específica.
"A Casa poderia regulamentar, por meio de um ato interno, estabelecer uma data, ou um prazo para a convocação, desde que eles tenham o mínimo de razoabilidade. Não parece razoável colocar o pleito em votação um ano e meio antes do início do mandato, não se justifica antecipar tanto assim. A eleição precisa refletir o momento."
O doutor em Direito Constitucional e professor da Ufes Ricardo Gueiros acrescenta que, do ponto de vista constitucional, há manifesta desproporcionalidade na emenda. "O Poder Legislativo não pode exercer suas funções de forma ilimitada, ou seja, sem que sejam seguidos os postulados da proporcionalidade, que podem ser traduzidos por um mínimo de razoabilidade. Uma norma jurídica não é apenas inconstitucional quando contraria diretamente a Constituição, mas também quando não possui a necessária razoabilidade, principalmente quando se trata de direto interesse público", explica.
A emenda pode se tornar inválida seja pela via do controle político, ou pela via controle jurisdicional, explica o professor de Direito Constitucional Caleb Salomão. No primeiro caso, a Assembleia precisaria elaborar uma nova proposta de emenda à Constituição, com uma nova regra, o que elevaria ainda mais o constrangimento ao qual já foram expostos, diante da renúncia.
Na segundo, a Justiça suspenderia a norma, ou a declararia inconstitucional. Estas medidas estão sendo discutidas em três ações judiciais. Uma ação civil pública movida pela OAB-ES, um mandado de segurança apresentado por quatro deputados, e uma ação direta de inconstitucionalidade, que o Cidadania deve ajuizar, no Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar anular a emenda, a pedido do deputado Fabrício Gandini.
Caleb considera que a emenda, se for mantida mesmo após a renúncia, fragiliza muito o jogo democrático na instituição. "É necessário que a sociedade se movimente para pressionar por um caminho ou outro. Se ela ficar válida, ela está produzindo efeitos, e pode aparecer outro aventureiro a qualquer tempo, e adotar postura parecida. Em democracias maduras, sequer se permite reeleição para essas funções. Isso é a porta para muitos malefícios para a democracia. Ela vicia o permanente candidato àquela função e a emenda agrava uma situação que já era preexistente, bagunça um sistema que já era imperfeito e causa insegurança jurídica", defende.
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