Réu em uma ação penal por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa, o conselheiro aposentado do Tribunal de Contas do Espírito Santo (TCES) José Antônio Pimentel vai receber auxílio-moradia, auxílio-alimentação, décimo terceiro salário, férias e adicional de 1/3 de férias retroativos ao período em que ficou afastado da Corte, antes da aposentadoria. O afastamento, entre junho de 2017 e julho de 2018, foi determinado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) devido a uma denúncia da Procuradoria-Geral da República contra o então conselheiro. O valor dos retroativos ainda vai ser calculado.
Em novembro do ano passado, Pimentel chegou a receber R$ 91.413,30 líquidos também como pagamento retroativo, na ocasião, por indenização de férias-prêmio. O pagamento foi determinado pelo Pleno do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), à unanimidade, em um mandado de segurança.
A decisão sobre os novos quatro benefícios foi tomada pelo Conselho Superior de Administração do TCES, na sessão do último dia 9, e o acórdão foi publicado nesta segunda-feira (22) no Diário Oficial. Foi julgado um recurso apresentado por Pimentel para receber o pagamento, após ter tido o pedido negado em setembro de 2020.
Cinco dos seis conselheiros que participaram da votação acompanharam o voto do relator, Rodrigo Coelho. O único voto divergente foi do conselheiro Sérgio Aboudib. O presidente do TCES, conselheiro Rodrigo Chamoun, não participou da votação.
Os conselheiros avaliaram que, pelo princípio da presunção de inocência e a determinação de que servidores públicos têm irredutibilidade de salários, ou seja, não podem ter os vencimentos reduzidos, a suspensão dos benefícios do servidor afastado de suas funções provisoriamente foi "medida excessiva, que afronta a Constituição Federal", já que Pimentel ainda não possuía, na época, condenação transitada em julgado, definitiva.
"A imposição de medida cautelar deve ser proporcional ao fim a que se destina, acarretando a menor intervenção e restrição possível aos direitos do agente, em respeito ao princípio da presunção de inocência, pois ao final da ação penal, o mesmo poderá ser absolvido da imputação que se lhe impõe", afirmou o relator no voto.
Em 2017, Pimentel se tornou réu no STJ, que tem a competência para julgar e processar conselheiros de Tribunais de Contas dos Estados por crimes cometidos por eles enquanto exercem a função de conselheiro e que tenham relação com a função pública.
Em novembro de 2018, com a aposentadoria de Pimentel, o STJ remeteu o processo para a Justiça Estadual, para tramitar em uma das Varas Criminais de Vitória. O caso está sob sigilo e ainda não houve decisão judicial.
No acórdão do TCES, também enfatizou-se o entendimento de que o ocupante de cargo público, ainda que afastado de suas atividades por razões como licença e aposentadoria, têm direito ao recebimento das verbas que decorrem do exercício do cargo, como os quatro benefícios pleiteados por Pimentel.
"Neste ponto, há que destacar que o recorrente deixou de exercer seu 'múnus público' (função) em razão de medida judicial cautelar que lhe fora imposta, e neste caso, admitir a redução de sua remuneração, nada mais é do que impor um cenário de culpa prévia ao mesmo, o que caracteriza, a meu ver, verdadeira antecipação de eventual condenação, o que é expressamente vedado pela Constituição Federal", complementou a decisão.
O afastamento de Pimentel ocorreu por determinação judicial, em junho de 2017, e durou 13 meses, até o conselheiro pedir aposentadoria, em julho de 2018, por tempo de contribuição. Ele ainda poderia permanecer na função por mais oito anos. Após a aposentadoria, os vencimentos dele passaram a ser de R$ 22.507,64 brutos, segundo dados do Portal da Transparência do governo estadual.
A decisão não tem recursos cabíveis, já que o Ministério Público de Contas, em regra, não participa das sessões do Conselho Superior de Administração do TCES, órgão responsável por analisar matérias de natureza administrativa interna.
O valor a ser recebido por Pimentel não consta na decisão e ainda vai ser calculado. De acordo com a assessoria do TCES, a decisão reconhece o direito do ex-conselheiro, mas ainda passará por trâmites internos para que o valor seja calculado, pois também deve ter correções monetárias.
Segundo estimativas de A Gazeta, o montante deve ultrapassar R$ 100 mil. Considerando os 13 meses que Pimentel ficou afastado e que o valor de auxílio-moradia pago na época era de R$ 4.377,73 mensais, o impacto seria de ao menos R$ 56,9 mil. Já o pagamento de auxílio-alimentação, que é de R$ 2.240,32 a conselheiros, somaria R$ 29.124,16. O 13º salário corresponde a R$ 35.041,76. Isso sem contar o pagamento de férias e seus adicionais.
A defesa do conselheiro, representada pelo advogado Weber Campos Vitral, comemorou a decisão. "O acórdão trouxe sólida fundamentação que, além de restaurar a legalidade, corrigiu a grave violação de garantias fundamentais da Constituição Federal que estavam ocorrendo neste caso. Portanto, a decisão foi justa e reconhece tão somente uma legítima pretensão dentro dos limites da lei e da Constituição e conta com o amparo de precedentes dos Tribunais Superiores aplicáveis à época dos fatos", disse, em nota.
A denúncia envolvendo Pimentel, que provocou seu afastamento do cargo e que pode ter sido a motivação para se aposentar antes do tempo foi realizada pelo Ministério Público Federal (MPF), apontando os crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa, delitos em razão do suposto recebimento de valores em troca da facilitação e de favorecimento para aprovação de contas perante a Corte de Contas estadual.
A denúncia foi feita após divulgação de gravação ambiental que revelou o envolvimento do conselheiro em esquema para a combinação de preços para licitação no município de Presidente Kennedy, no Sul do Estado. Os fatos estão ligados às investigações feitas na Operação Moeda de Troca, deflagrada em 2010.
O MPF apontou que teria havido o recebimento de R$ 102 mil nas contas do conselheiro sem comprovação de origem lícita, além da comprovação da atuação dele como consultor para beneficiar empresas em licitações de diversos municípios.
Pimentel assumiu o cargo de conselheiro do TCES em maio de 2010. De acordo com a denúncia, no período de 2010 a 2013, foi criado um "sindicato" dentro do Tribunal de Contas para a prática de crimes em diversos municípios capixabas, com a cooptação de prefeitos e gestores.
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