Ao menos nove pessoas estão sendo investigadas pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES) por suspeita de participação em um suposto esquema de venda de sentença no Fórum da Serra. A apuração do órgão aponta indícios de que eles teriam praticado os crimes de corrupção passiva, corrupção ativa e exploração de prestígio.
Além dos juízes Alexandre Farina, que atuava como diretor do Fórum, e Carlos Alexandre Gutmann, que era da 1ª Vara Cível da Serra – afastados das atividades pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) – a apuração do MP indica que três advogados, que trabalhavam para o empresário Eudes Cecato, beneficiado pela sentença supostamente vendida; um homem responsável por levar o dinheiro para a compra das decisões judiciais; um ex-funcionário da Associação de Magistrados do Espírito Santo (Amages), apontado como intermediário entre os juízes e o empresário; e o ex-policial civil Hilário Frasson, que também fazia a ponte entre o empresário e os juízes, tiveram participação no suposto crime.
O caso ainda está em fase de investigação. Estava sob sigilo, que foi derrubado na sessão do TJES da última quinta-feira (15), quando houve o afastamento dos magistrados.
No início de julho, o Grupo de Atuação Especializada no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) cumpriu mandados de busca e apreensão na casa do empresário e um dos intermediários do suposto esquema, Davi Ferreira da Gama, que era funcionário da Amages. Para o MPES, há indícios que a operação, chamada Alma Viva, foi vazada e que os investigados se prepararam para a apreensão.
Diretor do Fórum da Serra, o juiz Alexandre Farina, conforme as investigações, teria intermediado o pagamento de propina entre o empresário Eudes Cecato, representado por Hilário Frasson, e o juiz que assinou a sentença, Carlos Alexandre Gutmann. Em mensagens trocadas com Hilário Frasson, Farina cita um complexo plano "arquitetado" para beneficiar o empresário, que foi "construído a quatro mãos", dando a entender que ajudou a embasar a decisão.
Foi o juiz que assinou a sentença em que há suspeita de favorecimento de uma das partes em troca de vantagens indevidas. Gutmann atua na 1ª Vara Cível e teria feito reuniões com Farina sobre o processo de interesse do empresário Eudes Cecato. A ação de suscitação de dúvida era sobre um imóvel em Pitanga, no município da Serra, em que, resumidamente, o cartório responsável pelo registro procurou a Justiça para saber quem era o proprietário do terreno. A empresa de Euces, a Cecato Negócios Imobiliários, se colocava como proprietária do imóvel. Nas conversas, Hilário e Farina tratam Gutmann como "Alemão".
O ex-policial civil, que é acusado de mandar matar a ex-esposa, Milena Gottardi, em 2017 foi quem intermediou o contato entre Alexandre Farina e Eudes Cecato. Nas mensagens entre Hilário e Farina, o ex-policial sugere que os pagamentos realizados por Eudes "nunca falharam". Para o MPES, a mensagem é um indício de que Hilário já teria feito outros serviços para o empresário. Ele é apontado pelo executor do crime contra a médica como "amigo" de um juiz da Serra e teria orientado que o crime acontecesse na cidade.
É o dono da Cecato Negócios Imobiliários, empresa beneficiada pela sentença que teria sido vendida. Eudes e um familiar são sócios, segundo informações da Receita Federal, de sete empresas, que possuem, somadas, um capital de R$ 41,5 milhões. Ele é citado por Hilário e Farina como o "vendedor das vacas", descrito como "maçom antigo" e homem que tinha a confiança de Hilário. O ex-policial diz a Farina, após o juiz questionar se o empresário era confiável, que Eudes "nunca falhou", dando a entender, segundo o MPES, que Hilário já intermediou outros serviços para ele. Nas investigações, houve mandado de busca e apreensão contra o empresário.
É o "homem da mala", residente em Fundão e teria sido o responsável por pegar o dinheiro com Eudes Cecato, a mando de Hilário Frasson, e levar até Vitória. Ligações telefônicas indicam que no dia do pagamento ele se encontrou com Hilário ao lado da Chefatura da Polícia Civil, no bairro Santa Lúcia, em Vitória, onde o ex-policial trabalhava.
Era funcionário da Associação dos Magistrados do Espírito Santo (Amages) e atuou como intermediário entre o empresário Eudes Cecato e o juiz Alexandre Farina. Participou, com Hilário Frasson, de reuniões com Farina. Foi Davi quem foi até o Aeroporto de Vitória para receber o dinheiro de Eudes, que se negou a pagar naquele momento, causando irritação no juiz, como demonstram mensagens entre Farina e Hilário.
Era sócio do escritório de advocacia que atendia a empresa de Eudes Cecato e foi constituído como advogado do empresário na ação em que há suspeita de que a sentença foi vendida. Ele procurou uma assessora do juiz Carlos Alexandre Gutmann para falar sobre o processo, fato que causou irritação em Alexandre Farina, conforme mostram mensagens entre o juiz e Hilário.
É sócio, assim como Marcus Vicente, do escritório de advocacia que atendia Eudes Cecato. Em um encontro entre Farina e Hilário, é realizada uma ligação para Luiz Alberto, que também é advogado. No mesmo dia, Hilário informou a Farina que Luiz Alberto esteve no Fórum "despachando" e que entregou "um documento ao de Felipe". Imediatamente, Farina se irritou e escreveu mensagens a Hilário, dizendo que o advogado teria que retornar ao Fórum e entregar o documento diretamente ao juiz Carlos Alexandre Gutmann.
Alécio Favaro é outro advogado da empresa de Eudes Cecato. Na investigação, ele é citado em conversas com Hilário, de quem recebe ligações. Em uma mensagem entre o ex-policial e Alécio, Hilário diz a ele que já havia falado com o chefe, se referindo a Eudes Cecato.
O Ministério Público Estadual ofereceu denúncia sobre o caso no dia 28 de julho. Sete pessoas foram denunciadas por crimes de corrupção ativa e passiva: os juízes Alexandre Farina e Carlos Gutmann: o ex-policial civil Hilário Frasson, que está preso por envolvimento no assassinato da ex-mulher, a médica Milena Gottardi; Davi Ferreira; Eudes Cecato; além do advogado Luiz Alberto Lima Martins e Valmir Pandolfi.
Não houve denúncia contra os advogados Alécio Jocimar Favaro e Marcus Vicente Modenesi. A investigação contra eles foi arquivada.
A defesa do juiz Alexandre Farina afirmou que foi surpreendida com o julgamento realizado nesta quinta e reforçou, por nota, "o compromisso do magistrado em colaborar com a Justiça, a fim de esclarecer todos os fatos que se encontram em apuração".
"Apesar de a defesa do juiz Alexandre Farina Lopes ter solicitado desde o dia 07.07.2021, o acesso aos procedimentos investigativos – os quais tramitam em segredo absoluto por determinação do TJES –, até o presente momento não obtivemos acesso integral. Ontem, dia 15.07.2021, fomos surpreendidos com o julgamento de medida cautelar pelo Tribunal Pleno do TJES, em transmissão aberta no canal YouTube. Em que pese tais acontecimentos, a defesa reforça o compromisso do magistrado em colaborar com a Justiça, a fim de esclarecer todos os fatos que se encontram em apuração", diz a nota assinada pelos advogados Rafael Lima, Larah Brahim, Mariah Sartório, Kakay, Roberta Castro Marcelo Turbay, Liliane Carvalho, Álvaro Campos e Ananda França.
O advogado Raphael Câmara, que defende o juiz Carlos Alexandre Gutmann, disse, por meio de nota, que "o afastamento não é punição e não é reconhecimento de culpa" e complementou que a "defesa respeita a decisão do Tribunal de Justiça mas provará a inocência do magistrado muito em breve".
O advogado de Hilário Frasson no caso Milena Gottardi, Leonardo Gagno, afirmou que o ex-policial não foi notificado a respeito de uma suposta participação na venda de sentença, como aponta o MPES, e que Hilário ainda não tomou conhecimento das acusações.
A defesa de Eudes Cecato disse que desde que o empresário ficou ciente dos fatos investigados prontamente acatou todas as demandas indicadas e se colocou à disposição para colaborar com as investigações. "Sendo assim, registra seu mais alto interesse em contribuir para o esclarecimento de todos os fatos, de maneira que a Justiça seja feita", escreveram os advogados Fernando Ottoni e Clécio Lemos em nota enviada à reportagem.
A defesa de Davi Ferreira da Gama disse que ele "irá prestar as informações pertinentes nos próprios autos do processo em trâmite".
O advogado Marcus Modenesi Vicente, em nota, informou que desconhece supostas negociações ilícitas envolvendo quaisquer dos processos que atuou e atua. Ele "garante que sempre pautou a sua atuação profissional na mais estrita legalidade, adotando conduta ética e idônea no exercício da advocacia". Vicente destaca também que "já se colocou à disposição das autoridades para prestar todas as informações que se fizerem necessárias e acredita que toda a verdade será esclarecida".
O advogado Luiz Alberto Lima Martins, também em nota, disse que está à disposição da justiça e acredita, que toda a verdade será esclarecida. Explica que nesse momento não pode se manifestar sobre os fatos do inquérito em razão do segredo de justiça.
A reportagem não conseguiu contato com Alécio Jocimar Favaro e com Valmir Pandolfi.
A reportagem foi atualizada com a informação de que sete das nove pessoas investigadas foram denunciadas pelo Ministério Público por corrupção ativa e passiva. A investigação contra os advogados Marcus Vicente Modenesi e Alécio Jocimar Favaro foi arquivada.
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