O senador capixaba Marcos do Val (Podemos) relatou ter recebido proposta para executar atos visando a um golpe de Estado, em uma reunião com o ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL) e o ex-deputado Daniel Silveira (PTB-RJ). Em suas redes sociais, ele disse ter sido incentivado a gravar o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), com o objetivo de produzir condições para um golpe. Afinal, as condutas dos três podem ser consideradas crimes? A Gazeta ouviu juristas sobre o que diz a legislação e o que pode ser considerado irregular nas versões dadas pelo senador ao longo desta quinta-feira (2).
A pedido da Polícia Federal, o próprio Alexandre de Moraes determinou que o senador prestasse depoimento sobre os fatos relatados nas redes sociais ao longo da madrugada desta quinta (2) e em entrevista à revista Veja. Na decisão, o ministro afirmou que podem estar configurados os crimes de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
Esses dois crimes estão previstos no Código Penal, em artigos acrescentados na gestão Bolsonaro que tratam de crimes contra a soberania nacional e contra as instituições democráticas.
Na avaliação do advogado e processor de Direito Penal da Multivix Rivelino Amaral, "a reunião por si só não é suficiente" para caracterizar a prática dos crimes previstos nos artigos 359-L (abolição violenta do Estado Democrático de Direito) e 359-M (golpe de Estado) para os envolvidos. "É preciso saber se houve alguma iniciativa ou se foi apenas uma conversa. Fazer uma reunião e ter uma pretensão é uma coisa. Mas é preciso saber se houve movimentação para tornar aquela conversa em ação", frisou.
Amaral acredita que o depoimento do senador, assim como a manifestação do ministro Alexandre de Moraes — a quem Do Val afirmou ter reportado tudo o que ocorreu na reunião com Bolsonaro e Silveira —, serão imprescindíveis para definir se houve crime e quais crimes foram eventualmente praticados.
A advogada criminalista Ana Maria Bernardes também tem uma avaliação similar à do professor de Direito Penal. Para ela, a cogitação de um golpe de Estado e a confabulação disso em uma reunião não são o bastante para enquadrar os envolvidos nos crimes previstos no Código Penal para golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
"O Direito Penal não pune atos preparatórios, a não ser que esses atos configurem crime. A depender do teor da conversa poderia se configurar associação criminosa, mas ela exige que o objetivo seja a prática de crimes. Se a reunião foi apenas para planejar golpe de Estado, essa reunião, esse momento de cogitação em si, não é punível, não é crime", avaliada a criminalista.
Ela ainda aponta o fato de o Código Penal trazer textualmente a expressão "emprego de violência ou grave ameaça" para descrever os crimes previstos nos artigos 359-L e 359-M. Por isso, entende que Bolsonaro e Silveira, seja qual deles tenha proposto a Do Val a gravação do ministro Alexandre de Moraes com o intuito de dar um golpe de Estado, não estariam enquadrados nesses dispositivos.
Já o advogado e especialista em Direito Público e Direito Administrativo Sandro Americano Câmara diverge quanto à interpretação da expressão "emprego de violência e grave ameaça", por se tratar de uma legislação recente — esses dispositivos foram introduzidos no Código Penal em setembro de 2021, pela Lei 14.230/2021.
"É uma lei nova e ainda não houve decisão para interpretar esse aspecto da lei em relação à grave violência ou ameaça. São conceitos abertos. O que seria a grave ameaça? O que poderia ser considerado violência nesses casos?", questiona o especialista.
Por conta disso, ele acredita que tanto Bolsonaro quanto Silveira, qualquer um dos dois que tenha incentivado o senador a gravar Alexandre de Moraes, poderiam ser enquadrados nesses dispositivos do Código Penal. "O fato de a conversa ter sido lançada pelo Daniel Silveira ou pelo Bolsonaro, ou mesmo que tenha ficado calado, a circunstância faz com que todos os envolvidos respondam pelos crimes contra o Estado Democrático de Direito", avalia Câmara.
Em relação à conduta de Marcos do Val, se considerada a versão em que ele diz ter relatado todo o teor da conversa com Silveira e Bolsonaro ao ministro Alexandre de Moraes, os três juristas ouvidos concordam que foi correta e, se confirmada, pode livrá-lo de responder por quaisquer crimes nesse caso.
No entanto, Rivelino Amaral chama a atenção para o fato de não valer somente a palavra do senador. É preciso que sejam apresentadas provas. Sandro Câmara acrescenta que pode ser que a apuração dos fatos descubra situações que vão além das relatadas pelo senador nas redes sociais.
"Se for comprovado que o senador participou de forma mais contundente do que relatou, ele pode sofrer um processo no Conselho de Ética no Senado, desde que seja configurada uma conduta ilegal ou imprópria", acrescentou o especialista em Direito Público.
Já na esfera administrativa, Ana Maria Bernardes ressalta que é dever do funcionário público reportar qualquer situação que vá contra a legalidade e, por isso, Bolsonaro e Silveira poderiam responder por ter tomado conhecimento de uma trama de golpe de Estado e não ter informado isso às autoridades competentes. "Primeiro de tudo, eles nem deveriam estar tramando esse tipo de coisa", frisou.
Por fim, um dos pontos levantados ao longo do dia, diante das versões dadas pelo senador capixaba e por ter recebido ligação do senador Flávio Bolsonaro (PL-SP), foi de que o assunto teria vindo à tona com o intuito de tornar o ministro Alexandre de Moraes suspeito para atuar nos casos relacionados aos atos golpistas.
Enquanto Rivelino Amaral considera que "não implica em suspeição do ministro Alexandre de Moraes" o fato de ele sido procurado por Marcos do Val sobre a suposta proposta de golpe, Sandro Câmara pensa diferente, pois o ministro do STF pode ter que participar como testemunha no processo.
"Acho que, se ele recebeu aquela notícia, teve essa conversa com o senador, fica impedido de julgar ou suspeito para julgar essa causa. A gente vai precisar aguardar a apuração, pois foi algo extremamente grave que a gente ouviu. Mas entendo que se cria uma situação em que ele (Moraes) acaba sendo suspeito para conduzir esse processo", concluiu Câmara.
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